Escritores alemães refletem contraste de gerações
29 de agosto de 2006As recentes revelações de Günter Grass sobre seu passado nazista não cegaram a crítica alemã, que optou por deixar de lado o julgamento moral e ler sua recém-publicada autobiografia do ponto de vista meramente literário. O mesmo vale para os livros de ficção publicados este ano por outros autores canônicos da literatura alemã contemporânea, como Martin Walser e Hans Magnus Enzensberger. O significado histórico dos autores não leva a crítica a exigir menos do acabamento e do teor de inovação dos livros.
Reabilitado como literato
Günter Grass convenceu a crítica com sua autobiografia Beim Häuten der Zwiebel (Descascando Cebola), apesar da indignação causada anteriormente pela surpreendente confissão de que o Nobel de Literatura participara da tropa de elite de Hitler em sua juventude. Para o Frankfurter Allgemeine Zeitung, que antecipara informações da autobiografia numa entrevista com Grass, o escritor mantém sua credibilidade como literato – uma opinião da qual nenhuma crítica publicada na grande imprensa diverge.
O principal foco de reflexão dos críticos foi a mistura de teor factual e tom ficcionalizante. Para alguns, é justamente essa a graça do livro. A imagem da cebola que se descasca sem nunca se chegar ao cerne se afirma como metáfora convincente da memória. Na recordação de sua juventude de 1939 a 1959, desde a Segunda Guerra até seus anos em Paris, onde escreveu O Tambor, Grass enreda a voz do passado e a do presente, protegendo com suas reflexões de adulto o menino de antigamente.
Aqui as opiniões se dividem. Para alguns críticos, o impacto estético do livro se deve justamente a essa duplicidade de um eu que investiga e um outro eu somente capaz de recalcar. Outros vêem no alto teor metafórico da autobiografia uma estratégia para velar o passado e criar uma aura à sua volta. Com sua autobiografia, Grass recebeu o respeito de todos e alguns elogios entusiásticos: "seu mais importante livro publicado desde a trilogia de Danzig", "um livro importante e bem resolvido", "radical".
Erotismo da terceira idade
Já Martin Walser decepcionou grande parte da crítica com seu novo romance Angstblüte (Flor do Medo), protagonizado por um consultor financeiro de 70 anos que se apaixona por uma jovem atriz interessada em usar o dinheiro dele para financiar seu filme. O livro, compreendido ao mesmo tempo como crítica ao capitalismo e reflexão sobre o envelhecimento, foi demolido como "fantasia de um homem senil" ou elogiado pelo "maravilhoso erotismo descarado da terceira idade".
Um consenso entre os críticos é a falta de acabamento do romance, considerado redundante: "de 477 páginas, 300 são um verdadeiro prazer de leitura". Além do "desinteresse do autor pelo acabamento formal", a repetição de procedimentos de livros anteriores levou a crítica a concluir que este romance não acrescenta nada de novo à obra do escritor.
Por outro lado, alguns ficam contentes de reconhecer os velhos temas de Walser neste livro: "amor, casamento, sexo, a Alemanha, o sofrimento pela Alemanha e o sofrimento pelo sofrimento dos alemães por eles mesmos". Relevante também foi considerada a reflexão de Walser sobre o capitalismo selvagem que impera hoje e sobre a espiral da especulação financeira.
E Kafka com isso?
Assim como Walser, Hans Magnus Enzensberger irritou a crítica pela proliferação de lugares-comuns em seu novo livro de prosa Josefine und Ich (Josefine e Eu). A história do encontro de um jovem de 30 anos com uma fascinante senhora de 75 que afirma ter sido uma cantora famosa não convence pelo fato de as personagens serem demasiadamente artificiais, diz a crítica.
Redundância, banalidade e reacionarismo foram algumas das denúncias contra o novo livro de Enzensberger. Mas o pior, para a unanimidade dos críticos, é o fato de o escritor fazer referência explícita a Kafka e ao seu conto Josefine, a Cantora ou o Povo de Ratos. O resgate intertextual foi avaliado como "um certo desgaste do instinto de escritor" e até como "imitação insípida".