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"Europa precisa tirar lição do caos", diz diretor do Acnur

Claudia Witte (rc)20 de setembro de 2016

Vincent Cochetel, da agência da ONU para os refugiados, afirma em entrevista à DW que os governos europeus devem aprender com os problemas enfrentados em 2015. A crise migratória é administrável, aponta.

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Refugiados se dirigem à Macedônia após deixarem Idomeni, na Grécia, em março de 2016
Refugiados se dirigem à Macedônia após deixarem Idomeni, na Grécia, em março de 2016Foto: Getty Images/M. Cardy

O caos migratório enfrentado pela Europa em 2015, quando mais de um milhão de refugiados chegaram ao continente, representou um enorme desafio para os países europeus.

Vincent Cochetel, diretor para a Europa da agência da ONU para os refugiados (Acnur), alerta em entrevista à DW que os governos devem aprender com as lições deixadas pelo enorme fluxo migratório. Ele pede maior comprometimento dos Estados e defende que a crise é administrável.

Cochetel sugere a criação de um sistema europeu de registros, como forma de preparar o continente para futuras movimentações em massa como a do ano passado. Além disso, a integração deve ser reforçada e a devolução aos países de origem dos que não precisam de proteção deve ser feita de modo mais eficaz, afirma.

DW: Após o caos vivido em 2015, que pergunta os países europeus devem se fazer?

Vincent Cochetel: "Estamos seguros de que a Europa está agora melhor preparada do que em meados de 2015 para um movimento maciço de pessoas rumo o continente?" Se observarmos a Europa e a crise de 2015, percebemos às vezes que os Estados não estão realmente comprometidos a aprender por completo as lições sobre o que ocorreu.

Vincent Cochetel, diretor para a Europa da agência da ONU para refugiados
Cochetel: "Apesar de a crise ter desaparecido, os elementos-chave do deslocamento forçado e as forças que levam à migração econômica ainda estão presentesFoto: UNHCR /S. Hopper

Apesar de a crise ter desaparecido, os elementos-chave do deslocamento forçado e as forças que levam à migração econômica ainda estão presentes. A situação no Afeganistão não está resolvida. O Iraque ainda está em guerra. A questão da Síria não está resolvida. Ainda há uma guerra na Líbia e muitos outros conflitos que, no futuro, podem fazer com que mais pessoas sejam forçadas a se deslocar. Porque se levou tanto tempo para que as realocações fossem iniciadas? Apenas 13% dos objetivos acordados há um ano em relação à Grécia foram cumpridos, e no caso da Itália, menos de 5%.

O que significa estar preparado num nível mais concreto?

A crise demonstrou que precisamos de um sistema comum de registros na Europa – não apenas de impressões digitais, mas de históricos de casos e todo esse tipo de coisas. Isso simplificaria o planejamento, facilitaria lidar com um movimento migratório secundário, o funcionamento da regra de Dublin, realocações, reuniões familiares e a prevenção das perdas de dados sobre os menores desacompanhados que circulam pela Europa. É tecnicamente viável? Sim, mas precisaríamos de um pouco de vontade comum.

O senhor vê melhoras? Lições foram aprendidas?

Não. Não vemos lições aprendidas. Vemos uma série de propostas que a Comissão Europeia apresentou em junho e julho. Algumas delas vão na direção certa, mas são tímidas, não tratam das grandes questões. São uma demonstração da crença de que podemos designar muitos países como "países seguros de trânsito" ao redor da Europa, o que permite devolver pessoas a países em nossa vizinhança, em vez de avaliar seus pedidos [de asilo]. Acho que parecem medidas de efeito rápido, mas que não vão funcionar.

Não há uma receita milagrosa. Devemos ter mais ferramentas comuns, abordagens comuns. Uma dessas medidas seria criar centros europeus de registro. Eles não precisam ser permanentes, mas podem estar na Grécia, na Itália, e depois na Polônia, se houver um fluxo vindo da Ucrânia. Dessa forma, devemos ter recursos localizados em áreas onde temos essa pressão migratória e de asilo, para fazer com que o apoio dos Estados-membros esteja disponível mais facilmente ao país que enfrentar esse tipo de situação.

Muitos dizem que a crise já passou, então por que tirar lições de algo do passado?

O que nos deixa tão certos de que não vai acontecer novamente? Estou convencido de que pessoas continuarão a se deslocar. A Europa se colocou numa posição de dependência dos países localizados em suas fronteiras externas. Esperamos que o acordo UE-Turquia continue a funcionar em sua totalidade. Se isso não ocorrer, ou não ocorrer de forma completa, temos de preparar um plano B em nível europeu para resolver esse tipo de crise.

Há ainda um grande fluxo de pessoas chegando à Itália. A maioria são migrantes econômicos. Não são refugiados, pessoas que precisam de proteção internacional. Mesmo assim, a Itália precisa de ajuda para lidar com esse fluxo de migrantes econômicos. Não conseguirá resolver esse problema sozinha. A posição geográfica de um país na Europa não deve ser um fator para que seja determinado como o responsável para lidar com esses problemas.

Qual o papel do Acnur nisso? A agência trabalha para resolver a crise dos refugiados?

Não acho que estamos em posição de resolver esse problema, mas sim, de às vezes ajudarmos os países e encontrar meios pragmáticos de trabalhar.

Como funciona esse pragmatismo?

Temos um total de talvez 50 mil requerentes de asilo na Grécia. Isso não deveria ser uma emergência ou uma crise. Devemos dizer às pessoas e aos governos que é algo administrável. Boas práticas de triagem, registro, determinação da condição de refugiado, devolução dos que não precisam de proteção, realocação dos que precisam, integração local, já que algumas pessoas precisam permanecer na Grécia – tudo isso é administrável. Não deveria ser uma crise. A crise não se refere aos números, e sim à solidariedade entre os Estados-membros da União Europeia.

Não seria melhor os refugiados requererem asilo nos países vizinhos aos seus?

De modo ideal, os refugiados preferem permanecer nos países vizinhos para ficar mais perto de suas casas. Se houver mudanças, se houver um cessar-fogo, eles podem então retornar para suas localidades ou cidades. Eles não querem ficar desenraizados. Querem manter um olho em suas propriedades, isso para aqueles que ainda têm alguma propriedade em seus locais de origem. Esse é normalmente o desejo dos refugiados, que não estão em busca de lugares melhores para viver.

Os refugiados sírios na Turquia e nos países vizinhos à Síria não partiram em barcos para a Grécia durante três anos. O que ocorreu foi um decréscimo nos padrões de assistência nas áreas da educação ou do acesso ao mercado de trabalho. A ajuda alimentar também era inadequada em alguns países. Como resultado, após três ou quatro anos, as pessoas tentaram fazer escolhas diferentes para o futuro, para suas famílias.

Qual é o papel dos traficantes de pessoas? Eles dão às pessoas falsas esperanças em relação à Europa?

Os traficantes ou atravessadores estão em busca de oportunidades e diversificam suas ofertas de acordo com o fechamento das fronteiras, para aquilo que percebem ser favorável a seus negócios. Não acho que tenham sido apenas as ofertas dos atravessadores, mas também o desespero que impulsionou a ampla movimentação que testemunhamos.

É fato que não temos uma solução política clara para a maioria das regiões em crise, e que os padrões de assistência estão caindo. Peguemos a Turquia como exemplo. Recentemente, o Ministério turco da Educação nos disse que apenas 30% das crianças refugiadas no país vão à escola. Apesar da crise que se arrasta há um longo tempo, apesar dos esforços da comunidade internacional, a porcentagem de crianças refugiadas que estudam é muito, muito baixa. Isso às vezes leva algumas pessoas a pensar: "Esse país não é para mim – quero um futuro para minhas crianças. Minha geração está perdida, não quero que minhas crianças passem pelo que estou passando."

Imagens como a do menino sírio Aylan Kurdi – encontrado morto numa praia turca após o naufrágio de uma embarcação de refugiados – têm o poder de sensibilizar e levar as pessoas a agir?

A fotografia de Aylan Kurdi nos mostrou que é necessário fazer algo em relação ao resgate marítimo. As crianças não devem se expor ao perigo ao entrar nesse barcos. Houve muita emoção colateral que gerou maior solidariedade. Mas isso acabou se esvaindo com o tempo, porque as pessoas na Europa tiveram a percepção – e acredito que tenha sido uma percepção verdadeira – de que muitos governos não têm mais o controle sobre a situação.

Quando as pessoas sentem que os governos não têm o controle, elas ficam temerosas, sentem medo do que possa acontecer. Isso é algo importante. Um sistema de asilo precisa ter o apoio do público, que por sua vez, precisa entender como o sistema está sendo administrado, que existe para servir àqueles que necessitam de proteção, e que temos a capacidade de explicar isso ao público. E aqueles que não precisam de proteção devem ser devolvidos aos seus países de origem. Não há outra solução.

Como é possível assegurar às pessoas na Alemanha e na Europa que o atual fluxo de refugiados é administrável?

Não devemos entrar em pânico. Esta não é a primeira vez que a Europa se vê diante de uma movimentação de pessoas. Nem todos são refugiados. Precisamos assegurar que as devoluções funcionem melhor, que a integração não aconteça por acaso. Precisamos investir nisso. É um investimento no futuro. As pessoas não precisam eternamente de proteção. Vejam os refugiados da Bósnia e Herzergovina. Muitos deles retornaram ao país, às vezes com passaportes de outros Estados. Assim, eles mantêm um pé num país e o outro num segundo país. Mas tudo bem, isso é a mobilidade.