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Karl Valentin

Felipe Tadeu 3 de agosto de 2007

O Museu do Cinema Alemão, em Frankfurt, comemora a obra de um artista revolucionário, que entendia como poucos a complexidade da alma humana. E fazia rir.

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Cabaretista é considerado o Charlie Chaplin alemãoFoto: picture-alliance/dpa

Não há tarefa mais árdua para um artista do que arrancar gargalhadas de um país que esteve seriamente implicado nas duas grandes guerras mundiais do século passado. Principalmente quando se trata de um humor que nada tem de escapista, nem tampouco apela para a típica perpetuação dos preconceitos de toda espécie, com o intuito de gerar risos bestiais, prática tão vulgar nos comediantes mais bem-sucedidos do mundo contemporâneo.

Pois foi com um dom fora do comum e uma sensibilidade artística a toda prova que, em 4 de junho de 1882, nascia em Munique Valentin Ludwig Fey. Um homem que esteve muito à frente de seu tempo, e que pagou caro – muito caro –, por ter nascido numa época em que a brutalidade e o desespero davam o tom.

Um homem assim deve ser festejado, lembrado e repensado à luz da atualidade e é isso que o Museu do Cinema Alemão de Frankfurt está promovendo, de 11 de julho a 28 de outubro, com uma generosa mostra dos filmes, fotografias, desenhos, esquetes de rádio e teatro, discos, cartas e manuscritos daquele que é considerado por muitos o Charles Chaplin alemão.

Determinação de pioneiro

A comparação que se faz entre Karl Valentin e o comediante mais popular do planeta é oportuna, mas requer aprofundamento. Se Chaplin foi muito mais bem-sucedido que o cabaretista e artesão multimídia alemão, conseguindo a proeza de conquistar corações e mentes nos quatro cantos do mundo com toda sua genialidade e humor tragicômico, foi no entanto Valentin o primeiro a realizar os seus próprios filmes mudos em 1912, dois anos antes do cativante vagabundo inglês.

Enquanto o autor de Luzes da Cidade (1931) atuava dentro da indústria cinematográfica mais poderosa do mundo, a norte-americana, Karl Valentin teve que lutar muito para se impor dentro de seu próprio país, que estava mergulhado em profunda crise de identidade.

"Aqui em Munique ainda não foi encontrado nenhum ser humano que, na minha cidade natal, queira fazer filmes sonoros comigo", protestava Valentin, que iria amargar outras ingratidões de seus concidadãos bávaros.

"A relação de Karl Valentin com a indústria de filmes sempre foi complicada. Ele não se conformava em ter que acatar as imposições do meio", afirmou Daniela Dietrich, guia dos visitantes da exposição. O artista alemão chegaria a recusar vários convites de trabalho nos Estados Unidos por não querer se distanciar de Munique e por ter pânico de viagens longas.

Em 1928, quando foi se apresentar no Kabarett der Komiker, em Berlim, com a peça Ensaio de Orquestra, o humorista chegou ao ponto de mandar imprimir nos cartazes da turnê: "Maior comediante trágico da Alemanha, Karl Valentin deixa Munique".

O teatro como ponto de partida

Karl Valentin escapou por pouco da morte por difteria, que levou seus dois irmãos Max e Karl ainda crianças. Aos 15 anos, foi aprender seu primeiro ofício, a marcenaria, que lhe seria útil posteriormente para a construção de cenários e adereços de suas peças teatrais.

Depois de aprender a tocar cítara, o rapaz de longas pernas e curiosa silhueta iria encarar as primeiras apresentações como comediante ao completar 17 anos. Mas o sucesso só chegaria em 1908, ao atuar no prestigiado palco do Frankfurter Hof, em Munique. Três anos depois, Valentin conheceria aquela que seria sua companheira de palco por 26 anos a fio, a atriz Elisabeth Wellano, mais conhecida como Liesl Karlstadt.

Em 1912, depois de montar um estúdio de pequenas proporções, o humorista rodaria seu primeiro filme mudo, O Casamento de Karl Valentin, que seria sucedido dois anos mais tarde por A Nova Escrivaninha, curta incluído na exposição.

Encarado como dadaísta ou como irreverente seguidor do surrealismo, Karl Valentin seguiu em rota de expansão, cunhando frases impagáveis que entrariam para a história: "tudo já foi dito, mas não por todos"; "antes até o futuro era melhor"; "o ser humano é bom, as pessoas é que são ruins", ou ainda "toda coisa tem três lados – um positivo, um negativo e um estranho".

As guerras

A eclosão da Primeira Guerra Mundial não impediu que Karl Valentin fizesse sucesso nos palcos. O comediante escapou de prestar serviço militar por causa das fortes crises de asma que sofria e, de 1915 a 1921, era a grande sensação dos cabarés de Munique.

Com a chegada dos nazistas ao poder em 1933, o filme A Herança seria proibido de exibição, por degenerar a propagada superioridade da raça ariana. Mas ele e sua companheira Liesl Karlstadt seguem em frente, resolvendo abrir o Panoptikum, um espaço artístico no porão de um hotel da cidade. O projeto fracassa e leva os dois artistas à ruína financeira, provocando um colapso nervoso em Liesl, que chega a tentar o suicídio.

Ao terminar a guerra, Karl Valentin não está melhor que o país em que nasceu. Os discos gravados pelo humorista não são mais tocados publicamente, e a série radiofônica que produzia para a emissora Bayerischer Rundfunk – sua única fonte de renda – é retirada do ar por não agradar aos ouvintes, que discordavam da visão pessimista de seus textos.

Em 1948, aos 66 anos, morria Karl Valentin vítima de inflamação pulmonar decorrente de sua bronquite. Dois dias antes de sua morte, ele teria passado a noite num camarim de uma casa noturna em Munique desprovida de aquecimento, em pleno inverno alemão, fato que teria deflagrado a morte do artista.

Fazendo justiça

A exposição organizada pelo Museu do Cinema Alemão trata de fazer justiça àquele que, segundo Bertolt Brecht, era a perturbadora encarnação de uma comicidade seca. Brecht e Erich Engel realizariam ao lado de Valentin o hilariante curta Mistérios de uma Barbearia, que está sendo exibido na mostra.

O também escritor e jornalista Kurt Tucholsky era outro que admirava Valentin. "Eu preciso puxar muito da memória para me lembrar de outro momento em que se risse tanto num teatro quanto com ele. Ele pensa de esquerda", declarou certa vez, referindo-se ao comediante anarquista.

A editora Henschel lançou, juntamente com o Instituto do Filme Alemão e o Museu do Cinema Alemão, há pouco um rico catálogo de 160 páginas, dedicado a Karl Valentin, artista que nas palavras do jornal berlinense Der Tagespiegel teria sido "engraçado demais para Munique".

Ausstellung über Karl Valentin in Frankfurt am Main
Exposição fica em cartaz em Frankfurt até outuibroFoto: Felipe Tadeu
Karl Valentin und Liesl Karlstadt, CD-Cover
Durante 26 anos, Liesl Karlstadt foi a parceira ideal de Valentin no palcoFoto: ariola
Karl Valentin Ausstellung in Frankfurt
Filmes, desenhos, fotografias, manuscritos e esquetes compõem a mostraFoto: Felipe Tadeu