Faces renascentistas
25 de agosto de 2011O curador Stefan Weppelmann gosta de fazer referências a assuntos atuais. Agora mesmo, durante a campanha eleitoral em Berlim, é possível perceber o quanto o culto à imagem é influente e como os partidos divulgam de forma proposital os rostos dos seus candidatos. Isso não difere muito do que fizeram os Medici há pouco mais de 600 anos ao divulgarem os rostos da família florentina – de forma que não houvesse sombra de dúvidas, para além das fronteiras da cidade, sobre quem dava as ordens na região.
Stefan Weppelmann é curador de pintura italiana e espanhola da Baixa Idade Média e do pré-renascimento nos Museus Estatais de Berlim. Ele é o responsável pela exposição As faces do renascimento, que o Museu Bode apresenta até o dia 20 de novembro. Cerca de 150 obras-primas da arte de retratos do século 15 vão ficar expostas pela primeira vez sob o mesmo teto – obras de artistas famosos como Giovanni Bellini, David Guirlandaio, Sandro Botticelli ou Leonardo da Vinci, que marcaram uma das mais fascinantes épocas da cultura europeia.
Itália artística
No começo do século 15, a Itália não era unificada, mas dividida em pequenas cidades-Estado e territórios. As cidades eram repúblicas, de certa forma, autônomas e a sua população relativamente numerosa. O dinheiro das cidades era proveniente do comércio entre o Oriente e o Ocidente e a educação passou a ser de grande significado. Na Universidade de Florença, o grego começou a ser ensinado, o que demonstra o crescente interesse daquele período pelo idioma antigo. Logo, ocupar-se com os ideais da Antiguidade passaria a ser de bom tom para a maioria das famílias dominantes, cujo pensamento ainda estava marcado pela Idade Média.
Quebra de tradições
Mais tarde, essa época foi chamada de renascimento. A ele se atribuem o surgimento do individualismo, da conscientização, da personalidade e de uma arte que simulava a beleza e a perfeição. Ele não introduziu somente a perspectiva geométrica na pintura, mas também a redescoberta do retrato. Desde o fim da Antiguidade, esse gênero assumira um papel insignificante na arte. Naquela época, todavia, comerciantes, príncipes, banqueiros, sábios e artistas deixaram-se eternizar nas telas.
Crescente autoestima
Os artistas eram contratados para criar retratos para a eternidade, obras que causassem veneração – para o pintor e sua habilidade artística ou para as pessoas representadas nos quadros. Isso aconteceu no renascimento, segundo Stefan Weppelmann, pela valorização da face como agente cultural, pois o rosto era considerado o meio de comunicação da alma.
Porém a honra de ser retratado não estava ao alcance de todos. Ao contrário da nossa época, na qual a técnica digital possibilita a rápida produção e reprodução de fotos, naquele período era necessário pagar muito para ter um retrato próprio.
Com exceção de alguma ocasião especial, por exemplo, quando a família estava em busca de um noivo para a filha. No retrato, as moças eram estilizadas de forma virtuosa, casta, deixando claro o rico dote das abastadas jovens de origem privilegiada.
Elas eram retratadas com vestidos suntuosos e teriam, certamente, com sua beleza, enfeitado qualquer casa. Os recém-casados eram retratados diante de toda pompa do dote. Qualquer um podia compreender assim o quão significativo era a união assumida pelas duas famílias. Ás vezes o brasão da nova família era também incluído no retrato.
Arte e poder
Os Medici se enriqueceram por meio de negócios financeiros internacionais. Num curto espaço de tempo, essa família passou a ter supremacia em Florença e em outras partes da Toscana. Sua estratégia de poder era variada e sofisticada. Eles usavam de forma consciente em especial a arte, artistas e o mecenato em prol de seus objetivos.
Segundo Stefan Weppelmann, no renascimento geralmente as pessoas eram retratadas apenas uma vez. Mas somente de Giuliano de Medici, que foi morto em 1478 na Catedral de Florença, existem quatro ou cinco retratos do ateliê de Botticelli. Dessa forma, encenavam-se poder e personalidade.
Mestres da representação da realidade
As pessoas do século 15 foram eternizadas em quadros, medalhas, desenhos e bustos, de acordo com o contexto e com as influências culturais. Assim surgiram peças únicas e de forte aura. Retratos de beleza excepcional e intensa que encantam com sua precisão. Olhando através de uma lupa, parece que cada fio, cada cílio foi pintado. Pode-se escutar até o dobrar dos tecidos. De forma virtuosa, jogava-se com luzes e sombras.
Os grandes mestres do século 15 – Leonardo, Bellini, Tiziano, Guirlandaio, frei Filippo Lippi, Andrea del Castagno e tantos outros – aperfeiçoaram a habilidade de representação da realidade.
Individualidade e padronização
E no entanto o historiador da arte Stegan Weppelmann diz´que cada retrato é idealizado e padronizado. Sendo assim, o perfil fisionômico era modificado para enfatizar a imponência do retratado. Para ressaltar a virtude das donzelas, os cabelos e a pele eram pintados em tons mais claros, pois de acordo com o espírito da época, a pele branca e os cabelos claros representavam a pureza da alma.
E quando o retratado ou retratada não se encaixava nesse padrão de beleza, talvez por obesidade, falta de dentes ou não usava o penteado da moda, os pintores sabiam habilmente prestar ajuda com algumas correções.
Manipulação da beleza
Nesses retratos, que hoje são atração em grandes museus da Europa e da América do Norte, procura-se em vão a feiúra. No Museu Bode de Berlim estão sendo exibidas mais de 150 importantes obras da época, distribuídas em salas escuras – como numa espécie de porta-joias onde cada peça valiosa tem a licença de brilhar, na disputa pela atenção dos visitantes.
Os organizadores – os Museus Estatais de Berlim – aguardam um grande interesse do público. No site da exposição Gesichter der Renaissance ("As faces do renascimento", em português) podem ser encontradas dicas de como e onde pode-se passar o tempo até a hora da entrada.
O site também quer incitar a curiosidade sobre, por exemplo, a loja do museu, onde cerca de 200 artigos relacionados ao renascimento estão à venda: de cerâmicas tradicionais manufaturadas por famílias da Úmbria e a mais fina papeterie feita com papel florentino à capas térmicas para garrafas em forma de busto para uma mesa renascentista.
Autora: Silke Bartlick (cs)
Revisão: Carlos Albuquerque