Ex-diretor do Inpe é escolhido um dos dez cientistas do ano
13 de dezembro de 2019O ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) Ricardo Galvão foi eleito pela revista especializada Nature um dos dez cientistas que se destacaram em 2019. O pesquisador foi afastado do comando do instituto em agosto depois de rebater críticas do presidente Jair Bolsonaro sobre a veracidade de dados que mostravam o aumento do desmatamento na Amazônia.
Ao jornal O Globo, Galvão contou nesta sexta-feira (13/12) ter sido escolhido pela revista britânica, que é referência entre pesquisadores, para receber a distinção para cientistas que se destacaram no ano por ter feito oposição ao governo nas questões ambientais.
"Naturalmente, como brasileiro, me sinto triste pelo motivo da indicação ter sido o fato de o governo não ter cumprido suas obrigações com a preservação da Floresta Amazônica. Por outro lado, fico satisfeito, porque foi um momento difícil decidir o que fazer naquela ocasião, mas entendi que deveria demarcar uma posição firme. Não era apenas a questão do desmatamento, mas um ataque à ciência brasileira", disse Galvão ao O Globo.
Galvão afirmou também que foi escolhido pela revista por ter tido "a coragem de contrariar o governo mostrando a importância da ciência" num momento no qual "se propagam questões obscurantistas, negacionistas e terraplanistas".
"Tenho sempre repetido que todo o gestor público, todo líder de um país deveria ter consciência de que, quando se trata de questões científicas, não há autoridade acima da soberania da ciência", acrescentou o pesquisador que foi exonerado do Inpe depois de ter feito críticas abertas à postura de Bolsonaro.
Em junho, logo após a divulgação dos dados que revelaram um aumento de 88% do desmatamento da Floresta Amazônica em relação ao mesmo mês de 2018, Bolsonaro acusou o diretor do Inpe de mentir e de agir "a serviço de uma ONG". Em resposta, Galvão rebateu as críticas defendendo o trabalho do instituto.
"Ele [Bolsonaro] já disse que os dados do Inpe não estavam corretos segundo a avaliação dele, como se ele tivesse qualidade ou qualificação de fazer análise de dados", disse Galvão para a imprensa após as criticas iniciais do presidente.
Em entrevista ao Jornal Nacional, Galvão voltou a criticar as declarações do presidente. "Ele [Bolsonaro] tem um comportamento como se tivesse falando num botequim. Isso me assustou muito. Ele fez acusações indevidas a pessoas do mais alto nível da ciência brasileira, e não foi só eu", disse.
No início de agosto, Bolsonaro voltou a atacar Galvão e ameaçá-lo de demissão durante uma coletiva de imprensa, que foi convocada pelo Ministério do Meio Ambiente para contestar novamente a metodologia do Inpe, algo que de fato ocorreu três dias depois. Na coletiva, o presidente disse que os números teriam sido "espancados" para atingir o país e chamou de "irresponsabilidade" a divulgação dos dados.
A exoneração de Galvão causou forte repercussão na comunidade científica brasileira e internacional.
Em entrevista ao G1, o pesquisador afirmou que não se arrepende de como agiu na situação e argumentou que o prêmio que recebeu mostra que sua atitude foi correta.
"Fui atacado e reagi. Ele [Bolsonaro] queria descredibilizar nosso trabalho e, ainda que eu tenha perdido meu cargo, isso repercutiu diferente do esperado por eles. Os olhos do Brasil e do mundo se voltaram para a Amazônia e para a ciência", disse ao G1.
Graduado em engenharia de telecomunicações pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e doutor em física de plasmas aplicada pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology), Galvão foi nomeado diretor do Inpe em 2016, pelo então ministro de Ciência e Tecnologia, Gilberto Kassab. Antes de assumir o comando da instituição, o pesquisador foi professor titular da Universidade de São Paulo (USP) e presidente da Sociedade Brasileira de Física, além de ser membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC).
Depois de deixar o Inpe, Galvão, de 71 anos, reassumiu sua cátedra na USP.
CN/lusa/ots
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