Exposição de Tino Sehgal surpreende visitantes na Pinacoteca de São Paulo
24 de março de 2014"O que é que deu nele?", questiona uma mulher, assombrada, ao ver um aparente funcionário da Pinacoteca de São Paulo agitar bruscamente os braços e pernas, em uma dança que nada tem a ver com o ambiente sóbrio do museu. Ao terminar sua movimentação, o homem anuncia: "Isto é Bom, Tino Sehgal, 2013". E retorna ao estado inicial de repouso. A "situação construída", como Tino Sehgal descreve sua obra, é parte da exposição do artista, aberta neste sábado (22/03) no museu paulista, no contexto do ano Alemanha+Brasil.
Atual ganhador do Leão de Ouro na Bienal de Veneza 2013, o celebrado artista inglês radicado em Berlim traz o seu trabalho pela primeira vez ao Brasil. Em São Paulo, a exposição inclui quatro obras – O beijo, Isto é bom, Isto é propaganda e Isto é novo – e fica em cartaz até 4 de maio. Já no Rio de Janeiro, o artista apresenta o trabalho Essas associações, em exibição no Centro Cultural Banco do Brasil até o final de maio. Da "situação construída" carioca participam mais de 200 intérpretes, entre atores e pessoas comuns, que interpelam os visitantes.
Tino Sehgal também é conhecido pelas suas excentricidades. O artista não se hospeda em hotéis e não viaja de avião, apenas de navio – para diminuir a sua pegada de carbono. Não permite que as suas obras sejam registradas e não produz catálogos ou convites impressos.
Perguntado se ele se beneficia dessa "aura de artista", Sehgal responde humildemente: "não sei se há essa mitologia pessoal. Não é intencional. Eu acho que a arte tem que ser interessante por si só. Não é arte apenas por ser feita por um artista".
Em palestra realizada na semana anterior ao lançamento da exposição, o artista pareceu não querer ser o centro das atenções. "Não gosto de fazer discurso, geralmente alguém me pergunta e eu respondo. Eu falaria sobre futebol, mas acho que vocês não estão interessados nisso. No último mês eu me tornei tão brasileiro que vou tentar fazer o que me pediram", disse, rindo.
Após uma breve introdução, ele abriu para perguntas e explicou por que não se sente confortável ao falar de suas obras. "A arte é dialógica, tem dois núcleos: a produção artística e a recepção. Quando o artista fala da sua obra, ele domina a própria recepção. Não me parece certo."
Três poderes
Para Sehgal, há uma espécie de "separação de poderes" na sua arte, como na democracia. "Eu sou um poder, porque concebo as regras do jogo. Depois há os intérpretes e, por fim, o input do visitante. Os artistas sabem mais do que eu sobre minha obra, pois conhecem a reação do público."
Sehgal considera "uma blasfêmia" tentar educar as pessoas para a sua arte. "A gente precisa de educação para entender um quadro, porque é um objeto. Mas não relações humanas. A minha obra não precisa dessa ponte."
O artista também respondeu sobre a proibição de registrar as suas "situações construídas". Ele explicou que suas obras são vivências que não fazem sentido em vídeo ou fotos. "É uma questão de qualidade versus quantidade. Eu prefiro que venham ao museu, mesmo que sejam poucos, e tenham uma experiência única em quatro dimensões. Não é o mesmo que ver um vídeo banal na internet."
Ele faz uma crítica ao materialismo e justifica por que não produz objetos de arte. "Não é interessante estar apegado a coisas. As relações entre os seres humanos são mais importantes." Ao mesmo tempo, aponta um excesso de individualismo na sociedade e, por isso, propõe experiências coletivas.
Brasil
Apesar de não se sentir confortável com o discurso, o artista parece bem à vontade no Brasil. Há um mês no país, esteve no Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. "Fui a Inhotim (museu de arte contemporânea), vi as paisagens. As árvores e plantas são tão bonitas aqui."
Ele diz que adoraria voltar ao Brasil em outras oportunidades. "Estou amando, é o meu país preferido. A racionalidade não é tão valorizada, as pessoas são relaxadas e têm uma relação especial com o corpo e a dança."
Para a assessora de relações internacionais da Pinacoteca, Natasha Barzaghi Geenen, os brasileiros também vão se apaixonar pelo artista. "Não tem como não se sensibilizar pela sua obra." O diretor-técnico do museu, Ivo Mesquita, afirma que a mostra envolveu toda a equipe da Pinacoteca. "Não é um trabalho comum dentro do museu, é um desafio receber uma exposição assim. Isso atualiza o olhar e a experiência de produção artística."
Reações dos visitantes
Quase tão interessante quanto as obras de Sehgal é observar a reação que elas causam nas pessoas. Já na entrada, um funcionário recebe os visitantes com uma notícia do dia, dita de forma enigmática. "Barbosa tem que combater Dirceu" ou "policia arrasta mulher" são algumas das frases ditas na obra Isto é novo, para perplexidade dos visitantes.
Durante a obra Isto é bom, em que um funcionário parece dançar, a confusão é ainda maior. Desavisadas, muitas pessoas não percebem se tratar de uma manifestação artística. "No início achei que era um segurança doido", confessa Christiano de Barros, um bancário de 37 anos. "Nunca tinha visto isso em um museu. Depois entendi que era teatro e gostei", diz.
O empresário José Walter Toledo, de 70 anos, não percebeu que se tratava de uma obra de arte. Ao ver o funcionário dançar, deu também seus pulinhos e agitou os braços energicamente. Perguntado sobre o gesto, respondeu que não pensou no ato, simplesmente havia reagido. "Acho que a resposta a uma comunicação não verbal não deve ser com palavras, só isso", afirma.
O ator Rogério da Col, de 52 anos, que interpretava o funcionário dançante, diz que as reações são variadas. "Riem e se assustam. É muito raro ficarem indiferentes. Depois que eu anuncio o nome da obra, me perguntam quando vai ser a exposição. Digo que já foi, e eles ficam decepcionados: 'que pena, perdemos!'", diz, rindo, sobre o estranhamento que a mostra causa no público.
"Hoje me perguntaram quando o Tino Sehgal tinha morrido e eu respondi que ele está vivo e andando pelo museu", conta Rogério. No dia da abertura, o artista circulava pelos espaços observando o andamento da exposição, incógnito para a maioria dos visitantes.
O beijo
A obra que mais chocou foi a intitulada O beijo, em que dois bailarinos se beijam durante horas, representando cenas de pinturas históricas. Lentamente, os dançarinos se deitam no chão e trocam carícias sensuais, com direito a fortes apalpadelas nas nádegas e nos seios.
A dança provocava risos nervosos e olhares envergonhados a muitos que chegavam ao salão. Vários paravam para olhar, formando uma pequena plateia. Outros caminhavam apressados para não ver. Havia ainda os que davam voltas, só para passar de novo pelo local, sem coragem de se deter.
"Vi como arte. Parecem várias fotografias de esculturas, só que em movimento. Muito interessante", descreve, admirada, a empresária Elisângela Barbosa, de 35 anos. Vinda do interior da Bahia, era a primeira vez dela na Pinacoteca.
Nem todas as reações são positivas ou de curiosidade. O casal Danilo e Laisa, em seus vinte e poucos anos, se sentiram desconfortáveis: "Não gostamos. É um momento íntimo, não dá para fazer em público". Um grupo de jovens demonstrou a maior rejeição: "É sacanagem mesmo? Vamos sair daqui".
Já um casal mais velho aprovou. "Fiquei imaginando se eu podia fazer o mesmo", diz, rindo, Alberto Oliveira, de 50 anos. A esposa, Isabel Izzo, de 52, apreciou o ritmo da dança: "Achei interessante que eles fazem no tempo deles".
A obra Isto é propaganda, em que uma funcionária canta, é a mais popular. Impossível não perceber a bela voz feminina que ecoa pelos corredores da Pinacoteca. "Que lindo", diz um visitante, "faz você se sentir bem dentro do museu".