Europa pode não ter saída, a não ser se adaptar ao calor
31 de julho de 2018Temperaturas recordes de até 39ºC na Alemanha; incêndios florestais fora de controle na Suécia e outras regiões tipicamente frias do norte europeu; e a eclosão, na Polônia, de algas tóxicas no Mar Báltico, que está mais quente que o costume: a Europa está sufocando na atual onda de calor do verão.
Com a continuidade das temperaturas extremamente altas na maior parte da região, muitos andam se perguntando se a culpa é das mudanças climáticas.
Cientistas dizem que sim.
"O aquecimento global, em geral, mais que dobrou as chances de acontecer uma onda de calor como a atual", diz Geert Jan van Oldenborgh, pesquisador do Instituto Meteorológico Real holandês.
Ele integra a WWA, um grupo de cientistas de seis instituições criado para fornecer análises em tempo real de relações possíveis entre as mudanças climáticas e eventos meteorológicos tidos como extremos e isolados.
Uma equipe da rede analisou a atual onda de calor no norte da Europa e apresentou resultados preliminares na última sexta-feira (27/07).
Identificar a culpa por eventos meteorológicos complexos não é tarefa simples devido às numerosas variáveis envolvidas, que vão desde a temperatura da água à pressão atmosférica.
Mas, graças a modelos climáticos de ponta, especialistas agora podem calcular a probabilidade de eventos isolados extremos terem ocorrido por causa das mudanças climáticas.
Assim como epidemiologistas ligam o fumo ao câncer, os cientistas do clima trabalham com probabilidade estatística.
"Fumar nunca é a única razão, mas aumenta a possibilidade de se desenvolver câncer", diz Friederike Otto, pesquisadora do Instituto de Mudança Ambiental da Universidade de Oxford.
Para determinar a probabilidade de um evento isolado de tempo extremo ter sido causado pelo aquecimento global, os pesquisadores estimam qual seria a probabilidade de ocorrer um evento extremo específico no contexto climático atual, versus um evento que ocorreria num mundo livre de emissões de gases poluentes causadas pelo ser humano.
Segundo as estatísticas, em média, o ser humano já aqueceu o globo em cerca de um grau Celsius em comparação com a época pré-industrial. Colocando em paralelo os resultados desses dois cenários, cientistas podem atribuir as diferenças de probabilidade do evento extremo às mudanças climáticas causadas pelo homem.
Com esse método, a rede WWA já mostrou que o aquecimento global fez com que o furacão Harvey de 2017 tivesse probabilidade três vezes maior de acontecer, que a onda de calor Lucifer, que assolou o sul da Europa também em 2017, tivesse probabilidade quatro vezes maior de acontecer, e que não alterou a probabilidade da estiagem de 2014 em São Paulo se repetir.
Os pesquisadores da WWA compararam as altas temperaturas atuais com recordes históricos em sete estações meteorológicas na região norte da Europa: duas na Finlândia e uma na Dinamarca, na Irlanda, na Holanda, na Noruega e na Suécia.
As estações foram selecionadas por motivos práticos. Os dados atuais de temperaturas podiam ser acessados em tempo real, e todos os pontos de medição tinham arquivos com dados digitalizados desde o início da década de 1990.
Para cada ano no arquivo histórico, os cientistas observaram os três dias consecutivos mais quentes. Para 2018, escolheram os três dias mais quentes do ano até agora.
Em seguida, alimentaram modelos climáticos com esses dados e compararam os resultados do mundo hoje com o mundo do passado, quando as emissões de gases poluentes eram bem mais baixas.
No caso de Copenhague, o grupo descobriu que uma onda de calor como a atual acontece a cada sete anos no nosso mundo. Mas, num mundo sem mudanças climáticas criadas pelo homem, uma onda de calor como essa aconteceria apenas a cada 35 anos.
"Assim, podemos dizer que as mudanças climáticas aumentaram em dez vezes a probabilidade de o evento de acontecer ", diz Otto.
Ao compilar todos os resultados das sete estações meteorológicas analisadas em toda a Europa, os cientistas observaram ainda que a probabilidade de ondas de calor como a atual é, em geral, duas vezes maior hoje do que se as atividades humanas não tivessem alterado o clima.
Os resultados ainda não foram revisados por outros especialistas porque os cientistas da WWA querem fornecer uma análise veloz dos eventos extremos atuais, uma vez que o interesse público é alto. Eles planejam publicar os resultados formalmente numa revista científica, assim como fizeram com estudos anteriores.
As mudanças climáticas são um assunto abstrato, com medidas abstratas, a exemplo do aumento da temperatura média global.
Mas as pessoas não vivem temperaturas médias. Elas vivem a experiência de chuvas torrenciais, incluindo enchentes, ondas de calor, tempestades severas e estiagens.
"É muito importante fornecer ilustrações dos efeitos das mudanças climáticas", diz Robert Vautard, pesquisador do Laboratório de Ciências do Clima e do Meio Ambiente da França. Para ele, será apenas quando entendermos qual é a aparência do aquecimento global é que poderemos nos preparar para combatê-lo.
Após a onda mortífera de calor de 2003, conhecida como canicule entre os franceses e que só na França resultou na morte de 15 mil pessoas, o governo francês criou um plano emergencial para lidar com problemas de saúde ligados ao calor.
Porém, especialistas acreditam que este plano esteja desatualizado. "Nossa infraestrutura e planos de saúde se baseiam em ondas de calor e chuvas que presenciamos no passado. Mas temos que entender que o clima de hoje não é o mesmo que costumava ser, e que será muito diferente no futuro", afirma Vautard.
Parlamentares no Reino Unido – onde os termômetros registraram temperaturas extraordinariamente altas, acima de 30ºC na semana passada (23/07) – enfrentam temores parecidos. Eles alertaram para o fato de que mortes prematuras causadas por ondas de calor podem triplicar até 2050, e exortam o governo a desenvolver uma estratégica para proteger a saúde da população.
Mas esses eventos extremos serão mais frequentes no futuro? Cientistas do clima concordam quase em unanimidade: sim.
"Eventos de calor extremo como este se tornarão mais frequentes e mais intensos enquanto o globo continua aquecendo", afirma Andrew King, pesquisador do ARC, o Centro de Excelência para Extremos do Clima da universidade australiana de Melbourne.
"Sabemos que ondas de calor e verões quentes como 2003 na Europa deverão ocorrer com muita probabilidade na maior parte dos anos, mesmo que ainda não se tenha aquecido o planeta em 2ºC", adiciona.
O Acordo de Paris de combate às mudanças climáticas busca limitar o aquecimento global entre 1,5 e 2ºC – mas, seguindo o ritmo atual, o planeta caminha para um aquecimento de 3ºC.
E o clima não está ficando apenas mais quente – está se tornando menos previsível.
A variabilidade de eventos meteorológicos extremos vai aumentar, segundo confirmou a pesquisadora do clima Friederike Otto. Se, durante um ano, poderemos ver ondas de calor, no ano seguinte poderemos vivenciar chuvas extremas. E o quadro pode ser muito diferente de um lugar para outro.
"O perigo das mudanças climáticas é que não estamos adaptados a elas", constata Otto.
Segundo os especialistas, além da necessidade urgente de limitar o aquecimento global a abaixo de 2ºC, aprender a se adaptar rapidamente a eventos extremos será um grande desafio para o futuro. Ondas de calor como a atual podem virar apenas "verão" no futuro.
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