Problema chamado Coreia
26 de novembro de 2010A dividida península coreana sempre foi dilema para todos os presidentes norte-americanos, desde que Dwight Eisenhower conseguiu o cessar-fogo na Guerra da Coreia em 1953. O ato impôs uma pausa no conflito, mas não encerrou completamente o confronto que perdurou por quase três anos e custou mais de 36 mil vidas de cidadãos norte-americanos.
Desde que o acordo de paz não oficial foi assinado há 58 anos através da intervenção de Eisenhower, as duas Coreias convivem com a possibilidade de um retorno à guerra.
O envolvimento dos Estados Unidos no conflito que dividiu a Coreia no paralelo 38 prossegue até hoje. Isso se deve ao compromisso dos Estados Unidos de proteger a Coreia do Sul de qualquer tipo de agressão vinda de seus vizinhos comunistas do norte. Cerca de 29 mil soldados norte-americanos estão estacionados na Coreia do Sul.
Os presidentes Johnson, Ford e Carter tiveram, durante seus respectivos mandatos, alguns desentendimentos com a Coreia do Norte. Já os líderes contemporâneos Bill Clinton e Bush tiveram que lidar com a crescente ambição nuclear do país asiático.
Enquanto desavenças nos mares da península coreana e pequenos ataques em terra logo após a guerra tivessem dado àqueles presidentes uma boa dor de cabeça, os últimos três chefes de governo norte-americanos encontraram um governo cada vez mais imprevisível na Coreia do Norte.
Aquela região, com sua ameaça nuclear, se transformou num problema completamente diferente. Embora a natureza da ameaça tenha mudado, ainda perdura a questão sobre qual seria a melhor maneira de lidar com a Coreia do Norte.
Muitos especialistas consultados pela imprensa europeia acreditam que o governo norte-coreano desenvolveu seu programa nuclear para aumentar a sua influência. Afinal, esse seria um meio de chantagear o Ocidente para que faça concessões em termos de sanções e ajuda.
Mas, até agora, os representantes da Casa Branca optaram por não tentar descobrir se o regime da Coreia do Norte está preparado, de fato, para empregar seu arsenal, ou apenas o usa para barganha.
O ataque à ilha Yeonpyeong promovido pela Coreia do Norte e a resposta dada pelo Sul na última terça-feira foi o confronto mais sério deste ano entre as duas Coreias. Em março último, o Norte afundou o navio Cheonan, do Sul.
No entanto, o bombardeio a Yeonpyeong aconteceu apenas uma semana depois de o Norte ter revelado a um grupo de cientistas norte-americanos uma instalação de enriquecimento nuclear que, de tão avançada, teria chocado os Estados Unidos.
Força nuclear muda tudo
O presidente Obama tem a obrigação de proteger a Coreia do Sul, já que seus antecessores o fizeram. E, como tal, ele reafirmou o seu compromisso em defender aquele território asiático como parte de uma aliança que remete aos tempos da Guerra da Coreia.
O porta-aviões com propulsão nuclear USS Washington chegou à costa do Mar Amarelo na última quarta-feira. Mas com a capacidade nuclear da Coreia do Norte sendo mais avançada do que se pensava, o presidente norte-americano não deseja provocar mais tensão, e escolheu não reposicionar qualquer um dos 29 mil soldados no Sul próximo à zona desmilitarizada.
Obama tem opções limitadas, diz Glyn Ford, escritor e especialista na região do nordeste asiático. Muitos acreditam ser improvável um engajamento norte-americano em qualquer ação militar contra o Norte devido à capacidade militar de Pyongyang e, também, porque o país tem 9,45 milhões de soldados.
Se os Estados Unidos tiverem que dar provas de comprometimento, isso acontecerá mais provavelmente em forma de apoio, e não numa intervenção direta. "A opção militar ainda é considerada pelos Estados Unidos, mas nós estamos distantes dela", disse Ford à Deutsche Welle.
Segundo Ford, arquivos mostraram que os Estados Unidos planejavam ataques às instalações nucleares norte-coreanas em 1994, como medida de prevenção. Ou seja, essa possibilidade já fora considerada. Mas os Estados Unidos não quiseram tocar o plano adiante e moveram suas tropas mais para o sul.
"Mas, se a situação piorar, seria fácil se os sul-coreanos tomassem a iniciativa, e obteriam o apoio militar dos Estados Unidos. É muito improvável que os Estados Unidos enviassem tropas terrestres. Sua política de proteção se restringiria ao apoio à Coreia do Sul."
Sanções e o congelamento de ativos também parecem ter pouco efeito sobre o regime do Norte, já que que Pyongyang subsiste fora do sistema financeiro internacional e de instituições diplomáticas – diferentemente de países como o Irã, que já foi pressionado pelos Estados Unidos por vias econômicas.
Estados Unidos na briga
Os EUA não querem, muito provavelmente, instigar a ira da China, único aliado internacional e suporte econômico da Coreia da Norte. Do mesmo modo que a China pede cautela na península coreana, Pequim se recusa a condenar o bombardeio de Yeonpyeong, apesar dos pedidos discretos dos Estados Unidos e do Japão.
No entanto, enquanto Pequim permanece com seu apoio, acredita-se que a China esteja descontente com as ações de Pyongyang.
"A China está, na verdade, um pouco irritada com a Coreia do Norte devido a esse último incidente. Os chineses não se importariam de ver a Coreia do Norte ser punida por isso", diz Ford.
Howard Loewen, especialista em Ásia do Instituto Alemão de Relações Internacionais e Segurança, disse que a China tem um papel vital na atual iniciativa diplomática, juntamente com os Estados Unidos e a Coreia do Sul, que pretende ressuscitar a chamada conversa das seis nações com a Coreia do Norte.
"Ainda assim, se as hostilidades aumentarem e a Coreia do Sul pedir ajuda norte-americana, os Estados Unidos serão obrigados a defendê-la", disse o especialista à Deutsche Welle. "Os Estados Unidos, então, interfeririam para estabilizar uma região desestabilizada. A reação da China a esse passo dependeria, de antemão, de sua interatividade diplomática com os Estados Unidos e a Coreia do Sul.
Loewen diz não acreditar que os esforços unidos da China, Estados Unidos e Coreia do Sul sejam frutíferos. "Devido a interdependências econômicas significantes, os principais atores na região concentrarão seus esforços numa solução pacífica", diz.
Pressão sobre Obama
Na posição de contrapeso ao poder chinês na região, qualquer reafirmação do compromisso dos Estados Unidos, mesmo que por meio da diplomacia, poderia ter um efeito estimulante sobre os aliados dos norte-americanos na Ásia.
"Os aliados asiáticos esperam que os Estados Unidos ajam com equilíbrio e diplomacia", diz Loewen. "Ao enfatizar seu compromisso com a Coreia do Sul, eles mostram aos outros aliados que podem confiar nos Estados Unidos. Se emergir uma situação de guerra, o real engajamento dos Estados Unidos dependerá da interação das principais forças na região e da política interna norte-americana."
Mas com a improbabilidade de os Estados Unidos iniciarem uma ação militar contra a Coreia do Norte, alguns especialistas acreditam que o compromisso norte-americano com seus aliados na Ásia possa ser visto por outros países como vacilante. O efeito indireto na estabilidade regional poderia ser, a longo prazo, tão prejudicial quanto um ataque aéreo.
Mas a Coreia do Sul e o Japão se opõem, já há algum tempo, ao desenvolvimento de armas nucleares próprias, apesar da ameaça vinda da Coreia do Norte. Eles preferem contar com suas forças convencionais e com o compromisso norte-americano de defendê-los.
Se os Estados Unidos medirem o grande número de problemas potenciais oriundos de ataques contra a Coreia do Norte e escolherem seguir caminhos diferentes, alguns especialistas dizem que a Coreia do Sul e até o Japão – vítima de dois ataques nucleares ao fim da Segunda Guerra – reconsiderariam suas posições.
"Os planos coreanos e japoneses de seguirem sozinhos por esse caminho sempre foram afastados pelo governo norte-americano. Com certeza, se o conflito entre as duas Coreias se agravar e não houver apoio norte-americano, ambos os países considerariam outras opções defensivas. No entanto, isso não é muito provável", avalia Loewen.
Autor: Nick Amies (np)
Revisão: Roselaine Wandscheer