Gil defende "conceito Brasil" no exterior
8 de dezembro de 2005O artista Gilberto Gil compôs uma canção para o ministro Gilberto Gil representar o Brasil durante a Copa do Mundo? Que canção é essa?
Ela é baseada numa música que eu fiz para a Copa de 98 na França, chamava-se Balé da Bola. Agora reciclei, usei partes da melodia. Ela começa com os versos "nossa seleção chega a Berlim". A canção de 98 era um panorama mais geral sobre a história de criação do futebol ao longo de várias fases da história, entre os astecas, na Europa, na própria Alemanha.
Esta é sobre o espírito da seleção brasileira como representação nacional da diversidade, da complexidade da vida brasileira, de seus aspectos raciais, culturais, políticos, simbólicos. E foi feita para ser uma referência musical na Copa. Como é um samba e estou pensando em fazer um disco de samba no próximo ano, ela pode vir a ser incluída.
Minha primeira intenção foi a de promover essa canção na internet, mas provavelmente vou inclui-la num CD. E é claro que vou cantá-la quando estiver em turnê durante a Copa do Mundo. Como nos últimos anos, vou usar minhas férias no ministério para vir à Europa fazer shows. Não apenas na Alemanha, mas em vários países europeus.
Qual seria o balanço de seu trabalho como músico que assumiu um ministério?
Ser músico ajuda no sentido da própria sensibilidade para a arte, para a música, que é suave, sutil. Essa sutileza me ajuda tanto nas relações políticas – que são tensas, difíceis, até brutais – quanto na questão da extensão do olhar sobre panoramas amplos da vida cultural brasileira.
Abrangendo a transversalidade da cultura em outros setores, inclusive a importância da cultura brasileira nas trocas internacionais, do ponto de vista do conceito de Brasil, nação.
Como se pode definir esse "conceito Brasil" divulgado no exterior?
O ingrediente Brasil é aquilo que precisa estar associado a tudo o que for brasileiro, é aquilo que o Brasil leva para o mundo. Nesses vários sentidos, o fato de ser artista e ter exercido longamente a carreira de artista, tendo tido conhecimento sobre as implicações técnico-pragmáticas do exercício de uma atividade cultural, tudo isso acaba contribuindo para fazer da minha gestão uma gestão diferenciada.
Essa diferenciação é particularmente apreciada fora do Brasil. Europeus, norte-americanos, africanos vêem com muito interesse e muitos bons olhos essa associação entre uma atividade oficial, técnico-pragmática de gestão e uma atividade de sensibilidade, de dimensão simbólica como é a atividade artística.
Essa simbiose entre artista e gestor público é muito bem-vinda fora. O que não dá legitimidade automática ao trabalho que estou fazendo, não qualifica de imediato meu trabalho.
Clique ao lado para continuar lendo: o que deve sobrar da era Gil no Ministério da Cultura; futebol e dinheiro; arte e poder político.
O Brasil possui uma tradição de cortes na política cultural. Mudam-se os governos e até instituições sólidas são simplesmente dissolvidas. Como seria sua avaliação diante de uma eventual mudança de governo no futuro?
Tantamos implantar certos encaminhamentos irreversíveis. A adoção de políticas públicas de seleção de programas de projeto, com o uso do edital como ferramenta de transparência e democratização, é um exemplo. Isso é uma das coisas que gostaríamos de ver mantidas nas próximas gestões.
Outra coisa que tentamos consolidar é a presença internacional do Brasil nas pautas de discussão sobre a questão cultural. Recentemente fizemos um trabalho junto à Unesco e junto à comunidade cultural internacional, especialmente com relação à aprovação da Convenção pela Diversidade Cultural pela Unesco. Foi um trabalho no qual o Brasil teve reconhecidamente, por parte de muitos países, um trabalho de protagonismo forte.
Também o aspecto da participação nas discussões internacionais com relação à propriedade intelectual, sobre diversidade cultural, indústrias criativas. Estou chegando de Londres, onde participei de um seminário promovido pelo British Council sobre indústrias criativas. Temos em andamento a implantação de um centro internacional de indústrias criativas no Brasil, que é um setor emergente da vida cultural e da economia da cultura.
É consciência internacional que, para países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil e de vastas extensões da África e da América do Sul, é importantíssimo poder fomentar de forma mais racional e sistemática as atividades produtivas de cultura, especialmente no setor de cultura popular. Isso também é algo que eu gostaria de deixar como tendência continuada para quem venha a ser o próximo ministro da Cultura.
A questão também da representação sistemática da reivindicação de mais recursos financeiros e de qualificação de recursos humanos em todas as entidades culturais no Brasil: que todas as prefeituras tenham um fundo para a cultura, que tenham um conselho municipal de cultura. São implantações que estão sendo feitas e podem se tornar linhas importantes de trabalho para as instituições culturais brasileiras, se tornando irreversíveis nos próximos governos.
A Copa do Mundo é um evento que envolve verbas altíssimas. Corre-se o risco de que a cultura seja, neste contexto, simplesmente "o açúcar que confeita o bolo" do futebol?
Há sempre riscos, o que não impede olhar para o futebol como um fenômeno cultural. Pois ele é um fenômeno cultural, especialmente em países em desenvolvimento como o Brasil e outras regiões onde o futebol está absolutamente ligado ao espírito, ao imaginário do povo, da nação.
O dinheiro está em todo lugar, é o espírito do mundo e no futebol também: há muitos negócios, dinheiro e política envolvidos, mas há também espírito, uma dimensão religiosa, muito simbólica. E é uma obrigação de gestores culturais olhar para isso.
É possível responder à demanda da classe artística, quando se tem poder político nas mãos?
Temos no Brasil tentado fazer um trabalho importante para a música, artes cênicas e plásticas. Constituímos quatro câmaras setoriais, que são fóruns de discussão, acolhem representações amplas de toda a comunidade brasileira. Temos uma discutindo cinema, uma música, literatura, patrimônio material e imaterial, enfim, discutindo todas as expectativas em relação às políticas governamentais para os setores artísticos e culturais.
Ao lado disso, buscamos implementar mesmo essas políticas com transferências de recursos. Para a área de teatro, por exemplo, estamos transferindo principalmente para formas de teatro que desenvolvem novas linguagens, novos públicos de periferia, teatros de comunidades de áreas excluídas. Estamos fazendo um edital de 16 milhões [de reais], com vários projetos para essas áreas.
Os pontos de cultura estão trazendo também inclusão digital para mais de 250 comunidades brasileiras, entre quilombolas, comunidades indígenas, de periferia das grandes cidades, universidades, telecentros espalhados por vários lugares.
A capacidade do Estado, através do governo, de atuar no fomento, no desenvolvimento da vida artística no país é cada vez menor, porque o Estado, não só no Brasil, mas no mundo todo, vem encolhendo sistematicamente. A capacidade de ação do Estado é cada vez menor no mundo todo, mas ainda resta alguma coisa a fazer. Ainda há alguns recursos, que competem cada vez com menos condições com os recursos vindos do setor privado.
E também há coisas a fazer do ponto de vista da orientação, quer dizer, da adoção de paradigmas, de marcos regulatórios, de estímulo à transformação dos mecanismos legais, do fomento a novas legislações e do desenvolvimento das leis relativas à cultura. Nesse caso, o Estado ainda tem um papel relevante a realizar.