"Falsificador do século" expõe em Munique
11 de maio de 2015A história de Wolfgang Beltracchi é menos convencional do que seu próprio estilo hippie sugere. Aos 63 anos, ele já foi chamado de gênio da pintura e de "falsificador do século". Seu galerista, Curtis Briggs, o descreve como o "Robin Hood da arte".
Ao longo de mais de 36 anos, Beltracchi produziu 300 obras ao estilo de grandes mestres como Picasso, Gauguin e Monet. Infelizmente, ele também assinou esses quadros com o nome deles, em vez do próprio. Sua esposa, então, ventia as pinturas.
O casal criava histórias sobre a procedência de quadros considerados desconhecidos: elas seriam parte de uma coleção que pertencia à família. Como prova, criaram até fotos em estilo antigo.
"Eu mesmo fiz a cola para as etiquetas da coleção, com restos de ossos e materiais orgânicos, assim ninguém notaria", explica Beltracchi. "Sempre achei interessante ir a museus — mesmo o MoMa — e ver meus trabalhos lá", diz ele, piscando o olho.
Em torno de 250 obras em todo o mundo ainda não foram descobertas. Mesmo pessoas conscientes de que possuem alguma de suas falsificações preferem se manter em silêncio. Afinal, milhões de dólares estão em jogo.
Ultrapassando os mestres
Beltracchi não foi traído por suas pinceladas. O falsário era tão bom que mesmo a viúva do pintor Max Ernst dizia que ele pintou a mais bonita floresta do marido. Especialistas acreditaram que as pinturas eram originais e verdadeiras obras de arte.
Um descuido, porém, acabou por expô-lo. Em um quadro supostamente de 1914, de Heinrich Campendonk, ele usou branco titânio, e esse tipo de tinta ainda não existia na época.
Em 2011, Beltracchi foi sentenciado a seis anos de prisão. Sua mulher, a quatro anos. Antes do julgamento, durante a prisão preventiva, ele pintou retratos de outros prisioneiros e continuou pintando obsessivamente, na prisão e depois de ser solto. A sentença foi reduzida, e ele foi solto em janeiro de 2015.
Agora, seus mais recentes trabalhos podem ser vistos em uma exposição que vai até outubro na galeria Art Room9, em Munique. O nome da mostra, ironicamente, é "Freedom" (Liberdade).
Mais talento do que modéstia
Beltracchi agora tem a liberdade para pintar do jeito que quiser. Mas suas obras ainda são uma mistura de estilos. Ele usa livremente traços de Kandinsky, Campendonk, Dürer e Gauguin. Pinta com a mão direita ou a esquerda, dependendo das pinceladas utilizadas pelos modelos.
Só que agora ele assina as próprias telas: W. Beltracchi. Em um trabalho inspirado por Max Ernst, chamado Rauhnächten, ele escondeu um coelho em referência a Joseph Beuys. Segue, portanto, um piadista.
Tanz auf der Treppe (Dança nas Escadas) foi inspirado em uma pintura de 1913 de Fernand Léger, mas agrupa personagens como os quadros de Oskar Schlemmer. Essa foi uma pintura que Beltracchi concluiu em três ou quatro dias.
E ele afirma que não há artista que não consiga reproduzir. Precisa apenas estudá-los bem. "Pintores renascentistas são mais difíceis do que artistas modernos", diz. Modéstia não é o seu forte.
A exposição em Munique tem 24 trabalhos. E colecionadores do mundo todo ligam para a galeria atrás de um original de Beltracchi. A obra mais cara da exposição custa 78 mil euros.
Muitos críticos o esnobam, afirmando que ele não é um artista, mas um criminoso. "Cumpri minha pena. Qualquer um que me critica quer vingança. Ou é invejoso", diz Beltracchi.
Uma galerista de Berna, na Suíça, por exemplo, foi expulso da associação de proprietários de galerias por organizar uma exibição dos quadros de Beltracchi, em dezembro de 2014, enquanto ele ainda estava preso. O galerista vendeu todos os trabalhos em três semanas, por 650 mil euros.
Apenas imitações?
Para muitos, o estilo de Beltracchi é cópia pura. Definitivamente, ele não se prende a um estilo só. Até sua assinatura é diferente em cada quadro, adaptada ao trabalho.
"Simplesmente não tem graça pintar sempre a mesma coisa." Ele diz que busca combinar pinturas do passado, do presente e do futuro.
Hoje em dia, Beltracchi tem ares de pop star. Celebridades fazem fila para serem pintadas por ele. Junto com a esposa ele já publicou dois livros e trabalhou em documentários. Escritores americanos enviam roteiros para séries sobre sua vida.
Ele continua pintando em seu estúdio, em Montpellier, no sul da França. Ele considera a luz do lugar particularmente inspiradora.
Depois de anos atuando às escondidas, Beltracchi pode pintar livremente. Ainda assim lembra com nostalgia do passado. "Era divertido ficar em segundo plano, numa vida rica e tranquila. Agora estou pobre e não tenho tranquilidade, não é tão bom", diz. Até 2017, ele precisa pagar 20 milhões de euros aos credores, e um liquidante coleta todas as suas receitas.
O mercado quer Beltracchi
Receitas essas que fluem com abundância. A demanda é maior do que o número de telas que ele consegue pintar, o que aumenta o valor de mercado das obras. Comprar arte é como investir em ações na bolsa de valores, e esse ganancioso mercado agora busca os trabalhos assinados por Wolfgang Beltracchi.
Ironicamente, ele levou esse mesmo mercado a um "caos exorbitante" com suas falsificações, como explica o galerista Curtis Briggs.
"Ele é apenas alguém que troca o rótulo de garrafas baratas para garrafas caras em uma degustação de vinhos. Agora, aqueles que veem sua arte podem decidir se ela tem valor ou não", argumenta.
Em apresentação à imprensa antes da abertura da exibição, um jornalista britânico perguntou se ele podia garantir que nunca mais faria o que fez. Ao que ele rebateu:
"Eu certamente nunca usarei branco titânio outra vez", declarou, causando risadas na plateia.