Escritores de origem estrangeira dão novo sotaques à literatura alemã
18 de março de 2013O escritor Thomas Martini não gosta de ser chamado de "literato imigrado". Ele considera o rótulo limitante e, alem disso, já está há muito tempo na Alemanha. Ele vive desde 1990 no país e há muitos anos em Berlim.
A cidade serve de cenário para o que o autor chama de jeunesse dorée internacional, bem como para seu romance Der Clown ohne Ort (O palhaço sem lugar). O livro é um perfil sombrio e contundente da geração de Martini: a dos adultos em torno dos 30, aparentemente felizes, mas que por dentro sentem um enorme vazio e desamparo. Essas pessoas têm uma consciência acentuada da crise pela qual passa o continente europeu, mas são incapazes de transformá-la em ações.
Falta uma utopia à sua geração, diz Martini. E seu livro versa exatamente sobre isso. Em entrevista à DW, o escritor afirma ter, graças à sua própria biografia, um olhar especial sobre o assunto. E talvez também uma distância maior. Na região romena da Transilvânia, de onde vem, Martini vivenciou não somente uma ditadura, mas também uma pobreza extrema disseminada. Bem-estar é algo que ele conheceu somente depois de se mudar, com a família, para o sul da Alemanha.
Fluência em mais de uma língua
Quantos escritores cuja língua materna não é o alemão vivem na Alemanha? Embora não haja estatísticas oficiais, Klaus Hübner – um dos responsáveis pelo Prêmio Chamisso, voltado para escritores cuja língua materna não é o alemão, mas que escrevem no idioma – arrisca uma estimativa: entre dois e três mil.
O Prêmio Chamisso é concedido pela Fundação Robert Bosch desde 1985. O critério mais importante é a qualidade das obras, diz Hübner. Além disso, acrescenta, elas devem contribuir para o enriquecimento da literatura alemã contemporânea.
Entre os vencedores do prêmio estão escritores conceituados como Zsuzsa Bánk, Aras Ören, Ilja Trojanow e Feridun Zaimoglu. Além da recentemente agraciada Marjana Gaponenko, nascida em 1981 na ucraniana Odessa. Em seu romance Wer ist Martha? (Quem é Martha?), ela conta a história de um ornitólogo aposentado de 96 anos, que, nos últimos dias que lhe restam, celebra a vida como uma festa. Ao mesmo tempo, a autora evoca todas as chances perdidas do século 20. O romance, analisa Hübner, é um exemplo a ser seguido de como escrever bem em alemão.
Uma literatura original
A Alemanha é, há muito, um país de imigrantes. Eles chegam pelas mais diversas razões e trazem uma cultura própria, bem como uma língua materna. Quando, como é o caso de Gaponenko, à essa língua é acrescido o alemão, o resultado pode ser o surgimento de algo maravilhoso. Cria-se uma literatura na qual a língua original do autor ressoa naturalmente, com suas metáforas e estruturas linguísticas próprias, seus neologismos, expressões e provérbios adaptados que não existem no alemão. Textos como esse são, segundo Hübner, especiais para o leitor alemão por causa de sua originalidade.
No decorrer das últimas quatro décadas na Alemanha, a literatura produzida pelos autores com trajetória de migração passou a abordar diversos temas, apesar de ainda existirem as clássicas histórias de refugiados. Mas, no fim das contas, diz Hübner, esses escritores produzem literatura alemã, na qual são tratadas questões e temas europeus ou até globais.
E o universo da experiência própria, que flui subliminarmente para o texto, faz da história algo singular. Como por exemplo o romance Zuckerleben (Vida doce, em tradução livre), de Pyotr Magnus Nedov [foto principal], um escritor nascido na antiga União Soviética, que cresceu na Moldávia, Romênia e Áustria e estudou em Paris, Moscou, Montreal, Viena e Colônia. Aos 31 anos, ele já é um especialista em culturas celtas, diretor e pesquisador com tese concluída sobre cinema.
Escritor e cosmopolita
Nedov tem um perfil de amor à vida e curiosidade por ela. Ele mostra irritação diante da insistência em se falar de crise, e opõe-se com veemência a isso através da palavra. E reconhece que apenas queria falar sobre a realiade na Moldávia, sobre os momentos de ruptura e decadência, sobre que efeito isso teve sobre as pessoas no país, no início dos anos 1990. O autor confessa também que só inseriu a história atual de um motorista de caminhão e de um jovem casal, que anseia pela morte, mas acaba não sendo atropelado, para que seu livro encontrasse espaço entre o público alemão.
Mas como Nedov gosta de ironia e humor, não se sabe ao certo se ele está falando sério. Com seriedade ele afirma outra coisa: que o mundo todo é como se fosse seu lar, ou seja, que ele é um cosmopolita. Há um número cada vez maior de escritores assim. E a literatura que eles produzem merece ser celebrada.