Honecker, último ditador da RDA, completaria 100 anos
25 de agosto de 2012Erich Honecker foi um homem do século 20: ele presenciou todas as mudanças políticas na Alemanha do período, das quais foi um dos principais protagonistas. Em agosto de 1992, o antigo líder da República Democrática Alemã (RDA) faleceu em Santiago do Chile.
Quando Honecker nasceu em Neunkirchen an der Saar, no estado alemão do Sarre, em 25 de agosto de 1912, o imperador Guilherme 2° ainda governava a Alemanha. A Primeira Guerra Mundial terminou seis anos mais tarde.
Na década de 1920, o filho de mineiro aprendeu carpintaria e, sob a influência de seu pai, filiou-se ao Partido Comunista da Alemanha (KPD). Em 1930, tornou-se funcionário de tempo integral do KPD do Sarre e é enviado para um ano de treinamento em Moscou.
Hitler e vida amorosa
Com a tomada de poder por Hitler em 1933, o KPD foi proibido na Alemanha e, para Honecker, teve início um período entre breves prisões e a fuga para o exterior. Apesar dos perigos, sempre retornou ao país, dando prosseguimento à agitação comunista a partir da clandestinidade. Em dezembro de 1935, foi descoberto pela Gestapo e condenado a dez anos de prisão por "conspiração para alta traição".
Em 6 de março de 1945, conseguiu escapar da colônia de trabalhos forçados, entrando na clandestinidade em Berlim e juntando-se após a guerra a Walter Ulbricht, comunista fiel à linha stalinista que havia retornado à Alemanha Oriental depois do exílio em Moscou. Em 1949, na zona de ocupação soviética, Ulbricht fundou a República Democrática Alemã, tornando-se seu primeiro chefe de Estado.
Enquanto Walter Ulbricht defendia uma posição moralmente elevada, seu protegido Honecker se entregou a uma intensa vida amorosa. Como chefe da Liga da Juventude Comunista (FDJ), o recém-casado Honecker se apaixonou pela funcionária do partido de 22 anos Margot Feist, natural de Halle, com quem teve um filho ilegítimo.
Em meados de 1952, até mesmo o principal grêmio de liderança da RDA, o Politbüro, se ocupou dos "casamentos escandalosos" do "camarada" Honecker. A separação só veio em 1955, e Honecker se casou com Feist, ministra da "Educação Popular" entre 1963 e 1989.
Apesar das restrições moralistas de velhos comunistas, Erich Honecker ascendeu dentro do recém-fundado Partido Socialista Único (SED) e assumiu, em 1958, o cargo de secretário para questões de segurança do Politbüro. tornando-se então o nome mais importante no Estado, depois de Walter Ulbricht. Além disso, também foi encarregado de planejar a construção do Muro de Berlim, em 1961. Até sua morte, considerou o Muro como um "muro de proteção antifascista", que "aliviou a tensão mundial".
Queda de Brandt
Em 3 de maio de 1971, sucedeu a Walter Ulbricht e, depois de alguma hesitação inicial, deixou-se convencer pela política de distensão ocidental do então chanceler federal alemão, Willy Brandt. A aproximação entre as duas Alemanhas levou à assinatura do Tratado Fundamental em 1972, que possibilitou uma significativa flexibilização de viagens entre a comunista República Democrática Alemã e a República Federal da Alemanha.
Dois anos mais tarde, Brandt renunciava, após a descoberta, em sua Chancelaria, do espião alemão oriental Günter Guillaume. O então premiê da RFA jamais perdoou Honecker por essa manobra.
No entanto, As relações entre as duas Alemanhas permaneceram inalteradas. Os chanceleres federais seguintes Helmut Schmidt e Helmut Kohl deram prosseguimento aos esforços de distensão com a RDA. O apogeu dessa aproximação foi a visita oficial de Honecker a Bonn, em setembro de 1987. Dessa forma, o então premiê Helmut Kohl reconhecia, de fato, a RDA como um legítimo segundo Estado alemão.
Cinofilia e suco de limão
De seu guarda-costas Lothar Herzog, soube-se recentemente que o presidente do Conselho de Estado da RDA mimava seu cachorro cocker spaniel até o autossacrifício, e que tomava suco de limão toda manhã. Além disso, adorava Nescafé e cerveja ocidental, enquanto sua esposa Margot preferia cigarros da marca HB – luxos aos quais os demais cidadãos da antiga RDA não tinham acesso.
O então governador da Baviera, Franz-Josef Strauss, que desde 1983 trocava visitas amigáveis com Honecker, considerava o ditador da RDA – "uma pessoa a quem se atribui um caráter seco" – um "animado contador de histórias". Egon Bahr, homem de confiança de Brandt, reparou em Honecker sua "pele pálida e macilenta, como pergaminho, e seu olhar penetrante".
Enquanto o governador Strauss ficou impressionado, em 1987, com o fato de "Honecker se mostrar, mais de uma vez, visivelmente emocionado durante sua visita oficial", ninguém imaginava o alcance desse acontecimento: a passagem de Honecker por Bonn não marcaria a consolidação da RDA como Estado, e sim o início de seu fim.
O ex-presidente alemão Richard von Weizsäcker observou posteriormente: "Em termos fatuais, a visita de Honecker a Bonn não promoveu a consolidação dos dois Estados, mas a coesão da Alemanha". Pois a visita a Bonn resultou em que milhões de cidadãos da RDA apresentassem pedido de emigração para a Alemanha Ocidental.
Ainda em 1992, irritada, a comunista Sarah Wagenknecht acusaria Honecker de "liberalismo excessivo", o qual haveria contribuído significativamente para o colapso da RDA. Hoje, ela é vice-presidente da bancada do partido A Esquerda no Bundestag, câmara baixa do parlamento alemão.
Carnificina evitada
Mas o mundo já se encontrava há tempos sob a influência da transformação do bloco oriental, preparada pelo então novo líder soviético Mikhail Gorbatchov desde 1986. Enquanto outros Estados do bloco oriental, como a Polônia e a Hungria, reconheceram que as reformas de Gorbatchov levariam à sua independência em relação à União Soviética e a uma maior liberdade para seus cidadãos, Honecker obstinava-se em "resistir até o mais amargo fim", lembra o diplomata russo Valentin Falin.
Enquanto o ditador registrava com grandes comemorações os 40 anos de fundação da RDA, em meados de 1989 mais de 20 mil cidadãos alemães orientais emigravam para o Ocidente, entre eles, os 6 mil que fugiram de forma espetacular através da Embaixada da Alemanha em Praga, em setembro de 1989. Por esse motivo, durante sua visita a Berlim, em 7 de outubro de 1989, Gorbatchov advertiu Honecker com palavras que se tornaram célebres: "A vida castiga quem chega tarde".
Honecker estava disposto a um confronto sangrento com seu próprio povo. Em suas memórias, Willy Brandt balança a cabeça, em desaprovação: "Honecker já havia encaminhado a ordem de combate ao Exército Nacional Popular [NVA]; munição foi distribuída. Em Dresden, os tanques já estavam a caminho".
Em última análise, Honecker deve a seu Politbüro o fato de não entrar para a história como o autor cruel de uma carnificina: seus "camaradas" se insubordinaram e o depuseram em 18 de outubro de 1989. Em março de 1991, ele fugiu para Moscou, porém foi extraditado pelo governo russo para a Alemanha, onde era acusado de assassinato, devido às ordens de atirar, na fronteira entre as duas Alemanhas.
"A vida castiga"
Amargurado, no fim de sua vida Honecker constatou que se encontrava na mesma prisão do bairro berlinense de Moabit em que fora encarcerado ainda jovem, durante a luta contra os nazistas. Ele se via novamente como vítima e reclamava que "hoje chamam de criminosos aqueles que ontem festejavam com honras de Estado".
Por ele ser doente terminal de câncer, o processo foi arquivado no início de 1993, o que lhe possibilitou emigrar para o Chile, onde sua esposa e filha já haviam encontrado asilo. O ex-dirigente da Alemanha comunista morreu em 29 de maio de 1994, na capital Santiago.
A tragédia da vida e obra de Erich Honecker foi o fato de, no passado, ele próprio ter sido perseguido por uma ditadura, mas até sua morte não reconhecer como passo a passo fora se transformando, de "bom comunista" em ditador.
Autor: Tom Goeller (ca)
Revisão: Augusto Valente