1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Filme sobre Hélio Oiticica é atração em Berlim

Alexandre Schossler11 de fevereiro de 2013

Realizado pelo sobrinho do artista, César Oiticica Filho, com imagens e áudios pouco conhecidos, documentário "Hélio Oiticica" festeja sua estreia internacional no Festival de Cinema de Berlim.

https://p.dw.com/p/17c2J
Berlinale 2013 Hélio OiticicaFoto: Berlinale 2013

Para o diretor César Oiticica Filho, o documentário Hélio Oiticica, que tem sua estreia internacional na Berlinale desse ano, aconteceu como "uma coisa meio cósmica". Uma série de material inédito, ou mal interpretado, sobre a obra e o legado se seu tio Hélio, um dos maiores artistas brasileiros do século passado, começou a aparecer.

Dar voz ao próprio artista é a maneira que o cineasta escolheu para guiar sua estreia no cinema. No documentário, ele não só cria um retrato único e pessoal de um dos maiores nomes da arte brasileira, mas também se aproxima de sua própria história, já que era sobrinho do artista.

Construído como um mosaico cronológico, o filme é resultado de uma extensa pesquisa visual, onde o espectador mergulha no mundo de Oiticica. Da evolução e dos experimentos do artista nas ruas e favelas do Rio de Janeiro, passando por seu exílio em Londres e Nova York e voltando ao Brasil, o documentário acompanha e reflete sobre um dos períodos mais férteis e criativos de uma cultura genuinamente brasileira.

Gravações antigas são base narrativa 

A ideia do filme surgiu quando o diretor descobriu filmes inéditos e históricos sobre o seu tio, mas também como mais uma maneira de manter vivo o legado de Hélio Oiticica. "Acredito que no Brasil é uma espécie de urgência preservar a memória, já que o governo e as instituições se omitem, isso quando não destroem obras e documentos da maior importância, a memória de um povo," disse o diretor, em entrevista à DW Brasil.

A base da narrativa do filme são as fitas gravadas pelo próprio Oiticica chamavas de Heliotapes, que armazenavam horas e horas de depoimentos e diálogos. "Com a descoberta de novos arquivos de entrevistas para jornais, eu tive certeza que era possível alcançar o que eu queria, mesmo com certa precariedade de som."

As Heliotapes já haviam sido apresentadas ao público em uma exposição chamada Além do Espaço, na qual o diretor fez a curadoria. "Sozinhas, elas não fariam o filme que fizemos. Naquela exposição, as pessoas podiam apenas ouvi-las em fones de ouvido."

Berlinale 2013 Hélio Oiticica
Cena de "Hélio Oiticica": documentário é baseado em cuidadoso trabalho de pesquisaFoto: Berlinale 2013

Um ano depois, ele se deparou com os filmes super-8 apresentados na exposição Quasi Cinema. "Esse material havia sido tratado como filmes caseiros pela curadoria. Fiquei impressionado com o descaso em relação a eles, já que Hélio se refere ao Quasi Cinema como um conceito de fazer cinema com toda a precariedade do formato super-8, mas ao mesmo tempo com uma ideia que permeia toda sua produção experimental desde os anos 60, ou seja, uma forma do encontro da arte com a vida," explicou o diretor.   

Cápsulas do tempo

Desvendando pequenas cápsulas do tempo, o artista construiu um filme que fala por si só, ao mostrar o artista pelos seus próprios olhos e palavras. "O distanciamento temporal me deu muita clareza. Para um filme é como conseguir colocar o público no olho do artista."

Se a alma do filme é o olhar e a narrativa de Hélio Oiticica, seu corpo é formado com um impressionante pesquisa. "Foi uma grande aventura. A parte mais emocionante que vivemos. Foi uma grande alegria." O trabalho do pesquisador de imagens Antônio Venâncio foi imprescindível para a realização do documentário.

Outro fator importante da pesquisa, segundo o diretor, foi trazer de volta aos olhos do público filmes como Mangue Bangue de Neville d'Almeida, Lágrima Pantera de Júlio Bressane e Guerra e Paz ou Apocalipopótese de Raymundo Amado, assim como entrevistas inéditas do próprio Oiticica e de Glauber Rocha. "Só por isso, o filme já teria cumprido o papel de recuperar um dos melhores períodos de produção cultural no Brasil," completou Oiticica Filho.

Já a sigla H.O. (de Hélio Oiticica), vista no começo do filme, foi tirada do filme A Greve, de Serguei Eisenstein. "Além de ele ser a grande referência cinematográfica, o filme foi feito em 1936, ano em que Hélio estava sendo gestado, mas retrata a Revolução Russa que aconteceu em 1917, mesmo ano da greve geral anarquista no Brasil em que seu avô foi um dos artífices, me deparei na abertura do filme com um H.O. Essa imagem entrou ali e virou a abertura do documentário," explica o diretor.

Compromisso com a liberdade

A parte sensorial do trabalho de Oiticica foi, segundo o diretor, "pedida pelo próprio filme." Como se as ideias e reflexões expostas pelo artista fossem levadas em consideração na elaboração do filme, motivando a equipe a tomar caminhos diferentes de um documentário padrão.

Berlinale 2013 Hélio Oiticica
Filme faz espectador mergulhar no mundo do artistaFoto: Berlinale 2013

Oiticica Filho também usou seu trabalho de artista plástico e fotógrafo para moldar sua estreia no cinema. "Aprendi com meu pai que artista não pode ter medo e que seu único compromisso é com a liberdade. No Brasil, o cinema tem sido prejudicado pela interferência de órgãos estatais, que muitas vezes não sabem do que falam," completou   

O filme conta com uma trilha sonora original composta e executada por Daniel Ayres e Bruno Buarque, a qual funciona como um complemento sensorial à edição de som. Essas camadas trazem uma unidade para um filme construído em cima de fragmentos distintos. O documentário também conta com músicas que foram a trilha sonora da vida de Hélio.

A arte e as cidades

O Rio de Janeiro desempenha um papel importante na formação e na consolidação de Hélio Oiticica. "O filme tinha um subtítulo que era Delirium Ambulatório, que era a prática dele de andar pela cidade e, nesse grande labirinto, ter vislumbres de vida que viravam posteriormente seus projetos e, depois, obra. Então, tudo sai do Rio de Janeiro."

Exilado, Oiticica passa um período em Londres e depois se estabelece em Nova York, cidade que foi um dos grandes motores de sua criação artística. Para o cineasta, o Rio de Janeiro fazia parte de um fascinante imaginário, já que ele é carioca, mas cresceu em Manaus.

Vir para a Berlinale com o filme é, para Oiticica Filho, como um sonho realizado. "Acredito que a cidade é hoje o que Nova York foi nos anos 1970, por isso mesmo, com todas as diferenças de linguagem e cultura, creio que ele será mais bem compreendido numa cidade como Berlim. Não quero ter expectativas, prefiro as surpresas", concluiu o diretor.

Autor: Marco Sanchez
Revisão: Marcio Damasceno