Gerhard Schröder: a derrocada de um estadista alemão
11 de maio de 2022Em 7 de abril, Gerhard Schröder completou 78 anos, o que poderia ser ocasião para uma grande festa. De 1990 a 1998, ele foi governador do estado da Baixa Saxônia e, de outubro de 1998 a novembro de 2005, chanceler federal da Alemanha. Seu 70º aniversário foi marcado por uma recepção para 200 convidados na prefeitura de Hanover. Na época, ele ainda era cidadão honorário da capital estadual.
Hoje, Schröder não detém mais esse título, retirou-se do clube de futebol Hannover 96 (que queria expulsá-lo), e é questionável se desta vez se encontrariam suficientes convidados para organizar uma grande festa. Com sua empedernida recusa de renunciar aos altos postos no setor de energia russo e de se distanciar do presidente Vladimir Putin, ele se isolou.
Amigos e antigos companheiros políticos lhe voltaram as costas. Ele não está mais acessível para argumentações e ressalvas, revelam eles na mídia, à boca pequena. O veterano social-democrata também perdeu muito em simpatia entre o público, e não é bem-vindo por toda parte.
Quando, no começo de maio, ele passava as férias na ilha de Norderney, no Mar do Norte, com sua quinta esposa, So-yeon Schröder-Kim, o proprietário de três cervejarias locais deu ordens a seus funcionários para que não permitissem a entrada de Schröder.
"Uma decisão tão boa e consequente", comentou um usuário na página do estabelecimento no Facebook. "A sua cervejaria merecia uma medalha por essa ação corajosa e importante!", escreveu outro.
O bar da moda berlinense StäV tirou de seu cardápio o item "Altkanzlerfilet" (Filé do ex-chanceler), referente a uma currywurst (salsicha alemã com molho de curry) que Schröder gosta de comer. A foto do social-democrata também foi removida.
Abandonado por colaboradores
Há muito, a cena política de Berlim se distanciou do antigo chefe de governo. No Bundestag (Parlamento alemão), uma comissão orçamentária decidirá se é possível fazer cortes nos escritórios, carro oficial e pessoal a que um ex-chanceler federal tem direito, em caráter vitalício e financiado com impostos.
O ministro das Finanças, Christian Lindner, líder do Partido Liberal Democrático (FDP), reivindica até mesmo retirar esses privilégios inteiramente de Schröder. Uma consulta da ala esquerdista do Bundestag revelou que os custos de pessoal dele circulam em meio milhão de euros.
No entanto, ele sequer tem funcionários a seu serviço: em março, todos se demitiram, pedindo a transferência para outros cargos no Parlamento. Nem mesmo seu chefe de escritório e redator de discursos – que acompanhou o político durante 20 anos – quis continuar trabalhando para ele.
Além de pressionar pela retirada dos privilégios vitalícios, o secretário-geral do FDP, Bijan Djir-Sarai, e o eurodeputado verde Reinhard Bütikofer vão um passo mais longe, exigindo sanções. "Queremos, afinal de contas, atingir os grupos que são beneficiários do sistema Putin, então é consequente investigar quão essencial Schröder é para esse sistema", argumenta Djir-Sarai.
"Do lado errado da história"
O jornal The New York Times, ao qual Gerhard Schröder concedeu recentemente uma entrevista detalhada, calcula que ele ganhe cerca de 1 milhão de euros com seus postos no setor energético russo. Em 2005, pouco depois de deixar a Chancelaria Federal, entrou para a sociedade de gasodutos Nord Stream, cujo comitê de acionistas ainda preside, assim como o conselho de supervisão da estatal russa de energia Rosneft.
Agora, a bancada conservadora da União Democrata Cristã (CDU) e Social Cristã (CSU) no Bundestag propõe que se interdite a atuação de Schröder na indústria de energia da Rússia.
"É relativamente simples, basta pronunciar-se uma proibição de atividades nesse sentido", afirma o democrata-cristão Thomas Heilmann, baseado numa avaliação do próprio Parlamento. Qualquer quantia que o ex-chanceler ainda recebesse teria que ser integralmente transferida ao Estado alemão.
Por sua vez, o Partido Social-Democrata (SPD) tenta há meses convencer seu ex-líder a entregar os cargos de negócios, sem sucesso. O ponto de vista dele sempre foi que deve viver a própria vida como bem lhe agrade, e ninguém tem nada a ver com isso. O copresidente da sigla, Lars Klingbeil, vê a questão de maneira diferente.
"Com um agressor, com um belicista como Putin, não se faz negócio. Na qualidade de antigo chanceler federal, nunca se está agindo de modo totalmente privado, muito menos numa situação como a atual", pronunciou-se nas redes sociais, pouco após a invasão da Ucrânia pela Rússia.
Schröder não reagiu, e assim se mantém até hoje. No meio tempo, já foram apresentadas 14 moções para que seja expulso do SPD, mas o processo é complicado e pode se alongar. A copresidente do partido, Saskia Esken, preferiria que o político se afastasse da legenda voluntariamente, e Klingbeil concorda: "Eu teria desejado que Gerhard Schröder se colocasse do lado certo da história. Ele optou pelo lado errado."
Alteração de personalidade e excesso de álcool?
Em vez de reagir a esses apelos, na entrevista ao New York Times Schröder defendeu expressamente Putin das acusações de massacre de civis em Bucha, nos arredores de Kiev , dizendo não crer que as ordens tenham partido do presidente, mas sim "de postos inferiores". Ao que tudo indica, o ex-chanceler não estava ciente de que posteriormente Putin condecorou os soldados que atuaram no palco das mortes e torturas.
À rede jornalística Redaktionsnetzwerk Deutschland, o ex-secretário de Justiça da Baixa Saxônia Christian Pfeiffer, amigo de longa data do estadista social-democrata, disse ver em suas declarações sinais de uma alteração de personalidade preocupante.
"O homem que agora vemos não é mais o Gerhard Schröder que conhecemos da época como chanceler federal", diz Pfeiffer, para o qual o posicionamento do ex-chanceler em relação à guerra do chefe do Kremlin é marcado por uma solidariedade equivocada e debilidade.
No começo dos anos 90, na qualidade de governador de Schleswig-Holstein e presidente do SPD, Björn Engholm acompanhou a ascensão política do futuro chefe de governo. Ao podcast Digitaler Frühschoppen, observou: "Em sua vida, na verdade, Gerhard Schröder só conheceu uma pessoa, e ela se chamava Gerhard Schröder."
Como ele sempre apresentou "um alto grau de vaidade na representação pública", Engholm partiu do princípio de que o político tudo faria para preservar o próprio status e reputação, inclusive entregar seus postos na indústria de energia russa. "O fato de ele não fazer isso me surpreende profundamente", diz.
Na imprensa, começou-se também a especular sobre o consumo de álcool pelo ex-chanceler, depois de a repórter do New York Times registrar que, enquanto zombava de seus críticos na entrevista, ele consumia grande quantidade de vinho branco.
Em 2020, dois anos após se casar com o político, So-yeon Schröder-Kim contou num talk-show que, antes do matrimônio, seu marido lhe prometera que no futuro não tomaria mais de dois cálices de vinho por dia. Ele estaria cumprindo a promessa, "com poucas exceções", assegurou. Ela própria não se tornara uma apreciadora de vinhos através de Schröder: "Simplesmente bebo junto para o meu marido beber menos."