Logo depois do jogo entre Itália e Alemanha sábado último (04/06), Hansi Flick deixou escapar uma frase durante a coletiva de imprensa que diz muito sobre a apresentação de seus comandados: "Os italianos pareciam bem mais entrosados do que nós".
É uma afirmação surpreendente porque enquanto Roberto Mancini colocou em campo um time com seis estreantes, alguns dos quais até os próprios torcedores da "squadra azzurra" provavelmente mal conheciam, Flick confiou no bloco bávaro composto por sete jogadores na esperança de que, com os decacampeões da Bundesliga em campo, a seleção fosse emular a alta qualidade do futebol praticado normalmente pelo Bayern de Munique.
Para visível desencanto do técnico alemão durante e depois do jogo, não foi bem isso que aconteceu, muito pelo contrário. "Cometemos erros demais, não achamos nosso ritmo, faltou intensidade, faltou muita coisa", comentou Flick e reforçou seu descontentamento com uma inédita expressão facial carrancuda.
Exceto nos primeiros e nos últimos 15 minutos da partida, a Mannschaft não conseguiu impor seu jogo a uma jovem e inexperiente seleção italiana que compensou sua falta de rodagem internacional atuando com ousadia e intensidade que até mesmo surpreendeu Mancini: "Tiro meu chapéu para a coragem com a qual minha rapaziada enfrentou a Alemanha".
Mau jogo, apesar dos bons treinos
Ao contrário do seu colega italiano, Flick reuniu um elenco experiente com muitos jogadores que ele já conhecia dos seus tempos de técnico do Bayern. Além disso, teve tempo suficiente para treinar e entrosar as peças do time cuja formação tática já estava pronta na sua cabeça. Foram 11 dias de preparativos, tempo que ele não terá mais antes da Copa do Catar.
No fim das contas, Flick foi obrigado a constatar que "apesar de termos feito bons treinos, não conseguimos implementar tudo aquilo que preconizamos durante nossos preparativos".
Essa falta de implementação foi visível a olho nu em praticamente todos os setores do time na partida contra a Itália, a começar pelas laterais. Tanto Henrichs pelo lado direito, como Kehrer pelo lado esquerdo, forneceram claras provas de suas limitações e não têm lugar como titulares nesta seleção. O zagueiro Süle mais uma vez evidenciou um dos seus pontos fracos – seu já crônico mau posicionamento especialmente quando o time sofre ataques pelos flancos.
Inicialmente Flick apostou todas as suas fichas no meio campo titular (defensivo e ofensivo) do Bayern. Afinal, ele venceu a Champions League há dois anos exatamente com essa formação. Pelo menos no papel, tinha tudo para dar certo. O que se viu na prática, porém, foram passes a esmo em espaços vazios onde não havia ninguém, automatismos que não funcionavam e finalizações sem direção. O rendimento melhorou um pouco com as entradas a partir do último terço do jogo de Musiala, Havertz e Gündogan substituindo respectivamente Sané, Müller e Goretzka.
Decepção estampada no rosto
A rigor, o único meio-campista que se salvou foi Joshua Kimmich não apenas pelo gol de empate, mas também por tomar iniciativas na tentativa de organizar e construir o jogo da Alemanha – foram ao todo invejáveis 107 contatos com a bola, prova inconteste do seu protagonismo.
No ataque, Timo Werner – exceto a assistência involuntária para o gol de Kimmich − passou a maior parte do jogo se esforçando, mas sem resultado prático, e Sané mais uma vez comprovou a sua má fase que já vem de longa data: desde março não marca um gol sequer nem dá uma única assistência.
A decepção de Hansi Flick com o desempenho dos seus comandados ficou estampada no seu rosto e não apenas isso. Deixou claro o seu desapontamento e fez críticas pontuais na coletiva de imprensa logo depois da partida.
Desde que assumiu o comando técnico da Mannschaft, Flick acumula oito vitórias e dois empates. Ainda não perdeu, mas em compensação ainda não venceu nenhuma seleção da primeira prateleira do futebol mundial. Terá a chance nesta terça-feira, quando enfrentará a Inglaterra em Munique.
É a chance também de a seleção alemã mostrar um conjunto à altura dos seus valores individuais e que está no bom caminho rumo à Copa do Catar. É o que o torcedor espera ver – mais luzes e menos sombras.
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Gerd Wenzel começou no jornalismo esportivo em 1991 na TV Cultura de São Paulo, quando pela primeira vez foi exibida a Bundesliga no Brasil. Atuou nos canais ESPN como especialista em futebol alemão de 2002 a 2020, quando passou a comentar os jogos da Bundesliga para a OneFootball de Berlim. Semanalmente, às quintas, produz o Podcast "Bundesliga no Ar". A coluna Halbzeit é publicada às terças-feiras.
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