França terá segundo turno entre Macron e Le Pen
23 de abril de 2017O centrista Emmanuel Macron e a populista de direita Marine Le Pen vão se enfrentar no segundo turno das eleições presidenciais francesas, num resultado que muda o cenário político do país e coloca frente a frente duas visões opostas sobre o futuro da França e seu papel na União Europeia.
Segundo a apuração final dos votos, Macron recebeu 23,86% dos votos, e Le Pen, 21,43%. O ex-premiê François Fillon, que assumiu a derrota, e Jean-Luc Melenchon, da esquerda radical, ficaram, respectivamente, com 19,94% e 19,62%.
A escolha dos franceses de levar Macron e Le Pen ao segundo turno representa uma guinada no cenário político francês: é a primeira vez na Quinta República que o segundo turno não contará com nenhuma das correntes políticas que governaram a França desde 1958: socialistas e republicanos.
"Hoje é virada claramente uma página na vida política francesa", afirmou Macron, de apenas 39 anos, que nunca exerceu cargo eletivo e fundou seu movimento político, "Em Marcha", há menos de um ano. Segundo ele, os franceses exprimiram nas urnas o seu "desejo de renovação".
"O resultado é histórico, o primeiro passo foi dado", disse, por sua vez, Le Pen em discurso aos seguidores. "O mais importante em disputa nesta eleição é a desenfreada globalização que coloca em perigo nossa civilização", completou. "É o momento de libertar o povo francês."
A participação eleitoral foi estimada em 80%, similar à de cinco anos atrás. Segundo pesquisas dos institutos Ipsos Sopra Steria e Harris Interactive, Macron vencerá o segundo turno com facilidade: com entre 62% e 64% dos votos, contra 36-38% de Le Pen.
Após o fechamento das urnas, figuras proeminentes da direita, como os ex-premiês Fillon, Alain Juppé e Jean-Pierre Raffarin pediram votos para Macron. O mesmo fizeram o presidente François Hollande, do Partido Socialista, e seu candidato Benoit Hamon.
O fato de as eleições irem para o segundo turno não é novidade na França: as presidenciais raramente são decididas no primeiro turno – desde o início da Quinta República, em 1958, apenas o general Charles de Gaulle conseguiu o feito.
Eleições em tempos de desconfiança
A eleição presidencial francesa é observada como crucial para o futuro da Europa, e é um termômetro da insatisfação dos eleitores com o establishment político. O pleito ocorre num momento de desconfiança em relação ao futuro da UE pós-Brexit, onda populista e temor de novos atentados terroristas.
Mais de 50 mil policiais, apoiados por unidades de elite dos serviços de segurança franceses, patrulharam as ruas nos últimos três. A segurança, que já era intensa, teve de ser reforçada após um atirador matar um policial e ferir outros dois na Champs-Élysées, avenida no coração de Paris.
A jornada eleitoral foi livre de incidentes. O único momento de tensão foi logo no início domingo, quando uma seção de votação em Besancon, no leste da França, foi interditada depois que um veículo roubado foi abandonado com o motor ligado no local.
Após o fechamento das urnas, houve protestos de grupos anarquistas e autointitulados antifascistas na Praça da Bastilha. Os manifestantes, que demonstravam indignação com a chegada de Le Pen ao segundo turno, entraram em confronto com a polícia.
Mas, apesar da ameaça terrorista, como mostrou uma série de pesquisas antes da votação deste domingo, a maior preocupação dos eleitores é com o declínio social na França. E Le Pen e Macron têm visões radicalmente diferentes para um país cuja economia está pior do que a de seus vizinhos e onde um quarto dos jovens está desempregado.
Macron defende medidas de desregulamentação gradual da economia francesa, que seriam bem recebidas pelos mercados financeiros globais, enquanto Le Pen defende abandonar o euro e possivelmente sair da União Europeia.
Macron: um europeu convicto
Macron é considerado um europeu convicto. Ele não poupa críticas, por exemplo, ao presidente dos EUA, Donald Trump, como quando disse que a política americana anti-imigrantes e de meio ambiente é um erro. Ele quer cortar 60 milhões de euros de gastos públicos e eliminar 120 mil postos de trabalho nesta área, caso ganhe a eleição. No entanto, planeja investir 50 bilhões de euros em programas de financiamento, como para projetos ambientais, por exemplo.
Entre outras coisas, o candidato independente promete flexibilizar a semana de 35 horas. Além disso, quer que o seguro desemprego seja disponibilizado para outros grupos profissionais, ao mesmo tempo em que propõe uma maior pressão sobre os desempregados, para que eles aceitem os empregos encaminhados pelas agências de trabalho. A taxação das empresas deve ser reduzida dos atuais 33,3% para 25%. A polícia e o Exército devem ser reforçados.
O ex-banqueiro e ministro da Economia é um humanista. Certa vez, ele cunhou a frase "refugiados são pessoas resistentes e inovadoras". Ele elogiou com firmeza a política migratória de Angela Merkel, afirmando que ela "salvou a honra da Europa".
No meio político francês, marcado por personalidades relativamente desinteressantes, o jovem político em ascensão é uma espécie de figura exótica. Ele é casado com uma ex-professora, que é 24 anos mais velha e já é avó. Ela ás vezes ajuda Macron a escrever seus discursos. Ele está bem posicionado em uma campanha eleitoral marcada por escândalos.
A vez de Le Pen?
Ao longo da campanha, Marine Le Pen permaneceu sólida, sempre com mais de 20% das intenções de voto. Em muitas análises, a eleição francesa é encarada como um teste para a força da FN, que há décadas assombra o cenário político francês. Depois da vitória de Donald Trump nos EUA e da aprovação do Brexit, partidos populistas de direita europeus, entre eles a FN, passaram a encarar que chegou o seu momento.
Até o segundo turno, Le Pen tentará afastar a repetição do massacre que ocorreu com seu pai em 2002, quando Jacques Chirac venceu com mais de 80% dos votos. Segundo pesquisas de antes do primeiro turno, Marine perderia a votação final.
A FN, que costuma ir bem em pesquisas, mas nunca consegue converter isso em poder, passou por um processo de "normalização" nos últimos anos. Com um discurso mais amplo, distante da pregação abertamente racista de seu pai, Marine Le Pen passou a cortejar a classe trabalhadora que se sentiu abandonada pelos partidos tradicionais.
O discurso xenófobo ainda está presente, mas é mais pontuado por uma defesa do Estado laico francês e contra o terrorismo. Por outro lado, a candidata também redobrou sua hostilidade à UE, defendendo a realização de um "Frexit", uma consulta popular sobre a permanência da França no bloco.