Racismo à italiana
28 de dezembro de 2011A política de refugiados da Itália em 2011 foi, em resumo, um desastre: uma mistura de incompetência e omissão proposital que contribui para um forte aumento da xenofobia no país. "A Itália e suas autoridades competentes ignoraram e subestimaram esse perigo por muito tempo, apesar da advertência das organizações internacionais", comentou Laura Boldrini, porta-voz do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur).
Exemplos recentes são os cada vez mais frequentes crimes racistas: a morte de dois senegaleses por um neonazista, em Florença, em meados de dezembro, e o incêndio de um acampamento de ciganos em Turim, depois de uma jovem alegar falsamente ter sido estuprada.
Os casos recaem sob a responsabilidade do governo Berlusconi e de seu antigo ex-ministro do Interior, Roberto Maroni, do partido populista de direita Lega Nord, que sempre incitou fortemente contra os estrangeiros.
A ilha abandonada
Nesse sentido, a Itália foi especialmente "bem-sucedida" na Ilha de Lampedusa. Justamente no aniversário de 150 anos da reunificação italiana, no começo do ano, a população do local foi abandonada por Roma.
Depois da queda do regime de Ben Ali, na Tunísia, e dos conflitos na Líbia, Roma advertiu quanto a um enorme fluxo de refugiados, "de proporções bíblicas", pedindo à União Europeia (UE) ajuda, que lhe foi negada. Em resposta, para manifestar seu desagrado, a Itália deixou os barcos com refugiados encalharem em Lampedusa, sem transferi-los a um outro local.
Em março, chegou a haver mais imigrantes do que moradores na ilha. Em setembro cada vez mais tunisianos se espremiam no centro de recepção para refugiados, e a situação escalou ao ponto de alguns ocupantes atearem novamente fogo no prédio.
Também devido ao dano de imagem que a ilha sofreu – os turistas, principal fonte de renda do balneário, desapareceram –, os moradores de Lampedusa passaram a ter reações cada vez mais xenófobas, também açulados por políticos locais.
"As pessoas de Lampedusa se sentiram abandonadas, à mercê do destino, e reagiram de maneira incomum. Houve muitos momentos exacerbados, mais motivados pelo emocional, culminando com apedrejamentos, quando os refugiados buscaram abrigo no centro. Moradores atirando pedras nos imigrantes: a situação nunca poderia ter chegado a esse ponto", lamenta Boldrini.
Esperança em Monti
Desde o incêndio no albergue, aliás, outros casos de incêndio não esclarecidos foram registrados: um galpão com roupas e alimentos para os refugiados, um ônibus que transportava vários deles, o carro do diretor do centro. Sinais claros de que, por motivos xenófobos, se procura impedir a reconstrução do albergue – e até hoje ela não aconteceu.
"Segundo as informações que temos, nada será feito. O albergue está fechado, o prédio foi de fato muito danificado. Mas não se pode classificar uma ilha como 'um porto não seguro', simplesmente porque não há mais um centro de recepção", explica a porta-voz do Acnur.
Classificar Lampedusa como "porto não seguro", e assim praticamente fechá-la para os refugiados, foi, aliás, uma decisão do governo Berlusconi. Entretanto isso acarretou também a transferência do serviço de emergência marítima a Sicília, 200 quilômetros mais ao norte, o que, para os socorristas, significa pelo menos mais sete horas de viagem.
Uma decisão que pode colocar vidas em risco, sem contar que os refugiados naturalmente continuam chegando à ilha. "Em 16 de dezembro, 69 somalis chegaram em Lampedusa. Primeiro foram levados para a ilha, embora o campo continue sem condições de funcionar. Apesar disso, pelo menos para essas 69 pessoas, encontrou-se um alojamento de emergência", relata Boldrini.
As instalações usadas foram a de um hotel turístico. Laura Boldrini espera que o novo primeiro-ministro italiano, Mario Monti, reconstrua o albergue em Lampedusa e suspenda a decisão do governo de Berlusconi. A questão é, apenas, se Monti encontrará apoio político para tal. O novo governo ainda não se manifestou sobre o assunto.
Autor: Stefan Troendle (np)
Revisão: Augusto Valente