Exportações impulsionam desmatamento no Brasil e Indonésia
17 de abril de 2019A margarina que o cientista Martin Persson passa em seus sanduíches todas as manhãs não lhe tira o sono à noite – mas deixa uma leve sensação de culpa.
Persson, pesquisador da Universidade Chalmers, na Suécia, é vegano, mas ele sabe que seu inocente café da manhã ajuda a destruir florestas a cerca de dez mil quilômetros de distância.
Há muito se sabe que o óleo de palma presente na margarina e outros alimentos cotidianos, assim como a carne bovina e a soja, impulsionam o desmatamento em países como o Brasil e a Indonésia.
Mas agora, Persson e uma equipe internacional de pesquisadores calcularam quanto a demanda externa por commodities impulsiona essa destruição.
O estudo, publicado na semana passada, descobriu que de 29% a 39% do dióxido de carbono liberado pelo desmatamento é causado pelo comércio internacional, que leva agricultores a derrubar florestas para abrir espaço para plantações, pastagens e cultivos que produzam bens frequentemente consumidos no exterior.
Os autores escreveram que, em muitos países ricos, as emissões "embutidas" nas importações – relacionadas ao desmatamento – são maiores até do que as geradas pela agricultura local.
"Os responsáveis não são somente os consumidores dos países onde ocorre o desmatamento – isso também é causado por consumidores em outros lugares", diz Ruth Delzeit, chefe de meio ambiente e recursos naturais do instituto de estudos econômicos IfW, de Kiel.
Isso é importante para contabilizar as emissões de CO2 e decidir a quem atribuí-las. "A ONU atribui as emissões aos países onde elas são produzidas", comenta Jonas Busch, economista-chefe do Earth Innovation Institute, que luta contra o desmatamento e pela segurança alimentar em países como Brasil, Colômbia e Indonésia.
Na Alemanha, por exemplo, isso significa que as emissões de uvas cultivadas localmente são computadas como alemãs – mas não as emissões da margarina feita com o óleo de palma importado da Indonésia.
A destruição das florestas e matas da Terra, que retiram e armazenam o CO2 da atmosfera, é um grande obstáculo na luta para conter as mudanças climáticas. O problema se agrava ainda mais, dizem os especialistas, através de cadeias de fornecimento e produção complexas, que distanciam os consumidores dos danos decorrentes da fabricação dos produtos.
Para estimar as pegadas de carbono do desmatamento por país e mercadoria, a equipe de pesquisa na Suécia combinou dados do fluxo de comércio com imagens de satélite de mudanças no uso da terra entre 2010 e 2014. Eles não consideraram a perda florestal de atividades não agrícolas – como mineração, urbanização ou incêndios florestais naturais –, que causam cerca de 40% do desmatamento.
Na África, eles descobriram que quase todas as emissões relacionadas à destruição das florestas permaneceram dentro do continente. Mas, na Ásia e na América Latina, quantidades consideráveis do CO2 liberado através da queima e corte de árvores foram, na prática, exportadas para a Europa, América do Norte e Oriente Médio.
De quem é a responsabilidade?
As diferentes formas de contagem de emissões, ou no lugar onde o CO2 é emitido ou onde os produtos cuja produção o liberam são consumidos, levanta questões difíceis sobre de quem é a responsabilidade.
"Você poderia dizer que a União Europeia [UE] é apenas uma pequena parte do problema", afirmou Persson, referindo-se à alta parcela de consumo que não deixou as regiões tropicais, mas que foi consumida domesticamente.
A maior parte das emissões de desmatamento teve origem apenas em quatro commodities: madeira, carne bovina, soja e óleo de palma. Na Indonésia e no Brasil, respectivamente o quarto e o quinto país mais populoso do mundo, o óleo de palma e a carne bovina têm enormes mercados domésticos.
Mesmo assim, a contribuição europeia é significativa, ressalva Persson. "Na UE, queremos reduzir nosso próprio impacto nas mudanças climáticas – e essa é uma parte importante do impacto causado por nós".
Em clara discordância com a contagem tradicional do dióxido de carbono, os pesquisadores estimaram que cerca de um sexto do CO2 liberado por uma típica dieta europeia pode ser ligada ao desmatamento em regiões tropicais, por meio de produtos importados.
"Foi uma surpresa para mim", comenta Persson. "Sim, importamos muita comida, mas a maioria dos alimentos que consumimos na UE é produzida internamente."
O Brasil exportou um recorde de 1,64 milhão de toneladas de carne bovina em 2018, segundo dados da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec), um aumento de 11% comparado com 1,48 milhão de toneladas exportadas em 2017.
A Indonésia é a maior produtora mundial de óleo de palma, que está presente cada vez mais em produtos do cotidiano, como margarina, barras de chocolate, nutella, sabonetes e shampoo.
"O óleo de palma é uma das mais importantes commodities de exportação, então é possível rastrear os efeitos do desmatamento desse comércio, e isso tem um grande impacto na Indonésia", diz o cientista Ahmad Dermawan, do Centro Internacional de Pesquisa Florestal (Cifor). .
Além de emitir CO2, a queima e a derrubada das florestas também podem causar deslocamento de pessoas, perda de habitat e inundações. No Brasil, terras indígenas estão ameaçadas por lavouras. Na Indonésia e na Malásia, mais de 100 mil orangotangos foram mortos desde 1999, de acordo com um estudo publicado no ano passado.
Consumo crescente
Os especialistas temem que o desmatamento e a destruição associada a ele continuem aumentando à medida que países emergentes se tornem mais ricos. A Índia já é o maior importador de produtos oleaginosos indonésios. A alta do ano passado nas exportações brasileiras de carne bovina, por sua vez, foi impulsionada por um aumento de 53% na demanda chinesa entre 2017 e 2018, segundo dados da Abiec.
"Podemos ver que as exportações para a Índia e a China aumentarão maciçamente no futuro [à medida que crescerem] sua renda per capita", informa Delzeit. "Eles se aproximam das dietas ocidentais, o que inclui o aumento do consumo de carne."
Isso tem efeitos para as nações mais ricas, que podem argumentar que sua contribuição para o desmatamento é proporcionalmente pequena.
"A UE e os EUA estabeleceram um padrão global que está sendo absorvido cada vez mais na China, na Índia e em outros mercados emergentes", diz David Kaimowitz, diretor de recursos naturais e mudanças climáticas da Fundação Ford. "Se eles veem empresas ou países que importam muito desmatamento em seus produtos sendo criticados publicamente ou responsabilizados, isso não é passado para as suas próprias políticas."
Os mercados de óleo de palma, soja e carne bovina são dominados por um pequeno grupo de multinacionais, algumas delas com sede na Europa e na América do Norte. "Se a UE puder pressioná-las a mudar suas práticas de produção, isso pode ter efeitos em outros países", afirma Persson.
Mas uma recente decisão da UE de classificar o óleo de palma em biocombustíveis como insustentável, em parte devido a preocupações da opinião pública sobre o desmatamento, provocou temores de uma guerra comercial entre o bloco europeu e os dois maiores exportadores de óleo de palma do mundo, a Indonésia e a Malásia.
Esses países acusaram a UE de protecionismo por reprovarem o óleo de palma sem abordar as preocupações associadas ao cultivo de óleos vegetais menos eficientes, como a colza.
O ministro da Coordenação da Economia da Indonésia, Darmin Nasution, disse neste mês em Bruxelas ser irônico que a UE, que derrubou uma parcela muito maior de suas florestas, estivesse dando conselhos de gestão florestal a países ricos em árvores. Ele também apontou a contribuição do óleo de palma para o alívio da pobreza.
"O foco da perspectiva europeia é o desmatamento, a mudança do uso da terra e assim por diante", observa Dermawan. "Mas, da perspectiva da Indonésia, trata-se de pequenos agricultores, desenvolvimento e meios de subsistência. Isso também deve ser discutido e contextualizado."
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