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Documentários

Soraia Vilela1 de novembro de 2008

Dois filmes de cineastas brasileiras participam da mostra competitiva do Festival de Documentários e Filmes de Animação de Leipzig. Curiosidade fica por conta da obra de um alemão sobre o Brasil do início dos anos 1960.

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'As praias de Agnès': autobiografia cinematográfica da diretora francesa Agnès VardaFoto: DOK Leipzig

Com 320 filmes de 50 países exibidos em seis dias, o Festival de Documentários e Filmes de Animação de Leipzig reafirma na 51ª edição seu lugar no panorama de mostras dedicadas aos dois gêneros na Europa. Os principais prêmios, entregues neste sábado (01/11) vão para o longa tcheco René, dirigido por Helena Treštiková (Pomba de Ouro) e El Olvido (O Esquecimento), da peruana radicada na Holanda Heddy Honigmann (Pomba de Prata). Do ponto de vista temático, o festival se propõe a abrir espaço para o debate sobre a defesa dos direitos humanos. Esteticamente, as mostras se voltam, em tese, para trabalhos que a curadoria do festival intitula de "inovadores e experimentais".

Enquadrados neste gênero participam da competição este ano dois curtas brasileiros: Cocais, a cidade reinventada, de Inês Cardoso, e Sumi, um tratado sobre a caligrafia japonesa dirigido por Marina Fraga. Enquanto o primeiro expõe em 15 minutos os resquícios de um hospital psiquiátrico e seus sobreviventes, o segundo é um "filme-poema" criado durante a estada da artista brasileira num programa de intercâmbio de três meses no Japão.

"Europeização do Brasil"

A curiosidade relacionada ao Brasil durante o festival ficou, contudo, por conta de um longa exibido na série retrospectiva Fremde Heimat (Terra estranha): um "épico vanguardista de imagens avassaladoras sobre a europeização do Brasil", como descreve o catálogo do festival. Para desavisados que não compreendam do que se trata, a suposta "europeização" do país se deu na década de 60 do último século, quando o diretor alemão Hugo Niebeling rodou, com recursos do grupo Mannesmann, seu filme Alvorada – Aufbruch in Brasilien (Alvorada – Reviravolta no Brasil).

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O curta 'Cocais, a cidade reinventada', da brasileira Inês CardosoFoto: DOK Leipzig

Nomeado em 1961 para o Oscar na categoria de documentário e vencedor do Prêmio Alemão do Cinema, o filme inclui tomadas aéreas do Oiapoque ao Chuí, feitas, segundo o diretor, a partir de aeronaves colocadas à sua disposição na época pela Aeronáutica brasileira. Depois de passar quatro meses rodando no Brasil quase 50 anos atrás, o diretor, presente no festival de Leipzig, lembra que voltou à Alemanha para editar seu filme. Uma vez pronto, o longa foi bloqueado pela Mannesmann, insatisfeita com o resultado.

Processado pela empresa, ele não pôde divulgar, nos 20 anos seguintes, qualquer tipo de relação do grupo empresarial com o filme. A série de imagens, que hoje parecem um amontoado de clichês, não eram ainda lugar-comum na época, garante o diretor: "o que hoje já vimos mil vezes era novo naquele momento". Das "novidades temáticas" de então fazem parte seqüências rodadas no Pelourinho, o carnaval do Rio de Janeiro, a obra de Aleijadinho em Minas Gerais, o Teatro Amazonas, a construção de Brasília e muitos bastidores da indústria metalúrgica.

Interessante para o espectador de hoje é ver São Paulo com poucos carros nas ruas, Belo Horizonte com bondes circulando por uma avenida arborizada, Florianópolis com apenas três ou quatro arranha-céus e daí por diante. Um Brasil visto pela ótica oficial, mas com metrópoles incomparavelmente mais tranqüilas que as de hoje. E principalmente um país que ainda transpirava certa inocência, sem qualquer prenúncio da ditadura militar que viria nas décadas seguintes.

Confronto com a morte

Tema recorrente tanto no cinema de ficção quanto no documentário, a morte foi também um tema presente no Festival de Leipzig, entre outros em Z32, do israelense Avi Mograbi, e em Testimony, do romeno Razvan Georgescu. O primeiro expõe o drama de um ex-soldado israelense às voltas com as lembranças de ter assassinado à queima-roupa um grupo de palestinos. O segundo acompanha a luta do diretor contra seu próprio tumor cerebral.

Szenenbild aus dem Film Lebens(w)ende (Regisseur Razvan Georgescu) vom Leipziger Dokumentarfilmfestival Freies Bildformat
'Testimony': auto-reflexão do diretor romeno Razvan GeorgescuFoto: www.dok-leipzig.de

Ao obter o diagnóstico que prevê uma sobrevida de três anos, o cineasta romeno dá início à procura de outros artistas em situação semelhante. Entre outros, Georgescu acompanha os últimos meses de vida do artista plástico alemão Jörg Immendorf, que reflete frente à câmera sobre seus medos e sua resistência à doença.

Permeado pela sinfonia composta pelo próprio pai do diretor como forma de espantar o fantasma da morte iminente do filho, o filme tem seus melhores momentos nas confissões do videoartista norte-americano Bill Viola sobre a interseção entre sua vida privada e sua obra após a morte de sua mãe. Só pela lucidez dos testemunhos de Viola já vale a ida ao cinema.