Filme usa ringue como metáfora para a vida
17 de março de 2005Menina de Ouro, o grande vencedor do Oscar, que estreou nos EUA ainda em dezembro e está em cartaz no Brasil desde fevereiro, chega com atraso à Alemanha (a estréia oficial está marcada para 24/03). Somente agora – até a próxima semana em sessões especiais – o público do país poderá comparar o filme com os outros indicados já em cartaz – Sideways, Em Busca da Terra do Nunca, O Aviador e Ray – e conferir o quanto a escolha da Academia de Artes e Ciências de Hollywood foi justa.
Clint Eastwood completa 75 anos em 2005, mas ainda demostra muito mais arrojo e visão do que qualquer executivo de estúdio em Hollywood. Logo depois do pesado, difícil e (quase) brilhante Sobre Meninos e Lobos, ele decidiu que adaptaria um conto escrito por F.X. Toole, um ex-proprietário de academia de boxe, e o transformaria em Menina de Ouro.
Garçonete caipira e treinador sofridoO conto em questão narra o relacionamento de uma garçonete aspirante a boxer, Maggie Fitzgerald, de 30 anos, nascida em uma família pobre, ignorante e desestruturada, com o treinador veterano Frank Dunn. O relacionamento entre a garçonete caipira e o sofrido treinador é observado (e narrado) por Scrap, um ex-lutador cego de um olho, que, no fim da vida, tornou-se faxineiro de academia.
Simples assim: três personagens e um brilhante roteiro escrito por Paul Haggis, que muda completamente de tom no terço final (o que acontece, porém, tem de ser mantido em segredo, para não estragar a surpresa). Eastwood, trabalhando com a fotografia em tons escuros de Tom Stern (colaborador do diretor em Sobre Meninos e Lobos e Dívida de Sangue) e uma trilha sonora de influência jazzística que ele mesmo compôs.
A saga de Maggie Fitzgerald, a garçonete white trash que encontra no boxe a saída para uma vida de fracassos e falta de perspectivas, fica, à medida que Menina de Ouro se desenvolve, cada vez mais difícil, dura e pesada – até o final, em que a garganta seca e as lágrimas escorrem pelo rosto.
Um artigo do The New York Times classificou Menina de Ouro como "uma produção de 1934 que ficou perdida por 70 anos nos galpões da Warner". Num mundo dominado por efeitos especiais – O Aviador, mediano filme de Martin Scorcese que custou 110 milhões de dólares e recebeu 11 indicações ao Oscar, está repleto deles –, Clint Eastwood escolheu o caminho do minimalismo.
Para o papel principal, ele escalou Hilary Swank, uma vencedora do Oscar – por Meninos não Choram, no qual interpretava uma mulher que se fazia passar por homem, com trágicos resultados. Menina... deu à atriz seu segundo prêmio da Academia em cinco anos. Nada mau para quem começou a carreira como substituta de Ralph Macchio em Karatê Kid 4 e foi despedida do seriado Barrados no Baile, no qual tinha um papel de coadjuvante.
Lendas que dispensam apresentações
Ao lado de Hilary, Morgan Freeman trouxe sua aura de autoridade para o narrador Scrap – e finalmente recebeu o Oscar de melhor ator coadjuvante, um prêmio que merecia há muito tempo. Freeman, depois de atuar no teatro, foi elevado à fama em Conduzindo Miss Daisy, Os Imperdoáveis (Unforgiven, também dirigido por Clint Eastwood) e Um Sonho de Liberdade. É pouco provável que sua carreira seja muito modificada pelo prêmio – ele trabalha constantemente, em projetos de prestígio –, o que não faz a escolha da Academia menos justa.
É o que nos leva a Clint. Estrela, mito, lenda. Todos esses adjetivos são pequenos para definir o ator, diretor, produtor e músico. Ele, que imortalizou o frio detetive Dirty Harry – aquele que olhava para a sua Magnum 44 e dizia 'make my day' –, vem cada vez mais se dedicando a projetos que falam direto ao coração. Coisas da maturidade.