Escândalo da Covaxin se aproxima de Bolsonaro
26 de junho de 2021Caiu como um terremoto político em Brasília a acusação, nos últimos minutos da CPI na sexta-feira (25/06), de que o líder do governo na Câmara, um aliado próximo de Jair Bolsonaro, estaria envolvido no escândalo da compra da vacina indiana Covaxin e de que isso seria de conhecimento do presidente.
O episódio desmonta parte do discurso de Bolsonaro sobre combate à corrupção e compra de imunizantes e encerrou uma semana ruim para o Palácio do Planalto, que teve a exoneração do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, uma pesquisa eleitoral colocando Bolsonaro 26 pontos percentuais atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e uma nova rodada de protestos contra o governo marcada para o dia 24 de julho, após a alta adesão aos atos no último sábado.
A implicação será explorada no próximo mês pelos senadores da CPI, que pretendem reunir mais informações sobre a compra da Covaxin e discutem informar o Supremo Tribunal Federal de indícios de que Bolsonaro teria cometido o crime de prevaricação ao não determinar a investigação do caso após ter sido avisado.
Deputados também consideram incluir a acusação de prevaricação em um novo pedido de impeachment do presidente elaborado por uma articulação de diversos partidos e movimentos sociais que será protocolado na Câmara nesta quarta.
Por que Bolsonaro foi envolvido?
O deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) e seu irmão, Luis Ricardo Miranda, servidor concursado do Ministério da Saúde e chefe de importação do Departamento de Logística da pasta, afirmaram terem avisado Bolsonaro em 20 de março de "indícios de corrupção" na compra da Covaxin, durante um encontro pessoal no Palácio da Alvorada.
Após receber o aviso, o deputado Miranda disse que Bolsonaro demonstrou a ele entender a gravidade da situação e se comprometeu a encaminhar o caso à Polícia Federal. Miranda também afirmou que o presidente teria dito que acreditava que o deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara, estava por trás do "rolo" da Covaxin.
Não há registro de abertura de inquérito pela polícia sobre esse tema na época, e Barros seguiu no cargo de líder do governo e se reunindo com frequência com Bolsonaro. Alguns desses encontros estão registrados no Twitter do deputado, como neste em 18 de maio, dois meses depois da reunião dos irmãos Miranda com o presidente.
Barros é um dos expoentes do Centrão, grupo de partidos que apoia o presidente em troca de espaço no governo e verbas para suas bases eleitorais. Seu partido, o PP, é o que teve mais parlamentares investigados pela Operação Lava Jato, e foi a legenda de Bolsonaro de 2005 a 2016.
Como isso desmonta o discurso do presidente?
A acusação de que Bolsonaro foi informado de um possível escândalo de corrupção envolvendo a compra de vacina e o líder de seu governo na Câmara, mas não tomou medidas para investigar ou afastar Barros, atinge um dos pilares do discurso que o alçou ao cargo de presidente: de que ele seria intolerante com corrupção.
Outros escândalos já implicaram Bolsonaro nesse tema, como o caso Fabrício Queiroz e valores depositados na conta da primeira-dama, Michelle Bolsonaro. A acusação dos irmãos Miranda, porém, toca num assunto mais sensível, a compra de vacinas em meio a um pandemia que já matou mais de 510 mil brasileiros, e foi feita em uma CPI controlada por senadores independentes e de oposição ao governo que buscam formas de ampliar o desgaste de Bolsonaro.
A compra da Covaxin também contradiz os argumentos usados pelo governo federal para justificar a demora para confirmar a compra da vacina da Pfizer-BioNTech, apesar de seguidas ofertas feitas ao longo de 2020 pela farmacêutica.
Em dezembro, o presidente disse que não estava preocupado em finalizar a compra do imunizante com rapidez porque ele ainda não havia recebido o aval da Anvisa. "Nós temos que ter responsabilidade, certas coisas não podem ser correndo, você está mexendo com a vida do próximo", afirmou ele na época.
O governo federal também reclamou do preço de cada dose da vacina da Pfizer-BioNTech, de 10 dólares. À CPI, o ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, disse que tinha considerado o valor muito elevado. A Covaxin, porém, foi comprada por um valor 20% superior, isso quando ainda não havia publicado o estudo clínico de fase 3, que permite aferir a sua eficácia, e não tinha sido aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Quais são os outros vínculos de Barros com a Covaxin?
Barros foi ministro da Saúde no governo Michel Temer e e réu em uma ação de improbidade administrativa sobre um contrato assinado em sua gestão, que apura o pagamento antecipado de R$ 20 milhões por medicamentos não entregues à pasta pela empresa Global Gestão de Saúde. Francisco Emerson Maximiano, sócio da Global, é dono da Precisa Medicamentos, que intermediou a compra da Covaxin pelo Brasil.
Quando era ministro, Barros nomeou para a pasta a servidora Regina Célia Silva Oliveira, que hoje é a fiscal do contrato de compra da Covaxin firmado entre o ministério e a Precisa. Ela foi citada diversas vezes pelos irmãos Miranda à CPI.
Uma emenda assinada por Barros também ajudou na compra da Covaxin pelo governo, ao incluir a autoridade sanitária da Índia na lista de entidades cuja aprovação bastaria para que a Anvisa autorizasse a importação de vacina para a covid-19.
Barros nega ter participado de negociações para a aquisição da vacina indiana e disse que está à disposição para "quaisquer esclarecimentos".
Por que a compra da Covaxin levanta suspeita?
A decisão de comprar o imunizante foi tomada de forma excepcionalmente rápida pelo Ministério da Saúde, comparado com o processo de aquisição de outros imunizantes. O contrato com o governo brasileiro foi confirmado em 26 de fevereiro e envolvia o fornecimento de 20 milhões de doses, no valor de R$ 1,6 bilhão. O montante já está empenhado (reservado para pagamento) pelo Ministério da Saúde, mas não foi usado.
Na data do anúncio, a pasta disse que os primeiros 8 milhões de doses chegariam em março, outros 8 milhões em abril e os últimos 4 milhões em maio. Até este sábado, porém, nenhuma dose havia sido entregue ao país, devido a restrições da Anvisa e outros problemas.
À CPI, Luis Ricardo Miranda disse ter sofrido "pressão incomum" dentro do Ministério da Saúde para liberar a importação da Covaxin e recebeu um pedido para que a pasta fizesse um pagamento adiantado de 45 milhões de dólares (R$ 223 milhões) não previsto em contrato.
Cada dose da Covaxin saiu por 15 dólares, o que faz dela a vacina mais cara negociada pelo Brasil até o momento. As doses da vacina da Pfizer-Biontech foram compradas por 10 a 12 dólares, as da AstraZeneca, na faixa de 3 a 5 dólares, e as da Janssen, por 10 dólares. As da Coronavac custaram R$ 58,20 por dose, equivalente a cerca de 12 dólares.
Quais são os próximos passos da CPI?
Os senadores da comissão vão ouvir, em data ainda não definida, Francisco Emerson Maximiano, dono da Precisa Medicamentos. Ele já teve seus sigilos telefônico, fiscal e bancário quebrados, e seu depoimento estava agendado inicialmente para a última quarta, mas ele informou que não compareceria pois estava cumprindo quarentena por ter voltado de uma viagem à Índia.
O presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), pretende convocar Regina Célia Silva Oliveira, nomeada por Barros para o Ministério da Saúde e fiscal do contrato de compra da Covaxin. A convocação ainda precisa ser aprovada pelo colegiado.
O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), disse que a comissão avalia informar ao Supremo ter encontrado elementos de que Bolsonaro teria cometido o crime de prevaricação. Para ser julgado por esse crime na corte, no entanto, o presidente ainda teria que ser denunciado pela Procuradoria-Geral da República, e o processo teria ser autorizado por dois terços dos deputados federais.
Os depoimentos previstos pela CPI na próxima semana não têm relação com o caso da Covaxin. Na terça, será ouvido Fausto Júnior, deputado estadual do Amazonas que relatou uma CPI estadual sobre o combate à pandemia. O requerimento para convocá-lo foi apresentado pelo senador Marcos Rogério (DEM-RO), aliado de Bolsonaro.
Na quarta, será ouvido Carlos Wizard Martins, sobre o suposto "gabinete paralelo" que teria orientado Bolsonaro em ações relativas à pandemia, como a recomendação do uso de medicamentos sem eficácia comprovada contra a doença. Na quinta, a CPI deve realizar sua primeira acareação, entre a infectologista Luana Araújo, que trabalhou por dez dias no Ministério da Saúde, e a coordenadora do PNI (Programa Nacional de Imunizações), Francieli Fantinato.