Estudantes só vão testar mudanças no ensino médio em 2019
9 de fevereiro de 2017O governo federal conseguiu aprovar no Senado uma medida provisória que implementa mudanças no ensino médio, a etapa educacional oferecida a jovens de 15 a 17 anos que antecede a entrada para a universidade e a formação em nível superior. Porém, somente a partir de 2019 é que os estudantes de escolas públicas e privadas do país poderão, efetivamente, testar o novo sistema.
A Medida Provisória nº 746, a chamada "reforma do ensino médio", foi aprovada de supetão, com apoio de 43 senadores na noite desta quarta-feira (08/02), dando provas da força da base parlamentar do governo. Na próxima semana, o texto deve ser sancionado pelo presidente Michel Temer. A votação foi alardeada pelos governistas como uma grande conquista política, ainda que seus efeitos práticos não possam ser sentidos nos próximos dois anos.
Hoje, os alunos do ensino médio estudam 4 horas por dia e são obrigados a cursar 13 disciplinas. A reforma aumenta a carga horária diária para 5 horas e introduz uma nova lógica curricular: 60% das disciplinas serão obrigatórias, mas divididas em quatro grandes áreas de conhecimento: linguagens, ciências da natureza, ciências humanas e matemática.
O restante da grade curricular, os outros 40%, será cursada conforme as preferências de cada estudante, que poderá escolher, entre essas quatro áreas, a qual dará ênfase. Haverá também a opção de o aluno, nesses 40%, concluir o ensino profissionalizante.
Bases indefinidas
A grande questão é que, para que essa nova lógica de ensino seja experimentada, é preciso, antes, que o Ministério da Educação (MEC) defina as diretrizes de ensino de cada uma dessas quatro áreas de conhecimento. Essas definições devem constar na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e, depois de concluídas, serão enviadas para análise do Conselho Nacional de Educação. Esse processo é longo.
O MEC prevê que, em setembro, a base curricular comum estará concluída, e que os debates no Conselho de Educação terminem no máximo até dezembro deste ano. Segundo o ministério, nada impede que as redes de ensino que se sentirem preparadas possam iniciar as mudanças já em 2018.
"Ninguém ainda conhece a Base Nacional Curricular. Esse é o grande risco da reforma do ensino médio. Estamos definindo uma coisa que é 60% de algo que a gente não conhece", observa Priscila Cruz, presidente-executiva do movimento Todos pela Educação, que reúne segmentos da sociedade com objetivo de pressionar pela melhoria da qualidade do ensino.
"O governo sinaliza com uma enorme mudança, mas ela não poderá ser colocada em prática porque precisa de um outro documento que nem começou a ser feito para essa reforma poder se consubstanciar. A previsão é que mudança do ensino médio só comece em 2019. Nem no ano que vem será possível", prevê Cruz.
Falta debate sobre qualificação do professor
Outro aspecto complexo da reforma, acrescenta a especialista, é o gargalo da formação e qualificação de professores no Brasil. "Estamos com dificuldade de garantir que os professores ensinem o conteúdo básico. Imagine esses 40%, que seria um conhecimento mais avançado da disciplina. Se temos problema para o básico, imagina para o avançado. Não temos professores em escala no Brasil para garantir esses 40%."
Pensar em mudanças curriculares e alterações sem colocar a qualificação do professor no centro do debate, segundo ela, é como fazer um excelente projeto arquitetônico para uma casa construída com tijolos de areia. "A arquitetura é correta, mas você não sustenta uma política como essa sem professores de qualidade."
Má qualidade do ensino
O governo argumenta que os objetivos da reforma são modernizar o currículo, capturar a atenção dos jovens e reduzir a evasão escolar, dando mais opções de formação com uma grade curricular flexível, moderna, e permitindo também uma especialização técnica. O Ministério da Educação estima que há no Brasil mais de 1 milhão de jovens de 17 anos fora da escola, e outros 1,7 milhão que não estudam nem trabalham.
A justificativa do governo para aprovar as mudanças por medida provisória, um mecanismo de votação só usado para temas urgentes e relevantes, é que a reformulação do ensino médio é uma emergência. De fato, indicadores internacionais mostram que o nível educacional é baixo.
De acordo com levantamento do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), os estudantes brasileiros têm desempenho inferior à média dos alunos de 72 países quando medido o conhecimento em leitura, ciências e matemática. "Os indicadores muito negativos colocam o Brasil numa condição vexatória no contexto internacional", declarou o ministro da Educação, Mendonça Filho. Segundo ele, a aprovação da reforma dá aos jovens um sinal de que terão mais oportunidades e mais qualidade de ensino.
Especialistas em educação concordam com os princípios da reforma, em especial com o aumento da carga horária e a necessidade de permitir que o estudante faça opções sobre as disciplinas em que prefere se aprofundar. Porém, é grande a preocupação com a forma de implementação e com a existência de recursos financeiros que possam viabilizar a melhora da qualidade.
Para Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o aumento da carga horária requer mais recursos públicos, e os estados brasileiros estão praticamente todos em falência fiscal. Além disso, ele observa que a autonomia do estudante para escolher as matérias que quer estudar é positiva, mas vê no modelo proposto um engessamento. "O ideal seria o estudante poder fazer disciplinas eletivas, como na universidade. Mas ele vai ter que se limitar aos quatro itinerários formativos."