Exposição em Berlim é um passeio por cem anos da fotografia de moda
27 de agosto de 2012No começo do século 20, mesmo popular, a fotografia ainda não havia chegado às páginas das revistas de moda. O mundo da beleza e do glamour era visto através de coloridas ilustrações. Foi Edward Steichen que mostrou ao mundo, em 1911, que a fotografia podia rivalizar com os desenhos. Sua série de fotos de roupas criadas por Paul Poiret para a revista Art et Décoration é considerada o nascimento da fotografia de moda moderna.
A ideia da exposição Beleza atemporal – 100 anos de fotografia de moda, de Man Ray a Mario Testino, em cartaz em Berlim, nasceu quando os curadores Nathalie Herschdorfer e Todd Brandon procuravam material para um livro sobre Steichen nos arquivos da editora Condé Nast, responsável por revistas como Vanity Fair e Vogue. Eles encontraram milhares de fotos de Steichen e uma quantidade imensa de material de famosos fotógrafos no início de suas carreiras.
"Os arquivos da Condé Nast são essenciais para a história da moda. A editora foi a primeira, em 1914, a contratar um fotógrafo só para moda", declarou Herschdorfer na abertura da exposição em Berlim. Localizados em Nova York, os arquivos da Condé Nast estão entre os maiores da América e sua história começou em 1892, com o primeiro número da revista Vogue. Só recentemente eles foram abertos.
A mostra em Berlim é a maior já feita com esse material. Em ordem cronológica, a exposição busca mostrar a evolução da fotografia de moda e dos conceitos de beleza. "É interessante ver a criatividade dos fotógrafos em quase semanalmente tratar do mesmo tema. Mulheres lindas, com vestidos fabulosos, em lugares deslumbrantes", diz a curadora.
Composição da imagem
O trabalho de Edward Steichen marca a primeira parte da exposição, na qual o cinema impulsionou o uso da fotografia nas revistas de moda. Steichen definiu a era da fotografia na Vogue, onde ficou de 1923 até 1937 e trabalhou ao lado de colegas como Cecil Beaton, Horst P. Horst e George Hoyningen-Huene.
Para a curadora, essa primeira geração de fotógrafos estava interessada na composição da imagem e encarava o trabalho para a revista como uma extensão de seu trabalho artístico. Os editores, responsáveis por transformar aquelas composições artísticas em imagens para uma revista de moda, também desempenhavam um papel importante.
"É importante olharmos também para as revistas. Essas fotos não foram feitas para serem exibidas como obras de arte penduradas na parede, mas para serem impressas e reproduzidas nas revistas, com texto e tratamento gráfico", completa Herschdorfer. A exposição mostra revistas com os famoso desenhos de moda, depois substituídos pelas fotografias, e como cortes, diagramação e textos definiam o significado das imagens.
Força no glamour
"O segredo da fotografia não está em capturar o acaso acidental e sim em estilizar a realidade. Essa é a única maneira de acidentalmente alcançar a grandeza." Essas foram palavras de Alexander Libbermann, diretor artístico da Vogue que definiu o imaginário da moda no pós-Guerra. O fotógrafo passou a ser essencial para criar ícones da moda e da beleza. Libbermann foi responsável por levar para a Vogue nomes como Erwin Blumenfeld e Irving Penn.
Assim a mulher do pós-Guerra era uma mulher do mundo, mas sem perder o glamour. Elas dirigiam carros, eram sedutoras e glamourosas em frente a suas casas ou em férias no sul da França. A atitude também era outra e está refletida na forma como elas encaram a câmera e o fotógrafo, com força, feminilidade e confiança.
O formato da revista começou também a influenciar os fotógrafos, que faziam certas ousadias pensando em como os enquadramentos seriam impressos. Isso fica evidente no trabalho de Guy Bourdin, pintor que começou a fotografar para a Vogue Paris nos anos 1950. Suas imagens alcançam uma inesperada beleza, com linhas claras e harmoniosas que pareciam já ser tiradas pensando na formatação gráfica da revista – os fotógrafos começavam a entender o produto final que resultaria do seu trabalho.
Feminismo nas ruas
As ruas e o feminismo tiveram uma força enorme na fotografia de moda dos anos 1960 e 1970. O movimento Swinging London atravessou o Atlântico e chocou com o icônico ensaio que David Bailey fez com Jean Shrimpton para a Vogue britânica nas ruas de Nova York. As loucuras das ruas e a nova fase do belo são ilustrada de maneira casual e irônica, com a modelo quase sempre carregando um ursinho de pelúcia.
As ruas também ganham força no trabalho do então artista plástico William Klein. Suas fotos eram frequentemente feitas em locações, com pessoas comuns em vez de modelos. Seu trabalho na Vogue era parte de seu processo de pesquisa em construção de imagem. Seus experimentos com exposição, utilização de diferentes lentes e iluminação trouxeram um novo olhar para a fotografia de moda.
Outra curiosidade é uma foto de Geraldine Chaplin feita por Bailey que é mostrada antes e depois do retoque. Muito antes do Photoshop, as fotos eram manualmente alteradas para deixar modelos e roupas perto da perfeição.
Entre a ilusão da moda e a verdade das ruas, o movimento feminista começou a ganhar as páginas das revistas. Temas como direitos e saúde da mulher eram abordados, enquanto a fotografia tentava refletir essa nova realidade.
Ode à normalidade
Os anos 1980 foram marcados pelo excesso e pelo glamour. A fotografia de moda ultrapassou os limites das revistas e as campanhas publicitárias se tornaram cada vez mais populares. O poder de fotógrafos como Herb Ritts – e principalmente das modelos – começou a crescer. Nos anos 1990, modelos como Naomi Campbell, Linda Evangelista e Cindy Crawford viraram estrelas pop e o naturalismo voltou com força total. Fotógrafos como Peter Lindbergh começaram a brilhar, principalmente nas revistas europeias, que permitiam maior liberdade artística.
Hoje não seria surpresa ver o trabalho de Corinne Day nas páginas de revistas de moda, mas as fotos de seu icônico ensaio feito com Linda Evangelista e Kate Moss para a Vogue britânica causaram alvoroço em 1993. Oriunda de revistas com uma maior ousadia, como a The Face, Day fotografou as modelos sem nenhum glamour e com alto grau de normalidade, fugindo dos padrões de beleza e felicidade. As fotos dividiram a editoria da revista, que decidiu ousar e as publicou. A grande repercussão das imagens emula a moda na década e marca o início do estrelato de Kate Moss.
Muito além da fotografia
Nos últimos anos a fotografia de moda ganhou ainda mais poder, graças a uma indústria que se torna cada vez mais global e a ícones de estilo e glamour cada vez mais importantes. Estes criam uma certa identificação com o público ou ganham ares oníricos e fantasiosos através da manipulação digital da imagem, como no trabalho de Sølve Sundsbø e Sebastian Kim.
"Hoje os fotógrafos são o chefe, ou apenas mais uma peça, em grandes equipes. O retoque e a manipulação da imagem chegaram a um outro nível, que muitas vezes foge do controle do fotógrafo", diz Herschdorfer. Outro fator importante é que hoje as fotos não são apenas vistas nas revistas, mas também na tela de computadores e tablets. "O vídeo passou a ser parte importante. Tudo está se tornando cada vez mais multimídia", conclui a curadora.
A exposição Beleza atemporal – 100 anos de fotografia de moda, de Man Ray a Mario Testino está em cartaz no C/O Berlin até 28 de outubro.
Autor: Marco Sanchez
Revisão: Alexandre Schossler