Estudantes venezuelanos vão às ruas em busca de um futuro melhor
23 de fevereiro de 2014Nos últimos dias, Vanessa Eissig, de 22 anos, tem tido que escutar muitas injúrias: ela e os de sua laia seriam reacionários, lacaios dos EUA, delatores, traidores da pátria. Contudo, o que mais magoa a estudante de Caracas é a acusação de pertencer a um bando de nazistas e fascistas, que conclamam um golpe de Estado na Venezuela.
A mágoa extrema de Vanessa se deve ao fato de ela vir de uma família judaica alemã. Seus antepassados foram confinados em campos de concentração: ela sabe a diferença entre ditadura e democracia.
No entanto, quanto mais o governo do presidente Nicolás Maduro se vê abalado pelas semanas de protestos estudantis, mais intolerável se torna a retórica do chefe de Estado socialista. Com insultos exaltados, ameaças e palavras de ordem incentivadoras, ele tenta manter o controle sobre seu país descarrilado. E dia após dia ele confirma que, para isso, quase qualquer meio lhe é válido.
Noites de violência
O sol mal se pôs na Praça Altamira em Chacao, um dos bairros mais abastados da capital venezuelana, e já começam a queimar as primeiras barricadas, erguidas naquela mesma tarde. Motocicletas circulam, agitadas, em todas as direções, aumentando o caos.
Os mais idosos fogem em pânico da área em torno da praça tão apreciada. Em compensação, chegam cada vez mais estudantes, trazendo os itens necessários para enfrentar a noite: água e vinagre contra o gás lacrimogêneo, toalhas e cachecóis para se mascarar. E garrafas de plástico com terra, gasolina e faixas de pano.
Têm início os primeiros conflitos. Canhões de água possantes despejam sua carga, misturada ao cáustico gás lacrimogêneo. Por trás das colunas de fumaça, vislumbram-se luzes vermelhas e azuis intermitentes, e a escuderia da polícia federal, a Guarda Nacional Bolivariana.
Justamente quando Vanessa está dando uma entrevista, cai uma granada de gás perto dela. Os manifestantes debandam do local, tossindo e xingando, e em direção ao obelisco. Minutos mais tarde, retornam, atirando suas garrafas de plástico contra os policiais. Cada vez que um dos coquetéis molotov explode, irrompe o aplauso. "A gente precisa se defender", explica a estudante, secamente.
Defendendo um futuro
Como todos os demais que, noite após noite, vão às ruas, ela está certa de estar defendendo nada menos do que o próprio futuro. De início, o alvo dos protestos dos estudantes eram a insegurança constante e o abastecimento catastroficamente deficiente.
Há carência de gêneros alimentícios básicos e de artigos do dia a dia. Uma mãe conta que durante três meses não encontrava leite para seus filhos. O país com as maiores reservas de petróleo do mundo tem que importar papel higiênico – também os jornais são afetados pela carência de papel.
Além disso, a população sofre com a violência feroz. Com menos habitantes do que o Canadá, a Venezuela tem um índice de criminalidade superior ao dos Estados Unidos. Não é incomum ocorrerem 60 assassinatos num só fim de semana, apenas em Caracas.
Enquanto o governo ignora ou minimiza as falhas e arbitrariedades, jovens como Vanessa não querem mais essa vida. "Eu fiz curso superior, mas não encontro emprego. Quero viver numa Venezuela livre, quero ter família e filhos. Não luto por um partido, luto como cidadã, como mulher", diz a descendente de alemães.
Segundo Yasmin Velasco, jornalista de destaque no país, muita gente pensa aquilo que os estudantes colocam em palavras. "Eles querem uma vida melhor, com mais segurança e mais qualidade. Os estudantes fazem uso deste meio para este fim."
Marco Antonio Ponce, pesquisador do Observatório Venezuelano de Conflito Social, confirma: "Na Venezuela, os jovens são tradicionalmente tidos em alta conta e gozam de muita simpatia, pois eles são o futuro."
Longe de uma solução
Mas o governo não tem muitos escrúpulos ao lidar com o futuro do país. Após duas horas, a polícia invade a Praça Altamira. Gritos se fazem ouvir através das nuvens de gás, manifestantes escapam para os restaurantes e as entradas das casas. Muitos são arrastados brutalmente pelas forças de segurança e espancados.
Os feridos são numerosos, mas pelo menos desta vez não houve mortos. Os temidos colectivos – gangues de motoqueiros que apoiam o governo e atiram a esmo nos opositores – se contiveram esta noite.
No dia seguinte, o presidente Maduro voltará a falar de uma "conspiração fascista" contra o seu país. Ele vai ordenar novas prisões de políticos da oposição, ameaçar de fechamento de os órgãos de imprensa críticos, enviar os militares para investirem contra os manifestantes na província.
Tudo indica que a nação dividida está longe de um diálogo ou consenso. Vanessa e os demais estudantes sabem que ainda terão que protestar por muito tempo até que alguma coisa mude.