Festas nos Bálcãs dão novo impulso à covid-19
22 de julho de 2020Os clubes da ilha croata de Pag, famoso na Europa por suas festas, deveriam, na verdade, estar fechados. Mas no fim de semana passado, a realidade foi bem outra na badalada praia de Zrce, em Novalja.
Estima-se que em vários locais tenham se aglomerado cerca de 2 mil pessoas para dançar. Máscaras e distanciamento social eram expressões que não faziam parte da festa.
Mas não é só a Croácia que representa um possível novo foco de infecção por covid-19. Os peregrinos também circulam diariamente por Medjugorje, na Bósnia-Herzegovina. O local se tornou nos últimos anos um dos principais pontos de peregrinação para cristãos na Europa. Ali, máscaras e distanciamento também não existem.
Há meses, cerca de 3 a 4 mil refugiados acampam na cidade de Bihac, na Bósnia, sob condições higiênicas catastróficas. A maioria é formada por jovens do Afeganistão e do Paquistão que foram impedidos de atravessar a fronteira externa da UE com a vizinha Croácia. Ali, uma proteção eficaz contra a covid-19 é praticamente inexistente.
Esses três exemplos ilustram o que a Organização Mundial da Saúde (OMS) enxerga como um problema em ascensão nos Bálcãs.
"Embora certamente na Europa ocidental a doença esteja sob controle, ainda temos algumas tendências preocupantes no sul da Europa e nos Bálcãs, portanto ainda não estamos fora de perigo no ambiente europeu. Isso requer uma vigilância constante", afirmou nesta quarta-feira (22/07) Mike Ryan, chefe do programa de emergências da OMS.
No início da semana, a Sérvia registrou 359 novas infecções em apenas 24 horas. Dez pessoas morreram. Tem sido assim há dias. Para fins de comparação: na Alemanha, que é dez vezes maior, houve cerca de 100 casos a menos do que na pequena Sérvia no mesmo período. Novos recordes também são sempre registrados na Bósnia-Herzegovina e Macedônia do Norte. Na Romênia, a curva de infecção é hoje três vezes maior do que durante o confinamento obrigatório, encerrado em meados de maio.
O fato de a crise na Península dos Bálcãs estar aumentando tão rapidamente também se deve aos padrões de comportamento da população. Em toda a região, o beijo como uma forma de saudação é tradicionalmente difundido. E nem os fiéis nem a igreja querem abrir mão de beijar ícones. Mesmo a habitual passagem da comunhão com uma única colher para vários frequentadores da igreja faz tremer muitos virologistas. E sentar em cafés, restaurantes e pubs, tal como na Itália ou na Espanha, faz parte da cultura.
Política aceleradora de infecção
O coronavírus também serviu para dar um grande impulso no cenário político do sudeste da Europa. Apesar da epidemia, foram organizadas eleições parlamentares na Sérvia, Croácia e Macedônia do Norte. Segundo especialistas, isso acelerou ainda mais o processo de infecção. Aparentemente, o governo insistiu nas eleições a fim de não sofrer derrotas em uma data posterior devido à esperada queda na economia.
Outros exemplos de aceleradores de infecção são as grandes manifestações, como na Sérvia ou na Bulgária. Milhares de pessoas protestaram diariamente nas capitais e em todo o país contra novas restrições. Na realidade, tratava-se de críticas ao governo ou, como na Sérvia, sobretudo ao presidente Aleksandar Vucic. No pequeno Estado adriático de Montenegro, o vírus ofereceu ao governo uma trégua na eterna disputa com a poderosa Igreja Ortodoxa no país. Fazendo alusão à covid-19, a igreja encerrou, a princípio, suas grandes manifestações contra a nova lei religiosa.
O efeito lupa do coronavírus
A Grécia rende um capítulo à parte: o popular destino de viagens abriu rapidamente suas fronteiras, pois o turismo é um setor econômico importante no país.
No entanto, foram trazidas para lá infecções vindas sobretudo da Sérvia, e alguns turistas tiveram que ser mandados de volta para casa. Milhares enfrentaram fronteiras fechadas, embora tivessem sido de fato convidados pelas autoridades de turismo.
No final das contas, os grandes congestionamentos na passagem da fronteira Kulata/Promachonas, entre a Grécia e a Bulgária, não se restringiam apenas aos fins de semana, já que as outras passagens foram fechadas. Atenas também criou um sistema de registro eletrônico que os turistas devem usar para anunciar seus dias de chegada com antecedência. Para isso, eles recebem um código QR, que deve ser exibido na fronteira. Esse monstro burocrático, que inclui controles de saúde na entrada, geralmente não funciona e já levou milhares de turistas ao desespero.
A crise do coronavírus também parece funcionar como uma lupa ao ampliar um dos maiores problemas da região: a corrupção desenfreada. Em maio, o primeiro-ministro Fadil Novalic, da Bósnia-Herzegovina, foi preso temporariamente por ter sido associado à importação de 100 aparelhos de respiração urgentemente necessários.
A empresa de importação, totalmente inexperiente, entregou 80 dispositivos completamente inutilizáveis, com grandes danos ao orçamento do Estado. Ninguém na Sérvia sabe com que dinheiro o presidente Vucic comprou tais respiradores, sequer quantos ou onde. Segredo de Estado, afirmam as autoridades.
Medo de uma nova onda de infecções
Por mais ingênuas e despreocupadas que pareçam as festas na Croácia, erros semelhantes foram cometidos na Sérvia nas últimas semanas e meses. Apesar da pandemia, 20 mil torcedores aplaudiram seus ídolos num estádio lotado durante um clássico do futebol local de Belgrado.
Novak Djokovic, número um no ranking mundial de tênis, organizou sua turnê adriática em casa e na Croácia diante de arquibancadas lotadas. Ele próprio foi infectado pelo vírus, além de três outros jogadores de destaque. Gravações em vídeo mostraram as celebridades dançando sem camisa e de forma descontraída em uma boate.
A nova onda de infecções nos Bálcãs tampouco pode deixar a Europa Ocidental indiferente. O governo da Áustria, onde vivem mais de meio milhão de pessoas originárias dos Bálcãs, alertou sobre o risco de o vírus ser trazido para o país pelos vizinhos. Já na Alemanha, milhares de funcionários de frigoríficos da Renânia do Norte-Vestfália (Tönnies) e da Baixa Saxônia (Wiesenhof), particularmente afetados pela covid-19, vêm do sudeste da Europa.
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