Fotos de satélite revelam megaestruturas da Idade do Bronze
27 de novembro de 2023Há muito se sabe que existiam extensas redes comerciais entre os povos da Eurásia durante a Idade do Bronze, há mais de 3 mil anos. No entanto, apesar deste intercâmbio ativo, a planície da Panônia, região que hoje inclui partes da Romênia, da Hungria e da Sérvia, era considerada um território relativamente isolado.
Segundo a revista Science, esta percepção persistiu mesmo depois de, há duas décadas, terem sido descobertos imponentes recintos da Idade do Bronze na região, guardados por extensos muros e valas com vários quilômetros de extensão. "Eles eram considerados unicórnios na paisagem", disse à Science Barry Molloy, arqueólogo da University College Dublin.
Agora, no entanto, arqueólogos da University College, de Dublin, juntamente com colegas da Sérvia e da Eslovênia, descobriram nas planícies sérvias uma rede de mais de 100 locais da Idade do Bronze que estavam ocultos, usando imagens de satélite e fotografias aéreas.
Sociedade complexa
Esta descoberta sugere que estas estruturas faziam parte de uma sociedade complexa, com uma extensa rede de comunidades, que fazia parte de um próspero comércio em escala continental há cerca de 3.600 anos. Além disso, acredita-se que estes assentamentos recentemente identificados possam lançar luz sobre a origem das megafortalezas daquela mesma época, as maiores construções pré-históricas anteriores à Idade do Ferro.
"Alguns dos maiores sítios arqueológicos, que chamamos de megafortalezas, são conhecidos há anos, como Gradište Iđoš, Csanádpalota, Sântana ou o incrível Corneşti Iarcuri, cercado por 33 quilômetros de fossos e que supera em tamanho as cidadelas e fortificações contemporâneas dos hititas, micênicos ou egípcios", afirmou, em comunicado, Molloy, principal autor do estudo publicado na revista Plos One.
"O que é novo, no entanto, é a descoberta de que estes enormes sítios não estavam isolados, mas faziam parte de uma densa rede de comunidades estreitamente relacionadas e dependentes entre si. No seu auge, esta rede de localidades da Baixa Panônia devia ter dezenas de milhares de habitantes", acrescentou o especialista.
O estudo detalha como os arqueólogos identificaram pela primeira vez estes recintos em 2015, examinando imagens do Google Earth. O texto destaca a singularidade de se conseguir obter, dessa forma, um nível de detalhe tão abrangente sobre a distribuição e organização destes assentamentos numa área específica.
Centros de inovação da pré-história
Esses sítios arqueológicos, denominados coletivamente de Grupo de Sítios de Tisza (TSG, na sigla em inglês), estão localizados a menos de cinco quilômetros uns dos outros e se estendem ao longo do corredor fluvial criado pelos rios Tisza e o Danúbio. A proximidade sugere que estas comunidades eram provavelmente cooperativas, permitindo-lhes expandir-se eficazmente.
Curiosamente, a investigação revela também que o TSG era um centro de inovação na Europa pré-histórica e desempenhava um papel crucial entre 1500 e 1200 a.C., período que coincide com o apogeu dos micênicos, hititas e egípcios do Império Novo, o que também fornece novos dados sobre as conexões europeias no segundo milênio a.C., um importante ponto de inflexão pré-histórico.
O estudo sugere, portanto, que as avançadas tecnologias militares e de movimentação de terras desta sociedade se espalharam por toda a Europa após o seu colapso em 1200 a.C., o que ajuda a explicar as semelhanças na cultura material e na iconografia em toda a Europa no final do segundo milênio a.C.
Especificamente, segundo a Science, a descoberta de carros de argila e armamentos em cemitérios próximos indica que os habitantes destes recintos estavam "familiarizados com a guerra", não uns com os outros, mas com o mundo exterior.
"A nossa compreensão do funcionamento da sua sociedade põe em questionamento muitos aspectos da pré-história europeia. Seria altamente improvável que cada um destes mais de 100 locais tivessem lideranças individuais concorrentes", disse Molloy.
Arqueologia com tecnologia de ponta
Para detectar estes achados arqueológicos, a equipe utilizou uma vasta gama de tecnologias de imagem de última geração, com o objetivo de cartografar a paisagem antiga.
"Empregamos uma série de tecnologias de ponta e, neste trabalho, dependemos fortemente de imagens do espaço para descobrir uma rede até então desconhecida de sítios massivos no coração da Europa continental: a bacia dos Cárpatos", disse Molloy.
Ainda assim, além de analisar imagens de satélite, os investigadores exploraram o local tanto de avião quanto pessoalmente, descobrindo inúmeras estruturas e artefatos "ocultos a olho nu", conforme informa a Science. A datação por radiocarbono de ossos de animais espalhados confirmou a antiguidade do assentamento, segundo Molloy.
"Teria sido ocupado entre 1600 e 1200 a.C.", explicou o professor. "Em algumas ocasiões, encontramos pedaços de barro queimado, indicando que as estruturas tinham sofrido danos pelo fogo. O barro era aplicado nas paredes feitas de paus finos para construir estruturas como casas no passado", detalhou.
Abandono do assentamento
No entanto, algo deu errado por volta de 1200 a.C. Os recintos foram abandonados, e as evidências indicam que alguns foram desmantelados intencionalmente, com valas preenchidas e paredes derrubadas. A causa exata do abandono não é clara, mas evoca colapsos semelhantes em sociedades desde o Egito até o norte da Alemanha na mesma época.
"Isso permanece um mistério por enquanto", disse Molloy. "É possível que eles simplesmente tenham se tornado mais móveis e se movimentassem pela paisagem de uma forma menos restrita".
"É fascinante descobrir estes novos sistemas de governo e ver como se relacionavam com sociedades influentes já conhecidas. Mas ao mesmo tempo é preocupante ver como acabaram por sofrer um destino semelhante na onda de crises que atingiu esta região mais ampla", concluiu.