Exército colombiano matou 6.400 civis, diz tribunal
18 de fevereiro de 2021Ao menos 6.402 civis foram assassinados por militares colombianos entre 2002 e 2008 e foram falsamente identificados como guerrilheiros inimigos, revelou nesta quinta-feira (18/02) um tribunal especial que apura décadas de conflito armado na Colômbia.
O número é quase o triplo do estimado anteriormente, afirmou a Jurisdição Especial para a Paz (JEP) em relatório, frisando que a cifra mede o "fenômeno macrocriminoso" do conflito.
A JEP é um tribunal estabelecido como parte do acordo de paz entre o governo da Colômbia e as antigas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Formalmente, o pacto de 2016 deu fim a meio século de conflito no país sul-americano. A corte julga uma série de crimes e atrocidades cometidas durante a guerra entre as Farc e as forças colombianas.
Em seu novo relatório, o tribunal descreveu as mais de 6 mil execuções extrajudiciais entre 2002 e 2008, durante o governo de Álvaro Uribe (2002-2010), como "mortes ilegítimas apresentadas como mortes em combate", conhecidas nos círculos militares como "falsos positivos".
Os "falsos positivos" são civis inocentes que foram mortos por militares colombianos e falsamente identificados como guerrilheiros, a fim de elevar as estatísticas de mortes de rebeldes das Farc. Com essas mortes, soldados ganhavam honrarias militares, promoções e outros benefícios. A prática revelou o pior escândalo envolvendo forças oficiais em décadas de luta contra grupos rebeldes.
O relatório afirma ainda que a maioria das mortes ocorreu no departamento de Antioquia, no noroeste do país, onde soldados e paramilitares de direita lutaram contra rebeldes de esquerda.
Alguns restos mortais das vítimas foram encontrados em um cemitério de Antioquia, após informações repassadas por militares que depuseram ao tribunal.
Até o ano passado, a promotoria colombiana havia reconhecido apenas 2.249 execuções de civis por militares entre 1988 e 2014 – a maioria ocorrida entre 2006 e 2008, sob o governo Uribe, mentor político do atual presidente, Iván Duque. Foram investigados ainda 29 generais.
Comando do Exército nega ação orquestrada
Embora a cúpula militar sempre tenha negado que se tratasse de uma prática sistemática, oficiais e militares submetidos à JEP confessaram sua participação nos crimes.
A partir de suas confissões, foi determinado que os militares orquestraram uma espécie de "contagem de corpos" para mostrar resultados no conflito interno.
O general Mario Montoya, que era comandante do Exército na época, é a figura militar de mais alta patente a prestar depoimento perante o tribunal. Apesar de outras testemunhas terem culpado o general pelas mortes, Montoya nega ter ordenado a execução de civis.
Atualmente, 2.140 militares estão sendo investigados por assassinatos extrajudiciais, o que representa menos de 1% do total de soldados que estavam na ativa no Exército naquela época, afirmou o advogado de Montoya, Andrés Garzón, no ano passado. "Isso mostra que nunca houve uma ordem para o Exército cometer atos tão atrozes", argumentou.
Militares e ex-militares que confessarem sua responsabilidade e indenizarem as vítimas podem escapar da pena de prisão. Caso contrário, podem ser condenados a até 20 anos de detenção. A JEP, contudo, ainda não condenou ninguém desde que foi criada em 2018.
ek (AFP, Lusa)