Federalismo: uma reforma urgente
22 de outubro de 2005Desde o início desta semana (17/10), representantes da aliança formada por União Democrata Cristã (CDU) e União Social Cristã (CSU) – que constitui a bancada mais numerosa no novo Parlamento – e do Partido Social Democrata (SPD), de Gerhard Schröder, – o perdedor da eleição de 18 de setembro – estão negociando as diretrizes de seu futuro governo.
A necessidade de reformas é ponto pacífico. As discórdias giram em torno de seu conteúdo e de como implementá-las. Ao que tudo indica, existe concordância também sobre a urgência de inviabilizar a política de bloqueamento mútuo entre Federação e Estados que vem sendo praticada no Bundesrat. A câmara alta do Legislativo – na qual estão representados os Estados federados e a oposição tinha maioria durante o governo de Schröder – vem emperrando a tomada de decisões importantes e necessárias para tirar o país da crise econômica e social em que se debate há anos.
Em conferência realizada nesta quinta e sexta-feira (20 e 21/10), os governadores dos 16 Estados federados decidiram priorizar essa reforma, propondo a convocação de uma conferência extraordinária para o início de novembro, na qual os governos estaduais definirão suas respectivas posições nas negociações a ser reatadas com a Federação.
No ano passado, uma comissão interpartidária presidida pelo social-democrata Franz Müntefering e pelo social-cristão Edmund Stoiber já tinha conseguido esclarecer muitos dos pontos controversos. No entanto, em dezembro a reforma do federalismo acabou fracassando por falta de consenso quanto às competências na política do ensino.
Reflexos na União Européia
Mas as conseqüências das discórdias entre Federação e Estados não se fazem sentir somente na política interna da Alemanha. A pretensão dos 16 Estados federados de participar das decisões estende-se também ao patamar da União Européia (UE). Em Bruxelas, a suntuosa sede da representação do Estado Livre da Baviera é chamada ironicamente de Castelo Neuschwanstein, em alusão a uma das obras mirabolantes do último rei bávaro.
Entre os 25 países-membros do bloco econômico, somente três são regidos pelo sistema federalista: Alemanha, Áustria e Bélgica. Nos complexos processos de tomada de decisão, a Alemanha vem enfraquecendo a si mesma pelo peso concedido aos seus Estados.
"Voto da Alemanha" = abstenção
"Muitas vezes a Alemanha não consegue se impor nas votações em Bruxelas porque o governo federal precisa estar sempre consultando os governos estaduais, o que diminui sua flexibildade nas negociações", afirma Hans-Peter Schneider, diretor do Instituto Alemão de Pesquisa sobre o Federalismo. A conseqüência é que a Alemanha se abstém com tal freqüência que a expressão German vote (voto alemão) é utilizada em Bruxelas como sinônimo de abstenção.
No setor financeiro, a Federação – em sua qualidade de financiadora dos cofres da UE – e os Estados federados – que são receptores de subsídios do bloco – defendem em Bruxelas muitas vezes posições conflitantes. "Isso proporciona à Comissão Européia a oportunidade de se aproveitar a bel-prazer da rivalidade entre governo federal e governos estaduais", constata Thomas Fischer, expert em federalismo da Fundação Bertelsmann.
Uma forma de harmonizar os interesses seria seguir o exemplo da Áustria, opina Hans-Peter Schneider. No país vizinho, o acordo sobre a posição a ser tomada é feito entre governo federal e governos estaduais antes das votações em Bruxelas.
Federalismo assusta investidores
As disputas por competências entre Federação e Estados acabam prejudicando a Alemanha também no campo econômico. "Não se pode esperar que os investidores estrangeiros venham saltitantes de alegria para a Alemanha pôr seu dinheiro neste caos", dispara Schneider sem rodeios.
Fischer, da Bertelsmann, acrescenta que a competitividade da Alemanha no cenário internacional também depende de um reforço da competência federal no setor da educação. Com isso, prevê que "a questão do ensino pode se tornar de novo o grande campo de batalha nas negociações", aludindo ao fracasso em dezembro de 2004.
Canadá como exemplo?
A Alemanha, no entanto, não é o único país a amargar as conseqüências da disputa por competências dentro do federalismo. "Faltam modelos dignos de ser seguidos", lamenta o jurista Schneider, que integrou a Comissão do Federalismo na qualidade de perito. A pretensão de reformar o federalismo fracassou tanto no Canadá como na Austrália.
Ainda assim, há outras formas de federalismo que poderiam servir de orientação para a Alemanha. Ao lado do centralismo francês, há, por exemplo, o federalismo "assimétrico" do Canadá, lembra Fischer. Em sua opinião, esse modelo favoreceria os Estados federados mais pobres, que não têm condições de realizar todas as tarefas que lhes cabem.
Essa proposta teria como conseqüência uma redistribuição das atribuições dos Estados "pobres" para os "ricos", o que, por sua vez, certamente daria origem a uma enorme onda de indignação. Com isso, o mais provável é que ela permaneça eternamente no patamar em que se encontra hoje: o das meras reflexões acadêmicas.