Europa unida de novo um ano após início da guerra no Iraque
19 de março de 2004Um ano após caírem as primeiras bombas sobre Bagdá, em 20 de março de 2003, os atuais e futuros países da União Européia tornaram a cerrar fileiras em torno de sua unidade, superando a cisão criada pela formação de duas frentes, que resultaram em alianças temporárias.
Grã-Bretanha, Espanha, Itália e Polônia apoiaram a campanha dos Estados Unidos contra Saddam Hussein em nome do combate ao terrorismo e à pseudo-ameaça de armas de extermínio em massa não encontradas até agora. Do outro lado, o eixo Alemanha-França rejeitou a guerra por princípio e porque a ação militar não contava com o aval das Nações Unidas, conseguindo a adesão também da Rússia.
Pacifismo por oportunismo?
Muito antes da invasão anglo-americana, o chanceler federal Gerhard Schröder já havia se pronunciado contra a guerra. Segundo a oposição alemã, Schröder provocou uma séria crise nas relações com os EUA por puro oportunismo, com vistas às eleições federais de setembro de 2002. Nesse meio tempo, as relações teuto-americanas já se normalizaram, mas o governo alemão continua achando que seu "não" à guerra foi correto.
Pouco antes de ser deflagrado o ataque militar, o social-democrata dirigiu-se à nação em pronunciamento pela tevê. Depois de ressaltar os esforços de Berlim para tentar evitar a guerra até o último momento, Schröder disse: "Tenho a certeza de que haveria outra maneira de desarmar o ditador, o caminho através das Nações Unidas. E me emociona saber que, nessa posição, conto com o apoio da grande maioria do nosso povo, a maioria no Conselho Mundial de Segurança e a maioria dos povos do mundo. Foi tomada a decisão errada. A lógica da guerra se impôs sobre as chances de paz."
O eixo Paris-Berlim
Em 22 de janeiro de 2003, Alemanha e França festejaram com pompa e circunstância o 40º aniversário do Tratado do Eliseu e suas relações de amizade. Na ocasião, o presidente francês, Jacques Chirac, deixou de lado suas reservas - a França ainda não havia se posicionado oficialmente sobre a possibilidade de guerra - e colocou-se ao lado de Schröder, que até então estivera sozinho na Europa com seu categórico "não".
Schröder anunciou que ambos se opunham a um projeto de resolução no Conselho de Segurança que legitimasse um ataque militar dos EUA e seus aliados ao Iraque.
Na ocasião, o chefe de governo alemão usou a palavra "nós", referindo-se à Alemanha e à França, ou melhor, aos europeus no Conselho de Segurança, com excessão da Grã-Bretanha. Mas Schröder e Chirac deram a impressão de falar em nome da Europa, e a reação de Washington não se fez por esperar.
Rumsfeld e as duas Europas
"A Alemanha é um problema, e a França é um problema. Mas há muitos outros países na Europa que não estão do lado da Alemanha e da França, e sim do lado dos Estados Unidos", disse o secretário da Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld, para depois acrescentar a frase que agitou os ânimos no Velho Continente:
"Quando vocês pensam na Europa, pensam na Alemanha e França. Mas eu não. Eu acho que essa é a velha Europa. Quando se vê hoje toda a parte européia da Otan, então o ponto de gravitação se desloca para o leste."
Havia realmente um racha enre a "velha" e a "nova" Europa? Ou tudo não passou de um blefe, com o qual Washington tentava dividir os europeus e isolar Paris e Berlim na questão do Iraque? A resposta veio uma semana depois das palavras de Rumsfeld.
Em carta aberta, os chefes de Estado e governo de oitos países europeus (Grã-Bretanha, Espanha, Portugal, Itália, Dinamarca, Polônia, República Tcheca e Hungria) conclamavam a cerrar fileiras em apoio aos EUA e a não colocar em risco as boas relações com Tio Sam. Outros países do Leste Europeu aderiram depois à iniciativa. Consumava-se a cisão.
No mesmo fim de semana em que se realizava a Conferência de Segurança em Munique, quando Rumsfeld deixou claro que Washinton não mais se dispunha a aceitar o jogo que Saddam Hussein fazia com os inspetores de armas, o governo alemão conseguiu conquistar mais um importante aliado, a Rússia, que assim como a França possui direito de veto no Conselho de Segurança. Após um encontro com Schröder, o presidente russo, Vladimir Putin, também admitia: "Atualmente não vemos base para o uso de violência."
Quando Washington à frente da "coalizão dos dispostos" ordenou o ataque ao Iraque sem mandato da ONU em 20 de março, os presidentes e chefes de governo da União Européia reuniram-se em Bruxelas. O premier britânico, Tony Blair, assim definiu a situação: "Todos nós conhecemos nossas divergências. Por isso não faz sentido repeti-las e insistir nisso." E assim foi durante toda a guerra do Iraque, não havia o que discutir.
Reaproximação no pós-guerra
Somente após o fim da guerra, as duas frentes iniciaram uma aproximação. Por um lado porque os Estados Unidos começaram a reconhecer a necessidade de uma participação das Nações Unidas para montar uma nova ordem democrática no Iraque. Por outro lado porque os adversários da guerra sempre usaram argumentos morais - de que estavam preocupados com o bem-estar do povo iraquiano - e agora se viam na obrigação de prestar ajuda.
Não por último, Paris e Berlim tinham grande interesse de normalizar as relações com Washington. Ambas as partes sinalizaram que, mesmo tendo havido divergências quanto à guerra, estava na hora de voltar à normalidade. As relações de Schröder e Bush ficaram gélidas desde a eclosão da guerra, por mais que o chanceler alemão insistisse em dizer que amigos podem ter opiniões diferentes.
Schröder & Bush
Foi preciso muito esforço diplomático nos bastidores até que os dois tornassem a se encontrar. O engajamento do exército alemão no Afeganistão foi um bom pretexto e, ao elogiá-lo, George W. Bush deu um primeiro passo de aproximação.
A primeira reunião de Schröder com Bush em 16 meses só aconteceu em setembro de 2003, na Assembléia Geral da ONU. Foi quando Schröder ofereceu ajuda alemã no treinamento de policiais e soldados iraquianos na Alemanha, para que logo pudessem estar em condições de controlar o país.
Em fevereiro de 2004, Schröder e Chirac reuniram-se com Tony Blair em Berlim, o que selou o fim da separação. Na Espanha, José Maria Aznar e os conservadores foram varridos do poder pelo voto popular, pagando caro seu apoio a Bush.
A fissura deixou de existir, a Europa está unida novamente. Um ano após o início da guerra do Iraque, ninguém mais fala de "velha" ou "nova" Europa, olha-se para a frente. A divisão de Rumsfeld, aliás, desaparecerá de vez em 1º de maio, quando os países da "nova" entrarão para a "velha". Quem sairá ganhando será a União Européia, que terá dez novos membros.