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Raízes judaicas

14 de maio de 2010

Museu Judaico, em Berlim, conta a história dos quadrinhos e desvenda ligação da indústria com as tradições judaicas, do Super-Homem e o Incrível Hulk à revista Mad.

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The Spirit (e) e Super-homemFoto: Will Eisner Studios, Inc./2010 DC Comics/DW

A caminho do Museu Judaico, os visitantes se deparam com uma escultura com o título Até os super-heróis têm dias ruins. O Super-Homem parece ter aterrissado de ponta-cabeça no chão. Ele pode ter ido parar numa rua de Berlim, mas de onde vem o Super-Homem? É uma pergunta que a exposição dentro do museu, em cartaz até 8 de agosto de 2010, tenta responder.

Em parceria com o Museu de Arte e História do Judaísmo, em Paris, e o Museu Histórico Judaico, em Amsterdã, a mostra Helden, Freaks und Superrabbis (Heróis, freaks e super-rabinos) vai buscar as raízes das histórias em quadrinhos, e demonstra como a indústria foi construída a partir do amadurecimento de filhos de imigrantes judeus vindos da Europa Oriental.

A história começa nos anos 1890, com perfis psicológicos de pioneiros como Rudolph Dirks, criador dos Sobrinhos do Capitão (The Katzenjammer Kids, no original) e, por acaso, um dos primeiros a utilizar os balões de diálogos (speech bubble), Harry Herschfield. Ele começou em 1910 desenhando o personagem Abie, o agente, para o New York Evening Journal.

Após passear por mais de 100 anos da história do HQ, a exibição conclui com uma seleção de artistas que atualmente trabalham em Israel. "A tese da mostra não é que os quadrinhos sejam uma especialidade judaica. Ela aborda, antes, o porquê de tantos judeus se tornarem artistas de quadrinhos, e quais assuntos os preocupavam", diz a curadora Anne Helene Hoog.

Super-Homem é judeu

Para quem não estava ciente que um sem número de personagens foram criados por judeus – do Homem Aranha aos X-Men e o Quarteto Fantástico –, os curadores certamente conseguem passar essa mensagem adiante. A exposição evidencia claramente que a história dos desenhistas de quadrinhos judeus é nada menos do que a própria história dos quadrinhos.

Comics Jüdisches Museum
Trabalho de James Sturm exposto no museuFoto: Sammlung Alexander Braun

Em muitos casos, as origens judaicas dos personagens das tirinhas mais antigas são muito aparentes. Um exemplo óbvio é o caso de Milt Gross que, nos anos de 1920, escreveu histórias para o diário New York World num inglês com influência iídiche, e que frequentemente retrabalhou contos famosos, como o de Aladim e Lâmpada Maravilhosa em Nize ferry-tail from Elledin witt de wanderful lemp.

Mas foi por volta da década de 1930 que a era dos super-heróis teve sua aurora. Os escritores até podiam ser judeus – embora com nomes americanizados, como Robert Kahn/Bob Kane, o inventor do Batman – mas nada havia de declaradamente judeu nesses personagens. No entanto, como mostra a exposição, o inimigo eram geralmente os nazistas.

"Eu gostaria de dar um soco 100% não-ariano no seu queixo", diz uma tirinha de 1940 "Como Super-Homem terminaria uma guerra", em que o Homem de Aço segura Hitler pelo pescoço.

Depois de outro episódio naquele mesmo ano, em que o super-herói destrói parte da chamada "Linha Siegfried", entre a Alemanha Ocidental e a França, o ministro da propaganda nazista, Joseph Goebbels proclamou: "Superman ist ein Jude" (Super-homem é um judeu), e sumariamente baniu das bancas de jornal os quadrinhos de Siegel e Shuster.

Fantasias de assimilação

Um grande número de especialistas afirma, já há alguns anos, que o núcleo da personalidade do Super-Homem é, de fato, a de um imigrante. Originalmente, ele é uma criança que veio do espaço: seus pais o colocaram numa nave pouco antes da destruição do planeta Krypton, e ele viajou milhões de anos-luz até a Terra, como único sobrevivente.

Outros se perguntam o que os super-heróis fazem, se não for praticar o preceito judaico de tikunn olam – "consertar o mundo", em hebraico.

Apesar de a exposição mais "mostrar" do que "falar", Anne Helene Hoog faz coro à teoria, dizendo que super-heróis eram frequentemente tratados como "forasteiros" que, com um profundo patriotismo de imigrante, batalhavam para salvar o país de adoção das ameaças estrangeiras.

"O Super-Homem não veio de Krypton, foi do planeta Minsk ou Lodz ou Vilna ou Varsóvia", escreveu um outro popular cartunista americano, Jules Feiffer, em 1996, num artigo para o The New York Times Magazine com o título "A teoria Minsk de Krypton".

"O Super-Homem foi a fantasia assimilacionista por definição", sugere Feiffer

Imaginário do Velho Testamento

E enquanto que o Incrível Hulk, criado pelo antigo presidente da Marvel, Stan Lee – cujos pais eram imigrantes judeus nascidos na Romênia –, apresenta similaridades óbvias com a antiga lenda judaica do Golem, a possibilidade de o Super-Homem ser visto como uma encarnação de Moisés pode surpreender a alguns.

Ausstellung Jüdisches Museum in Berlin Helden, Freaks und Superrabbis
Visitante de 'Heróis, freaks e super-rabinos'Foto: picture alliance/dpa

"Como Moisés, Super-Homem foi descoberto como criança aparentemente abandonada e criado pelas pessoas que o encontraram", disse a diretora de programação do Museu Judaico, Cilly Kugelmann. Outros especialistas destacam que, assim como Super-Homem tinha o pseudônimo Clark Kent, Moisés também tinha identidade dupla: um príncipe egípcio e o libertador do povo judaico.

Mas foi somente bem depois da Segunda Guerra que os artistas de quadrinhos se tornaram menos indiretos e passaram a abordar frontalmente os temas judaicos.

Acompanhando o movimento de contracultura da década de 60, ganhou impulso o subversivo "comix", escrito e publicado por feministas como Trina Roberts e Aline Kominsky-Crumb. Elas mostravam, deliberadamente, a vida e a experiência judaicas. O mesmo se aplica às tirinhas declaradamente autobiográficas de Diane Noomin, com títulos alusivos como Life in the Bagel Belt with DiDi Glitz ou Meet Marvin Mensch.

Enquanto isso, na revista Mad, lançada em 1952 por Harvey Kurtzman, escritores sarcásticos e cartunistas como Al Jaffee, Will Elder e Mort Drucker alcançaram que a publicação se tornasse sinônimo de uma sensibilidade urbana judaica.

Outro herdeiro do movimento underground dos quadrinhos dos anos 60 e 70 foi Art Spiegelman, que estabeleceu novos parâmetros com RAW, uma antologia editada em parceria com Francoise Mouly, de 1980 a 1991. Um dos trabalhos mais notáveis publicados em RAW foi a série "Maus", do próprio Spiegelman, ganhadora do Prêmio Pulitzer. Ela conta a história do pai do artista, judeu sobrevivente do Holocausto nascido na Polônia, os sentimentos de culpa e ódio de Art contra si próprio, à medida que ia crescendo, e como sua biografia afeta seu presente.

Tradição

Comics Jüdisches Museum
Incrível Hulk (e) e True Glitz, de Diane NoominFoto: MARVEL/Diane Noomin/DW

Quem visitar a exposição no Museu Judaico provavelmente jamais mais lerá o HQ da mesma maneira.

No livro Disguised as Clark Kent: Jews, Comics and the Creation of the Superhero, publicado em 2008, o autor Danny Fingeroth cita Will Eisner, criador do personagem The Spirit.

"Havia judeus nos meios (de quadrinhos) porque era uma porcaria de meio... um meio fácil de se entrar", escreveu Eisner. "Então... você tinha um meio considerado como lixo, a que ninguém realmente queria pertencer... e um grupo de pessoas que... trouxe consigo seus 2 mil anos de história de narrativa... O único meio de eles comunicarem a técnica da sobrevivência uns aos outros era contando histórias."

Autora: Jane Paulick (np)
Revisão: Augusto Valente