Europa: uma grande cidadela?
16 de julho de 2004Faz quase um mês que o navio Cap Anamur, da organização alemã de mesmo nome, resgatou um grupo de 37 africanos do alto-mar. Desde então, o assunto ocupou as manchetes, primeiro pela recusa das autoridades italianas em permitir que a embarcação atracasse num porto do país. Concedida a permissão, no começo desta semana, o caso criou irritações entre os dois governos, em conseqüência da detenção do capitão e do primeiro-oficial do navio e do presidente da ONG. Independente da conclusão a que o caso chegue, nada muda no fato de que a história que se repete com mais freqüência do que se pensa.
Cerca de 5 mil pessoas morreram afogadas no ano passado entre o sul da Europa e a África, calcula Karl Kopp, da organização alemã de direitos humanos Pro Asyl. "A única resposta que a UE conhece para esse problema é fechar as portas", lamenta. E, de fato, a segurança nas fronteiras internacionais tornou-se prioridade para a União Européia, pelo menos desde o encontro de cúpula em Salônica em junho de 2003, quando seus membros decidiram elevar os gastos com segurança fronteiriça em 400 milhões de euros.
Tecnologia de deixar o lobo mau sem fôlego
Só o programa Sive (Sistema de Vigilância Externa Integrada, um projeto desenvolvido pela UE que os EUA querem empregar em sua luta contra o terror) já custou 140 milhões de euros. São câmeras infra-vermelhas de alta definição e sistemas de radares instalados em torres e navios ou helicópteros de patrulha que "varrem" toda a costa européia em busca de fugitivos e são capazes de localizar até um colchão de ar que se aproxima.
A Espanha foi a primeira a instalar e aprovar a eficiência do sistema. Desde 1992, a tecnologia vasculha a pequena distância de 14 quilômetros que separa a Espanha da África, o Estreito de Gibraltar. Com resultados positivos: calcula-se que o número de embarcações ilegais na costa espanhola entre Cádiz e Algeciras tenha caído pela metade.
Perigos continuam, dizem ONGs
Mas ONGs vêem a situação com outros olhos. Para muitas, o sistema impede realmente que navios grandes alcancem a costa européia e por isso mesmo acabam motivando os fugitivos a viajarem em embarcações menores e ainda mais inseguras, como no caso dos resgatados pelo Cap Anamur. Ou, pior ainda: os força a optar por caminhos mais longos para evitar cair na mira das câmeras. A incidência de navios ilegais na costa de Granada, por exemplo, onde a distância até o Marrocos é de 150 quilômetros, praticamente dobrou, segundo dados da Cruz Vermelha.
Com a expansão da EU em direção ao Leste Europeu, a situação fica ainda mais incerta: especialistas temem que os novos países não saibam lidar com a situação e fechem as fronteiras completamente. Isso poderia levar à concentração de ilegais em países de fronteira, tal como no campo Pavshino, na Ucrânia.
O que diz a lei
Desde abril de 2004, as regras do jogo são as mesmas para os países da comunidade. Critérios foram estabelecidos para julgar um requerente de asilo político: se ele vier de um país que respeite os padrões de direitos humanos estabelecidos pela Convenção de Genebra, ele pode ser deportado imediatamente, sem maiores delongas.
Mas, mesmo que venha de um país que não respeite os direitos humanos, ele pode ser vítima de deportação. Para isso, basta que a EU esteja convencida da segurança do requerente em seu país de origem.
Além disso, vale para todos os países: os requerentes devem pedir asilo no primeiro país europeu em que pisarem. Isto explica o fato de a decisão caber ao Estado italiano, no caso do Cap Anamur. Que os refugiados tenham estado primeiro a bordo de um navio alemão não tem nenhum significado jurídico.
Mas, apesar de diretrizes comuns, muitas decisões ainda são tomadas em nível nacional. Cada país da UE possui, por exemplo, sua própria lista de "países seguros". Quanto a isso, ainda não há previsão de mudanças.