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Hélène Grimaud

17 de outubro de 2010

Pianista de fama mundial fala de sua relação com Schumann e Beethoven, da alegria e solidão da carreira de solista. E sobre tudo o que um músico pode aprender com os lobos e outros animais selvagens.

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Hélène GrimaudFoto: KASSKARA

Nascida em Aix-en-Provence, França, em 7 de novembro de 1969, Hélène Grimaud é aclamada como uma das principais pianistas clássicas da atualidade. Além de concertos solo, de câmara ou acompanhada pelas mais importantes orquestras e de numerosos CDs lançados, ela é também autora de um livro sobre a preservação da vida selvagem, e cofundadora do Wolf Conservation Center, dedicado à proteção dos lobos.

Grimaud esteve recentemente na Alemanha, integrando o quadro de estrelas do festival Beethovenfest, em Bonn, onde interpretou concertos para piano do mestre clássico-romântico. Ela conversou com a Deutsche Welle sobre sua relação com a música e sobre sua carreira.

Deutsche Welle: É verdade que Robert Schumann foi um dos primeiros compositores que você escutou, e que esse momento foi muito decisivo?

Hélène Grimaud: Sim, é verdade. Eu havia escutado as sinfonias de Beethoven antes, e elas tiveram um forte impacto sobre mim. Mas meu primeiro contato com a música para piano, de fato, foi através das peças de Schumann. E, sim, foi instantâneo.Ao executar esses concertos para piano, quão próxima você se sente de Beethoven, do que sabemos sobre a sua pessoa e do rebelde que ele era?

Tão próxima quanto é possível estar. Às vezes digo que, ao se tocar a música de Beethoven, mais do que com qualquer outro compositor, é como se ele estivesse lá. Outros colegas me disseram que têm a mesma sensação. E com cada ressurgência ou movimento brusco da música, você o sente bem ali, talvez fazendo, ele próprio, esses movimentos frustrados. E a pessoa se sente acompanhada, sustentada – por vezes, através de experiências difíceis, é como se ele estivesse ainda mais presente. É absolutamente fantástico.

Por falar em experiências difíceis: é por vezes frustrante, como pianista, tentar produzir o legato, aquela linha cantante que tantos outros instrumentos e a voz humana conseguem alcançar com facilidade tão maior?

Sim, sem dúvida. Recentemente, alguém me disse: "É tão interessante, esse piano, esse instrumento, é preciso acontecer tanta coisa, antes que a música sequer comece a sair dele". E acho que está perfeitamente certo. E você realmente fica distraído, eu diria, o que também é bom.

Há tanta coisa acontecendo no piano: você tem essa dimensão polifônica, as vozes médias, tanto a dimensão vertical quanto a horizontal. Claro, é também isso que o faz tão maravilhoso. Também gosto da qualidade solitária do instrumento: é como um leão na savana, nobre e solitário.

Você tem um projeto muito importante, ligado à vida selvagem, sobre o qual escreveu um livro: criar lobos nos Estados Unidos. Ele provocou uma mudança em sua relação com a música?

USA Pianistin Helene Grimaud in New York
A pianista se apresenta em Nova YorkFoto: AP

Trabalhar com qualquer animal selvagem não é muito diferente do trabalho numa peça musical, no sentido que você tem que estar cem por cento no momento, em todos os níveis, intelectual, emocional e psicológico.

Enquanto seres humanos, não somos especialmente dotados para viver no momento. Tendemos a frequentemente ruminar o passado ou nos projetarmos no futuro. E para os animais essa é uma dimensão que não existe – embora a maior parte deles tenha memória e seja bem capaz de guardar rancores. Você aprende muito com isso. É uma escola de respeito, de consciência. Neste sentido, tem sido um incrível enriquecimento e fonte de energia e inspiração. Foi difícil me afastar do projeto. Por outro lado, ele desviava tanto o foco da minha música...

Uma coisa que me chama atenção nas críticas de seus concertos é a frequência com que se comenta o que você estava vestindo, sobre sua aparência. Não costumo ler esse tipo de coisa a respeito de artistas masculinos.

É muito chato, especialmente para alguém com o meu temperamento, porque é tão irrelevante! É o lado negativo de ser mulher. Não tem nada a ver com nada, e é justo por essa razão que eu sempre digo que ser do sexo feminino é uma desvantagem.

Por outro lado, tenho uma sorte enorme, e estou consciente disso. O sentimento principal, nestes 25 anos de profissão, é o de ser muito privilegiada. Assim, no total, a nota positiva predomina.

É solitário ser pianista de concerto, ir parar em lugares onde talvez não se conheça ninguém e dar recitais? Você não está num estágio de sua carreira quando gostaria de estar constantemente em projetos com outros músicos?

Definitivamente. Minha agenda está prestes a se modificar radicalmente, pois na maior parte de outubro e novembro só tocarei recitais solo. É triste, pois quando se toca com colegas há tanta alegria envolvida, e há algo de tão arrebatador em se compartilhar o fazer-música no palco.

Mas, ao mesmo tempo, recitais de piano podem ser extremamente poderosos. É só você, o instrumento e o mundo do compositor. Você serve como uma espécie de canal entre aquele mundo e o público sentado ali, e isso é algo que pode ser incrivelmente enriquecedor.

Entrevista: Breandáin O'Shea (av)
Revisão: Simone Lopes