1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Estudo atribui fracasso do Brasil na pandemia ao governo

15 de abril de 2021

Pesquisa publicada na "Science" afirma que "combinação perigosa de inação e irregularidades" por parte da gestão Bolsonaro foi principal culpada pela rápida disseminação da covid-19 e o cenário de caos no país.

https://p.dw.com/p/3s5IJ
O presidente Jair Bolsonaro
Cientistas alertam para "crise humanitária completamente evitável" no paísFoto: Alan Santos/PR

O Brasil fracassou no combate à pandemia de covid-19 devido a uma série de falhas e omissões dos gestores públicos, com o governo federal tendo um peso maior nessa culpa. É o que aponta um estudo publicado na quarta-feira (14/04) na prestigiada revista científica Science.

Liderada pela demógrafa brasileira Márcia Castro, da Escola de Saúde Pública da Universidade Harvard, a pesquisa é assinada por dez cientistas do Brasil e dos Estados Unidos, que tentam explicar como um país que possui um sistema de saúde universal e gratuito (o SUS) conseguiu se tornar um dos mais atingidos pela crise.

Usando dados diários de casos e mortes fornecidos pelas secretarias estaduais de Saúde, o grupo fez um mapeamento detalhado da disseminação do coronavírus no território nacional entre fevereiro e outubro do ano passado, primeira fase da epidemia, e concluiu que houve uma variação de padrões entre estados e municípios que reflete a diversidade das políticas de combate à covid-19 – ou a ausência delas.

A pesquisa afirma que, "embora nenhuma narrativa única explique a diversidade na disseminação, um fracasso geral em implementar respostas imediatas, coordenadas e equitativas em um contexto de fortes desigualdades locais alimentaram a propagação da doença".

Os cientistas reiteram que a conduta do governo do presidente Jair Bolsonaro tem um peso proporcionalmente muito maior no cenário de caos gerado pela pandemia – uma conduta que ficou marcada não só por omissões, mas por atos irregulares como a promoção de curas ineficazes.

"No Brasil, a resposta federal tem sido uma combinação perigosa de inação e irregularidades, incluindo a promoção da cloroquina como tratamento, apesar da falta de evidências", diz o estudo. "Sem uma estratégia nacional coordenada, as respostas locais variaram em forma, intensidade, duração e prazos de início e fim, até certo ponto associadas a alinhamentos políticos."

Segundo os pesquisadores, essa falta de coordenação na adoção de medidas por parte dos governos regionais – atribuída ao fracasso do governo Bolsonaro em implementar uma estratégia nacional – apenas contribuiu para que o vírus se espalhasse sem barreiras pelo país.

"À medida que estados e municípios impuseram e relaxaram medidas restritivas em diferentes momentos, a mobilidade populacional facilitou a circulação do vírus e atuou como desencadeador da disseminação da doença", destaca o estudo.

Ao comparar os números de infecções e mortes registrados entre fevereiro e outubro com as políticas de restrição à circulação de pessoas adotadas pelos gestores públicos, os pesquisadores observaram que essas medidas se mantiveram moderadas ou foram flexibilizadas mesmo em meio a uma fase crítica da pandemia, quando medidas mais rígidas se faziam necessárias.

O estudo também afirma que o alinhamento político entre governadores e o presidente – que sempre minimizou a pandemia e atacou a adoção de lockdowns – teve um papel importante na implementação ou não das medidas de distanciamento nos estados. Segundo os cientistas, essa "polarização politizou a pandemia" e prejudicou a adesão às medidas pela população.

Outros fatores

A pesquisa menciona ainda outros fatores que contribuíram para a gravidade da epidemia, como o vasto território e a profunda desigualdade observada no país, com muitas disparidades na quantidade e qualidade dos recursos disponíveis para a saúde em cada região.

O texto também afirma que a densa rede urbana que conecta os municípios por meio de transporte, serviços e negócios não foi totalmente interrompida durante os picos de casos e mortes, o que facilitou a propagação do vírus.

O grupo observa ainda que o coronavírus já circulava sem ser detectado pelo menos um mês antes do primeiro diagnóstico, "resultado da falta de uma vigilância genômica bem estruturada".

Alerta

Por fim, o estudo lembra que o Brasil vive hoje o pior momento da pandemia, com números recordes de casos e mortes e à beira do colapso do sistema hospitalar, e faz um alerta a favor da adoção imediata de uma resposta nacional coordenada.

"Em tal cenário, respostas imediatas e equitativas, coordenadas em nível federal, são imperativas para evitar a propagação rápida do vírus", reiteram os pesquisadores, lembrando que a variante P.1, detectada pela primeira vez em Manaus e mais contagiosa, adiciona um agravante à situação de caos no país.

"O fracasso em evitar essa nova rodada de propagação facilitará o surgimento de novos VOCs [variantes de preocupação, na sigla em inglês], isolará o Brasil como uma ameaça à segurança da saúde global e levará a uma crise humanitária completamente evitável", alertam.

CPI da Pandemia

O estudo foi publicado na mesma semana em que o Senado prepara uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) para apurar as ações e possíveis omissões do governo Bolsonaro durante a crise do coronavírus, que já matou mais de 361 mil brasileiros em pouco mais de um ano.

A CPI chega em um momento difícil para o presidente, que enfrenta um cenário econômico caótico, uma interminável crise sanitária, índices de popularidade em queda e uma relação tumultuada com sua recém-expandida base de apoio no Congresso.

Em pouco mais de um ano de pandemia, o governo se notabilizou por minimizar o perigo do vírus, sabotar medidas de distanciamento social, promover curas ineficazes, evitar articular uma política de enfrentamento nacional, além de promover teses infundadas sobre supostos riscos de vacinas e demonstrar desinteresse em garantir imunizantes para a população.

Uma pesquisa Datafolha de março mostrou que 54% dos brasileiros reprovam o desempenho de Bolsonaro na pandemia – apenas 22% aprovam. O país também passa pelo pior momento da pandemia, com recordes consecutivos nas contagens diárias de mortes e infecções.

ek (ots)