Estudo atribui fracasso do Brasil na pandemia ao governo
15 de abril de 2021O Brasil fracassou no combate à pandemia de covid-19 devido a uma série de falhas e omissões dos gestores públicos, com o governo federal tendo um peso maior nessa culpa. É o que aponta um estudo publicado na quarta-feira (14/04) na prestigiada revista científica Science.
Liderada pela demógrafa brasileira Márcia Castro, da Escola de Saúde Pública da Universidade Harvard, a pesquisa é assinada por dez cientistas do Brasil e dos Estados Unidos, que tentam explicar como um país que possui um sistema de saúde universal e gratuito (o SUS) conseguiu se tornar um dos mais atingidos pela crise.
Usando dados diários de casos e mortes fornecidos pelas secretarias estaduais de Saúde, o grupo fez um mapeamento detalhado da disseminação do coronavírus no território nacional entre fevereiro e outubro do ano passado, primeira fase da epidemia, e concluiu que houve uma variação de padrões entre estados e municípios que reflete a diversidade das políticas de combate à covid-19 – ou a ausência delas.
A pesquisa afirma que, "embora nenhuma narrativa única explique a diversidade na disseminação, um fracasso geral em implementar respostas imediatas, coordenadas e equitativas em um contexto de fortes desigualdades locais alimentaram a propagação da doença".
Os cientistas reiteram que a conduta do governo do presidente Jair Bolsonaro tem um peso proporcionalmente muito maior no cenário de caos gerado pela pandemia – uma conduta que ficou marcada não só por omissões, mas por atos irregulares como a promoção de curas ineficazes.
"No Brasil, a resposta federal tem sido uma combinação perigosa de inação e irregularidades, incluindo a promoção da cloroquina como tratamento, apesar da falta de evidências", diz o estudo. "Sem uma estratégia nacional coordenada, as respostas locais variaram em forma, intensidade, duração e prazos de início e fim, até certo ponto associadas a alinhamentos políticos."
Segundo os pesquisadores, essa falta de coordenação na adoção de medidas por parte dos governos regionais – atribuída ao fracasso do governo Bolsonaro em implementar uma estratégia nacional – apenas contribuiu para que o vírus se espalhasse sem barreiras pelo país.
"À medida que estados e municípios impuseram e relaxaram medidas restritivas em diferentes momentos, a mobilidade populacional facilitou a circulação do vírus e atuou como desencadeador da disseminação da doença", destaca o estudo.
Ao comparar os números de infecções e mortes registrados entre fevereiro e outubro com as políticas de restrição à circulação de pessoas adotadas pelos gestores públicos, os pesquisadores observaram que essas medidas se mantiveram moderadas ou foram flexibilizadas mesmo em meio a uma fase crítica da pandemia, quando medidas mais rígidas se faziam necessárias.
O estudo também afirma que o alinhamento político entre governadores e o presidente – que sempre minimizou a pandemia e atacou a adoção de lockdowns – teve um papel importante na implementação ou não das medidas de distanciamento nos estados. Segundo os cientistas, essa "polarização politizou a pandemia" e prejudicou a adesão às medidas pela população.
Outros fatores
A pesquisa menciona ainda outros fatores que contribuíram para a gravidade da epidemia, como o vasto território e a profunda desigualdade observada no país, com muitas disparidades na quantidade e qualidade dos recursos disponíveis para a saúde em cada região.
O texto também afirma que a densa rede urbana que conecta os municípios por meio de transporte, serviços e negócios não foi totalmente interrompida durante os picos de casos e mortes, o que facilitou a propagação do vírus.
O grupo observa ainda que o coronavírus já circulava sem ser detectado pelo menos um mês antes do primeiro diagnóstico, "resultado da falta de uma vigilância genômica bem estruturada".
Alerta
Por fim, o estudo lembra que o Brasil vive hoje o pior momento da pandemia, com números recordes de casos e mortes e à beira do colapso do sistema hospitalar, e faz um alerta a favor da adoção imediata de uma resposta nacional coordenada.
"Em tal cenário, respostas imediatas e equitativas, coordenadas em nível federal, são imperativas para evitar a propagação rápida do vírus", reiteram os pesquisadores, lembrando que a variante P.1, detectada pela primeira vez em Manaus e mais contagiosa, adiciona um agravante à situação de caos no país.
"O fracasso em evitar essa nova rodada de propagação facilitará o surgimento de novos VOCs [variantes de preocupação, na sigla em inglês], isolará o Brasil como uma ameaça à segurança da saúde global e levará a uma crise humanitária completamente evitável", alertam.
CPI da Pandemia
O estudo foi publicado na mesma semana em que o Senado prepara uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) para apurar as ações e possíveis omissões do governo Bolsonaro durante a crise do coronavírus, que já matou mais de 361 mil brasileiros em pouco mais de um ano.
A CPI chega em um momento difícil para o presidente, que enfrenta um cenário econômico caótico, uma interminável crise sanitária, índices de popularidade em queda e uma relação tumultuada com sua recém-expandida base de apoio no Congresso.
Em pouco mais de um ano de pandemia, o governo se notabilizou por minimizar o perigo do vírus, sabotar medidas de distanciamento social, promover curas ineficazes, evitar articular uma política de enfrentamento nacional, além de promover teses infundadas sobre supostos riscos de vacinas e demonstrar desinteresse em garantir imunizantes para a população.
Uma pesquisa Datafolha de março mostrou que 54% dos brasileiros reprovam o desempenho de Bolsonaro na pandemia – apenas 22% aprovam. O país também passa pelo pior momento da pandemia, com recordes consecutivos nas contagens diárias de mortes e infecções.
ek (ots)