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FSM

28 de janeiro de 2010

A posição mais crítica da humanidade em relação a guerras, ao sistema político e ao aquecimento global teve forte influência dos dez anos de Fórum Social Mundial, afirmam Leonardo Boff, Raffaella Bolini e Walden Bello.

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Para o teólogo Leonardo Boff, influência do FSM não pode mais ser ignoradaFoto: Leonardo Boff

"Nenhuma grande decisão no mundo, nem dos Estados Unidos, nem da ONU, nem do G20, é tomada hoje sem considerar o Fórum Social Mundial", afirma o teólogo Leonardo Boff, promotor da Teologia da Libertação. Para ele, a crise financeira de 2008 mostrou que outro mundo não só é possível como se tornou necessário, já que o projeto neoliberal e a globalização econômico-financeira teriam se mostrado caminhos equivocados para a humanidade.

Boff explica que, embora as conquistas do Fórum Social Mundial (FSM) sejam intangíveis – ao mostrar que não só os capitais e as comunicações são mundializados, mas que existe uma sociedade civil mundial –, os resultados atingidos nesses dez anos de história são bastante reais. "A troca de experiências entre os milhares de grupos mostram que se está construindo outro mundo, outra forma de produzir, de distribuir os produtos, uma agricultura alternativa, um poder em redes e mais democrático, diferentes maneiras de habitar e organizar esse mundo", diz.

Conexão entre redes sociais

Para Raffaella Bolini, coordenadora do Fórum Social Europeu, a principal conquista do FSM foi criar um meio para que os movimentos sociais se mantenham conectados. Ela citou o exemplo da manifestação contra a guerra do Iraque, em fevereiro de 2003, que mobilizou mais de um milhão de pessoas em todo o mundo. "Nunca antes tivemos a possibilidade de, em um mês, decidir que o 15 de fevereiro seria o dia comum para todos. É verdade que não tivemos força para parar a guerra, mas, depois de alguns anos, a liderança nos Estados Unidos mudou por causa da capacidade desse movimento antiguerra de mostrar para a população que o que eles nos disseram antes da guerra era mentira. Agora ninguém no mundo, nem nos governos, poderia repetir o que Bush disse antes de começar essa guerra", argumenta.

Walden Bello
Walden Bello defende que FSM se torne organização ativistaFoto: picture-alliance / dpa/dpaweb

O poder da sociedade civil, no entanto, não é exclusivamente do FSM. Segundo ela, se o movimento social for fraco, não há fórum que o possa tornar forte. "Mas o FSM pode nos dar conexão, novas ideias que possam ser úteis em outros lugares, e pode nos dar a energia. Ele ajuda a superar o isolamento das iniciativas."

A evolução no pensamento mundial nos últimos anos é evidente, e se deve em grande parte à influência do FSM, diz Walden Bello, membro do Parlamento filipino e diretor da organização Focus on the Global South.

"Se olharmos o mundo em 1995, a hegemonia das empresas neoliberais era realmente dominante, e se olharmos em 2010, o neoliberalismo está desacreditado, e a hegemonia das empresas está sob forte crítica em todas as partes do mundo", defende o economista e sociólogo ganhador do Prêmio Nobel alternativo em 2003 e reconhecido como uma das principais vozes contra a globalização neoliberal da atualidade.

Pontos fracos

Mas o FSM ainda tem um longo caminho até outro mundo possível, dizem os analistas. Segundo eles, o fórum ainda não conseguiu superar o caráter de tenda de discussão global para se afirmar como um movimento ativo em prol das mudanças. "A construção de propostas é algo que o FSM deveria levar muito a sério, porque isso não tem sido feito. A menos que se tenha uma alternativa, a tendência é de pessoas como tecnocratas e acadêmicos seguirem o discurso do neoliberalismo, da economia neoclássica, mesmo que esses conceitos estejam desacreditados", diz Bello.

Ele propõe que o fórum se torne uma organização ativista e presente no debate das questões globais. "O FSM deveria criar a si mesmo como um movimento, participando fortemente em assuntos como o aquecimento global, o combate à globalização e ao distúrbio da paz, como a intervenção norte-americana no Afeganistão, e em prol de uma melhor resolução sobre os direitos humanos, como os direitos dos palestinos, por exemplo. Não estamos falando em tomar posição em todos esses assuntos, mas selecionar alguns para que o FSM se defina como um movimento ativo", defende.

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Água é um bem vital, lembra Boff

Leonardo Boff vai além e propõe uma ação ghandiana contra empresas que tentam tornar a água uma commodity. "O FSM poderia, por exemplo, fazer um boicote mundial à Coca-Cola, porque a Coca-Cola está comprando água, um bem vital, em todos os lugares do mundo. Se o FSM decidisse: vamos boicotar, possivelmente a Coca-Cola teria grandes prejuízos financeiros, e poderia eventualmente mudar as suas estratégias. Essa ideia está amadurecendo", revela.

Boff quer um novo pacto social mundial

O teólogo também defende a criação de uma Declaração Universal do Bem Comum, nos moldes da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que assegurasse a proteção da natureza e impedisse que a água ou os alimentos fossem tratados como mercadoria. "São alguns pontos fundamentais que formariam um novo pacto social mundial. E o lugar onde isso está sendo discutido é o Fórum Social Mundial. Não é em Davos, nem no G20, nem na ONU."

Mas para isso o FSM precisa manter a coesão. Um dos riscos atuais, segundo os analistas, é de as organizações perderem a capacidade de diálogo, mesmo trabalhando lado a lado. "Depois de 10 anos, ninguém quer abandonar essa rede global de trabalho, todos estão dentro porque é útil. Organizações sociais participam, ONGs participam, mas ao mesmo tempo, por causa de diferentes agendas nacionais, não somos capazes de produzir convergências", alerta Raffaella Bolini.

O risco seria estar dentro da rede, mas percorrendo caminhos paralelos. Bolini diz que o tema central deste ano é entender como o fórum pode, de um lado, respeitar as diferenças e a autonomia das organizações, e, de outro, buscar consensos para ações concretas.

Autora: Francis França
Revisão: Roselaine Wandscheer