De cabeça erguida
23 de janeiro de 2008Nascido como Georg Kern, em 23 de janeiro de 1938 em Deutschbaselitz, no estado alemão da Saxônia, o pintor Georg Baselitz chega aos 70 anos com um estilo diferente do que o caracterizou desde o final dos anos de 1960, quando, para escapar do Conceitualismo, começou a pintar seus quadros de cabeça para baixo.
A marca registrada de Baselitz tornou-se também uma espécie de obsessão do mercado de arte, ao qual muitas vezes o pintor tentou agradar: "Qual o problema em ter sucesso?", afirma o artista. Conhecido como um provocador desde que foi expulso da Academia de Belas-Artes da antiga Berlim Oriental, Georg Baselitz se renova com uma nova provocação através do resgate pictórico de antigos quadros.
Uma retrospectiva na Real Academia das Artes de Londres, a primeira que dedica a um pintor alemão, e uma exposição com as mais recentes versões covers de obras do Realismo Socialista, na Deichtorhallen de Hamburgo, comemoram os 70 anos do célebre pintor, cujo ponto forte está em pintar, concomitantemente, o "sim e o não".
O mesmo passado
Ao emigrar para a antiga Berlim Ocidental, em 1958, Georg Kern passou a utilizar o pseudônimo Georg Baselitz, em alusão à sua cidade natal, na antiga Alemanha Oriental, da qual o pintor emigrara três anos antes da construção do Muro.
Baselitz divide assim com Sigmar Polke e Gerhard Richter o mesmo passado: a lembrança de uma infância numa guerra e de uma adolescência num regime, cujo estilo artístico era caracterizado pelo Realismo Socialista.
Real Academia das Artes
De setembro a dezembro do ano passado, a Real Academia das Artes de Londres realizou uma grande retrospectiva da obra de Baselitz com mais de 60 pinturas, além de esculturas, gravuras e desenhos. Esta foi a primeira retrospectiva que a tradicional galeria londrina dedicou a um pintor alemão.
Iniciando pelos trabalhos retratando partes do corpo ou corpos esfacelados, como a série Pés, do início dos anos de 1960, ou talvez a mais famosa obra do pintor, o quadro A Grande Noite Perdida, confiscada pelo governo alemão por considerá-la obscena, em 1963, a galeria londrina percorreu quase 50 anos da obra do artista.
Das astutas pinceladas que construíam e, ao mesmo tempo, destruíam os objetos retratados até os quadros feitos para a exposição Remix de Munique, em 2006, onde Baselitz repintou antigos quadros que fez há 40 anos, a galeria londrina mostrou que o desejo do artista de comunicar algo que está entre o "pensamento e o gesto" marcou todo o percurso de sua obra.
Arte do "sim e do não"
Tal atitude maneirista – e não foi à toa que Baselitz tanto se interessou pelo Maneirismo ao passar seis meses em Florença em 1965 – pode ter origem nos conflitos internos de seu passado.
Como afirmou o crítico Hanno Rauterberg, não somente a Alemanha da época estava dividida, mas também os seus artistas. Para escapar do fogo ideológico comunista, pintores como Baselitz, Polke e Richter deram as costas ao Leste, encontrando um Ocidente carregado de ideologia artística. Eles não quiseram pertencer a nenhum dos lados e escolheram o caminho do entremeio, da arte do "sim e do não", explica Rauterberg.
Foi assim que Baselitz, para escapar do Conceitualismo e do Minimalismo da década de 1970, começou a pintar, a partir de 1969, seus quadros de cabeça para baixo, explorando assim o lapso entre o ver e o pensar. No entanto, este feitiço virou contra o feiticeiro. Baselitz ganhou uma marca registrada que retirou de sua pintura a força que encontrava na contradição de pintar figuras, que, ao mesmo tempo, desintegrava.
Mediocridade exaustiva
A retomada de Baselitz como um pintor contemporâneo só aconteceu durante a década de 1980 através do Neo-expressionismo, um período também muito criticado da obra do artista por sua prolificidade: "... Quantas pinturas Georg Baselitz, aquela robusta fonte germânica de mediocridade exaustiva, pinta por ano?", perguntava o crítico Robert Hughes numa conferência sobre o tema arte e dinheiro, em 1984.
Segundo o interessante guia da Real Academia de Londres sobre o pintor, os trabalhos produzidos por Baselitz nesta época são marcantes por sua intensidade de cor e rapidez de execução, o que foi interpretado como uma exploração das condições do mercado.
É deste período também a incursão de Baselitz na escultura. A controvertida obra Modelo de uma Escultura também esteve presente na exposição londrina. Um torso quase deitado faz uma saudação que lembra, ao mesmo tempo, a de Hitler e a de um pedido de ajuda. O artista afirmou que era apenas uma cópia de uma escultura africana. Diferentemente do passado, a provocação de Baselitz passou despercebida pela imprensa londrina.
Os Quadros Russos
A exposição Die Russenbilder (Os Quadros Russos), aberta até fevereiro próximo na Deichtorhallen de Hamburgo, completa a homenagem aos 70 anos do pintor alemão ao mostrar suas mais recentes produções.
Em Remix, Baselitz resgatou quadros dos anos de 1960 e 1970, repintados desta vez com a leveza de uma aquarela contrastada com um fundo de pinceladas pretas. A retomada de motivos do Realismo Socialista dos anos de 1950 em Os Quadros Russos, no entanto, não conseguiu convencer a crítica.
Embora o artista o justifique através do seu passado na antiga Alemanha Oriental, seu atual trabalho se assemelha ao de jovens pintores alemães como Neo Rauch e Norbert Bisky. De qualquer forma, Baselitz chega ao século 21 de cabeça erguida, e muitos dos quadros expostos na Deichtorhallen de Hamburgo apresentam figuras apenas giradas em 90 graus.