Filme tenta mudar forma como Ocidente vê o islã
2 de setembro de 2015"Quanto mais filmes forem feitos sobre a vida do profeta, melhor", afirma Majid Majidi, diretor do filme Muhammad: The Messenger of God (Maomé: o mensageiro de Deus, na tradução livre). A primeira parte de uma planejada trilogia, exibida desde o dia 27 de agosto em salas lotadas no Irã, remete ao período anterior ao nascimento do profeta e à sua infância – há mais de 1.400 anos.
O diretor iraniano, famoso pelo filme Filhos do Paraíso, indicado ao Oscar em 1999, diz que resolveu tomar as dores da religião e mostrar "uma imagem mais justa do islã", atualmente prejudicada pela ação de jihadistas. O longa de 171 minutos, que teve sua estreia no Irã e internacional na semana passada, custou 40 milhões de dólares e sete anos de trabalho duro.
"Decidi fazer este filme para lutar contra a nova onda de islamofobia no Ocidente. A interpretação ocidental do islã é cheia de violência e terrorismo", disse Majidi à revista iraniana conservadora Hezbollah Line.
Os idealizadores do filme deixaram claro que a intenção é mudar a narrativa global dominante sobre o profeta do islã, particularmente no Ocidente. A religião costuma ser associada a grupos terroristas como a Al Qaeda, o "Estado Islâmico" (EI) e o Talibã e a ideias de intolerância e extremismo.
A lembrança do ataque jihadista ao semanário satírico francês Charlie Hebdo, que matou 12 pessoas, incluindo editores da publicação, ainda está bastante presente no Ocidente. O fato de o Charlie Hebdo ter sido alvo de extremistas por publicar charges "desrespeitosas" sobre o profeta Maomé levou muitas pessoas a defenderem que os muçulmanos não acreditam num discurso racional.
Através da arte, Majidi quer convencer não muçulmanos de que o islã é uma religião de paz. O diretor pretende ressaltar que o massacre na redação do Charlie Hebdo, a queima de efígies e o vandalismo em propriedades públicas em reação ao filmes anti-islâmicos, como A Inocência dos Muçulmanos, somente reforçam uma impressão de que os adeptos da religião acreditam em violência.
Sensibilidade
Comentários negativos e sátiras do islã ou de Maomé irritam os muçulmanos pelo mundo. Qualquer representação pictórica do profeta é considerada não islâmica e uma blasfêmia, principalmente pela maioria sunita.
Em 1989, o ex-então líder supremo do Irã, o aiatolá Khomeini, emitiu uma fatwa – decreto emitido por autoridade religiosa muçulmana – incitando a morte do escritor britânico Salman Rushdie, por escrever o controverso romance Os versos satânicos. Para muitos muçulmanos, o livro denigre o profeta Maomé.
Em 1993, o autor Taslima Nasreen, de Bangladesh, escreveu o romance Lajja, que provocou a ira dos muçulmanos da região, sendo considerado ofensivo. A autora teve de se esconder na Índia por causa de ameaças de morte de grupos muçulmanos do seu país.
Muçulmanos também protestaram em 2005, quando o jornal dinamarquês Jyllands-Posten publicou charges satíricas de autoria do artista dinamarquês Kurt Westergaard, retratando o profeta do islã.
Esforço corajoso
Independente de como o Ocidente vai receber o filme e se ele vai mudar as percepções sobre o islã, o esforço de Majidi é corajoso – mesmo se considerando que o Irã xiita é mais tolerante com representações.
Por esse motivo, o filme também trata do conflito interno do islã sobre razão e racionalidade. Muitos acadêmicos defendem a proibição do filme.
"Já há um consenso sobre essa questão. A sharia proíbe a personificação do profeta", diz Abdel Fattah Alawari, reitor da faculdade de teologia islâmica da Universidade de Al-Azhar, no Egito. "Isso não é admissível no islã [porque um ator] tem papéis contraditórios e conflitantes – às vezes nós o vemos como um cego bêbado, outras vezes como um mulherengo. E então ele incorpora um profeta. Isso não é admissível."
O crítico iraniano Masoud Ferasati também avaliou negativamente o filme. "É ambíguo e inquietante", define ele, acrescentando que hábitos, artistas e cenários não combinam com a época representada no longa.
Mas o pesquisador de história religiosa Dwayne Ryan Menezes, da Universidade de Cambridge, tem uma abordagem diferente sobre a repercussão desse tipo de filme.
"A abordagem que os religiosos escolheram para lidar com esses tipos de filme é mais relacionada com a força e maturidade de seus credos do que com a 'agressão retributiva'. Uma abordagem muito melhor seria tratar isso com indulgência e divulgar bastante o trabalho que promove o caminho correto de suas religiões, servindo e ajudando a causa da harmonia interreligiosa", diz Menezes.
No entanto, o poeta e pesquisador Iftikhar Arif acredita que a maioria dos religiosos – sejam muçulmanos, cristãos ou de qualquer outra religião – são sensíveis quanto a sua fé. "A reação não é exclusiva dos muçulmanos. Quando Martin Scorsese fez A última tentação de Cristo, muitos grupos de cristãos extremistas protestaram ", lembra Arif .
À frente no debate
Aparentemente os iranianos tomaram à frente na ideia de promover uma "imagem mais leve" do islã para o mundo. A mensagem, filme de 1976 dirigido pelo sírio-americano Mustafá Akkad, foi um grande sucesso entre os iranianos xiitas. Segundo a mídia iraniana, o filme de Majidi também tem excelente desempenhos de bilheteria e vendeu todos os ingressos antes do lançamento.
"Eu acho que esse filme pode ser um ponto de partida para aquelas pessoas que não conhecem pesquisarem mais sobre o islã", diz Abolfazl Fatehi, de 21 anos, que viu o filme em Teerã.
O funcionário de um cinema, Mehdi Azar, de 25 anos, diz que o filme é longo e parece meio desinteressante no início, mas é atraente o suficiente para chamar o público. "É visualmente muito atraente", afirma.
Apesar dos elogios ao filme, a questão permanece sendo se ele pode desafiar a percepção e o discurso dominante sobre o profeta e sua religião. Enquanto a mídia continuar inundada de matérias sobre decapitações e ataques suicidas de jihadistas tanto em países muçulmanos como ocidentais, um ou dois filmes não devem ser capazes de mudar a opinião sobre o islã.