Felipão: campeão, carismático e explosivo
7 de maio de 2014Com as calças arriadas e os pés descalços, Luiz Felipe Scolari se apoia na lateral do barril de madeira de carvalho enquanto pisoteia as uvas. Descontraído, sorri e explica o processo de fermentação e maturação do vinho. A fabricação artesanal de vinho é uma das muitas tradições mantidas pela colônia italiana estabelecida na região serrana do Rio Grande do Sul. Em dias assim, nem parece que Felipão é aquele técnico que ostenta uma áurea ditatorial, tachado de sisudo e cabeça-dura, com um longo histórico de confrontações com imprensa e jogadores.
Quando Felipão coloca algo na cabeça, não há quem o faça mudar de ideia. Nem um país inteiro. Antes da Copa de 2002, por exemplo, o Brasil pedia por aclamação a convocação de Romário. Então com 35 anos, o herói do Mundial de 1994 havia sido artilheiro do Campeonato Brasileiro em 2001. Mas nem as lágrimas do "Baixinho", em rede nacional, comoveram o treinador.
"Depois da Copa América, em que perdemos de Honduras, eu estava por um fio. Eu e o time precisávamos do apoio naquela hora e aí surgiu a história da tal operação no olho [do Romário]. Num primeiro momento, me conformei: afinal, tratava-se de um problema de saúde. Mas depois eu soube que ele não ficou de repouso e foi fazer amistoso com o Vasco para ganhar alguns dólares. Aí, perdi a confiança nele, e ele perdeu a Copa", admitiu Felipão, anos mais tarde.
Confiança é a palavra-chave nos trabalhos de Felipão. Nos diversos times que dirigiu, ele demonstrou grande habilidade em formar grupos vencedores e comprometidos com sua filosofia. Ele nunca teve nenhum remorso em entrar em rota de colisão com os astros dos times: é sua maneira de ganhar a confiança do elenco e saber com quem pode contar.
"Numa competição, nós muitas vezes precisamos mais de um grupo do que de uma estrela somente. Será que vale apenas investir apenas numa estrela?", indagou Felipão poucos meses antes da Copa de 2002.
Polêmicas e agressões, mas campeão
Assim como "peitou" Romário em 2002, Felipão alavancou uma discussão nacional antes da convocação da seleção de Portugal – onde trabalhou por cinco anos – para a Eurocopa de 2004. Vítor Baía, na época goleiro do Porto e campeão da Liga dos Campeões, estava em grande forma, mas foi ignorado por Felipão – que admitia não gostar de seu temperamento.
Felipão sempre seguiu a linha disciplinadora e da não intromissão em seu trabalho. Com temperamento explosivo e personalidade forte, também teve diversos embates com a imprensa. Apontou dedo, levantou de coletivas e ofendeu jornalistas. Certa vez, em 1998, chegou a agredir um repórter com um soco.
No mesmo ano, mandou o então ministro da Saúde, José Serra, que criticou o time do Palmeiras, se preocupar com a saúde da população e não com a sua equipe. No ano seguinte, ainda como treinador do time paulista, microfones captaram uma bronca no vestiário antes de uma partida contra o arquirrival Corinthians:
"Eu tenho um time experiente, mas que não sabe dar pontapé. Tu sabes que o cara [Edílson, jogador do Corinthians] é malandro, mas é covarde e cafajeste. Tem que saber irritar o cara", cobrou Felipão de seus jogadores. Quando treinava Portugal, agrediu Ivica Dragutinovic, após ter sido provocado em espanhol pelo defensor sérvio que atuava pelo Sevilla.
Seu comportamento explosivo foi quase sempre ofuscado pelas conquistas em campo. Em 2002, voltou da Ásia campeão mundial. E nos tempos em que comandou a seleção portuguesa, foi vice-campeão europeu e levou os lusos à melhor colocação em uma Copa do Mundo desde 1966.
Mas no Chelsea, a única vez que treinou um clube grande na Europa, "Big Phil", como foi apelidado pela imprensa inglesa, permaneceu apenas sete meses no cargo. Ele até começou bem, quebrando o recorde de 11 vitórias seguidas fora de casa, mas os problemas de relacionamento com Petr Cech, Didier Drogba e Michael Ballack, que não aceitavam os métodos de treinamentos e as exigências, colaboraram para a demissão de Felipão.
De jogador mediano a treinador soberano
O lado "xerifão" de ser – e que levou Felipão aos seus sucessos na carreira – o acompanha desde os tempos em que foi jogador de futebol. Luiz Felipe Scolari nasceu em Passo Fundo, em 9 de novembro de 1948. Além da nacionalidade brasileira, possui também o passaporte italiano. Seus avôs eram imigrantes do Vêneto – região famosa por seus vinhos Valpolicella e Prosecco e por sua capital Veneza. O seu interesse por futebol veio através do pai, Benjamim Scolari, que era zagueiro do Aimoré, equipe da cidade de São Leopoldo.
Felipão também foi zagueiro com a fama de truculento e de pouca habilidade, mas que já naquela época demonstrava um perfil de liderança. Seu auge foi na equipe do Caxias do Sul, onde atuou de 1973 a 1979. Nesse meio tempo, Felipão se formou e trabalhou paralelamente à carreira de jogador como professor de educação física. Depois de duas passagens frustradas por Juventude e Novo Hamburgo, atuou ainda um ano no CSA de Alagoas – equipe por qual conquistou o Campeonato Alagoano, o único de sua carreira como jogador e que viria a ser a sua primeira experiência como treinador.
Nos primeiros anos, Felipão perambulou entre clubes gaúchos e aventuras no mundo árabe. A primeira conquista de relevância foi a Copa do Brasil de 1991, com o Criciúma. Seguiram as duas fases áureas: de 1993 a 1996 com o Grêmio, onde conquistou uma Copa Libertadores, um Campeonato Brasileiro e uma Copa do Brasil; e de 1997 a 2000 no Palmeiras, onde repetiu o título sul-americano e levantou duas Copas do Brasil.
"Treinar o Brasil em 2014? Deus me livre!"
Trabalhos que o credenciaram para assumir a seleção brasileira na metade de 2001. De uma equipe desacreditada e que teve sérios problemas para se classificar para a Copa, Felipão formou a famosa "Família Scolari", transformou o egoísmo de Ronaldo e Rivaldo em uma parceria mortal e conquistou o Penta. Após o título mundial, Felipão deixou o cargo de treinador do Brasil e foi para a Europa, onde comandou a seleção portuguesa e o Chelsea.
Em 2009, em sua estação mais extravagante – o Bunyodkor, do Uzbequistão –, ao ser indagado se assumiria a seleção brasileira para a Copa de 2014, foi categórico: "Treinar o Brasil em 2014? Deus me livre! Essa vai ser a pior Copa para qualquer treinador brasileiro. Ninguém vai aceitar outro resultado que não seja o título. Ninguém admite passar outra vez por uma frustração como a de 1950. Pobre técnico...tô fora!"
Mas no dia 28 de novembro de 2012, Luiz Felipe Scolari aceitou herdar a vaga de Mano Menezes e voltou à seleção. Dez anos depois do Penta, Felipão tem pela frente a "quase obrigação" de conquistar o Hexa em casa. Caso consiga, vai igualar o recorde do treinador italiano Vittorio Pozzo, campeão mundial em 1934 e 1938. Para tal, Felipão já escolheu o "Romário" da vez, ainda que em menores proporções: Ronaldinho Gaúcho, pedido por muitos dentro e fora do Brasil, não foi convocado para a Copa das Confederações no ano passado, e a seleção foi campeã. Alguém ainda duvida do Felipão?
Ficha técnica:
Nome: Luiz Felipe Scolari
Nascimento: 09.11.1948 (65 anos)
Local: Passo Fundo, Rio Grande do Sul
Altura: 1,85 metro
Posição: ex-zagueiro
Trajetória como jogador:
1973 - 1979 - Caxias do Sul (Rio Grande do Sul)
1980 - Juventude (Rio Grande do Sul)
1980 - 1981 - Novo Hamburgo (Rio Grande do Sul)
1981 - CSA (Alagoas) - campeão alagoano 1981
Trajetória como treinador:
1982 - CSA (Alagoas) - campeão alagoano 1982
1983 - Juventude (Rio Grande do Sul)
1983 - Brasil de Pelotas (Rio Grande do Sul)
1984 - 1985 - Al Shabab FC (Arábia Saudita)
1986 - Pelotas (Rio Grande do Sul)
1986 - 1987 - Juventude (Rio Grande do Sul)
1987 - Grêmio (Rio Grande do Sul) - campeão gaúcho 1987
1988 - Goiás (Goiás)
1988 - 1990 - Qadsia SC (Kuwait)
- Copa do Emirado do Kuwait 1989
1990 - Seleção do Kuwait
1990 - Coritiba (Paraná)
1991 - Criciúma (Santa Catarina) - Copa do Brasil 1991
1991 - Al-Ahli (Arábia Saudita)
1992 - Qadsia SC (Kuwait)
1993 - 1996 - Grêmio (Rio Grande do Sul)
- Copa Libertadores 1995
- Recopa Sul-Americana 1996
- Campeonato Brasileiro 1996
- Copa do Brasil 1994
- Dois campeonatos gaúchos (1995 e 1996)
1997 - Jubilo Iwata (Japão)
1997 - 2000 - Palmeiras (São Paulo)
- Copa Libertadores 1999
- Copa Mercosul 1998
- Copa do Brasil 1998
- Torneio Rio-São Paulo 2000
2000 - 2001 - Cruzeiro (Belo Horizonte) - Copa Sul-Minas 2001
2001 - 2002 - Seleção do Brasil - Copa do Mundo de 2002
2003 - 2008 - Seleção de Portugal
2008 - 2009 - FC Chelsea (Inglaterra)
2009 - 2010 - Bunyodkor (Cazaquistão) - campeão cazaque 2009
2010 - 2012 - Palmeiras (São Paulo) - Copa do Brasil 2012
desde 2013 - Seleção do Brasil - Copa das Confederações 2013