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Google conseguiria sobreviver sem o Chrome?

Nicolas Martin
21 de novembro de 2024

O Departamento de Justiça dos EUA está propondo que o Google venda seu navegador, a fim de romper seu monopólio do mercado de buscas online. Se isso ocorrer, o que representaria para a gigante da internet?

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Logos da empresa Google e do navegador Chrome
Autoridades dos EUA decidiram que Chrome concede à Google vantagens injustas no mercado de publicidade digitalFoto: Andre M. Chang/Zuma/IMAGO

Em agosto de 2024, a gigante da internet Alphabet Inc. perdeu o maior processo antitruste de sua existência, quando um tribunal dos Estados Unidos entendeu que sua subsidiária Google estava monopolizando ilegalmente o mercado de busca online.

Com base num slide divulgado durante a ação, ela foi acusada de ter pagado 26,3 bilhões de dólares (R$ 152,5 bilhões) em 2021, para se tornar o mecanismo de busca padrão nos telefones celulares e navegadores. A companhia anunciou que recorreria do veredicto, tachando-o de "excesso regulatório" que prejudicaria os consumidores.

Google completa 20 anos: fatos sobre a gigante da internet

Em consequência da sentença, Departamento de Justiça dos EUA (DoJ) está agora propondo à Justiça que a Alphabet seja obrigada a vender seu navegador, o Chrome. "O comportamento ilícito da Google privou as rivais, não só de canais de distribuição críticos, como também de parceiros de distribuição que, de outro modo, poderiam permitir o ingresso de concorrentes nesses mercados, de maneiras novas e inovadoras", consta da ata publicada nesta quarta-feira (20/11).

Em outubro, o DoJ já havia anunciando a intenção de impor "corretivos estruturais" para impedir a Google de usar parte de seus produtos. Além da proposta da venda do Chrome, o departamento também defende novas medidas relativas à inteligência artificial (IA) e ao sistema operacional para celulares Android.

Autoridades antitruste e alguns estados americanos aderiram ao assim chamado "processo da década", pois iniciou-se durante o mandato de Donald Trump (2017-2021) e continuou sob o presidente Joe Biden. Ele marca o mais significativo esforço governamental para conter o poderio de uma multinacional tecnológica, desde a tentativa frustrada do DoJ para desmembrar a Microsoft, cerca de 20 anos atrás.

O que o Chrome representa para a Google

Perder seu navegador seria um duro golpe para a Google: enquanto 90% das buscas online globais se realizam através de sua máquina, mais de 60% dos usuários recorrem ao Chrome para tal. Enquanto porta de entrada da Google para a internet, ele lhe permite promover seus próprios produtos e manter sua clientela, inclusive serviços como o Gmail para mensagens eletrônicas, e o Gemini para IA.

Mais importante ainda, o Chrome é uma parte crucial do negócio central da Google, de venda de publicidade na internet. As buscas através dele lhe permitem coletar um volume de dados – tais como procedimentos de busca e websites preferidos – bem maior do que as realizadas por outros navegadores. A multinacional usa essa quantidade de informações para posicionar seus anúncios mais eficazmente.

E publicidade é essencial para Google e sua matriz, a Alphabet: em 2023 esta faturou mais de 230 bilhões de dólares com essa atividade, de um ganho anual total de 307 bilhões de dólares.

Segundo Nils Seebach, um dos diretores da consultora digital Etribes, "se o Chrome cair, a Google vai vacilar bastante". Na atual configuração, ele é "parte integral do modelo de negócios da Google, mas provavelmente não sobreviveria sozinho". E vice-versa: a venda do navegador também representaria um sério desafio para a Alphabet, e "tal evento seria um grande abalo, até mesmo para o mercado digital".

Ulrich Müller, da entidade antimonopólio Rebalance Now avalia que uma eventual venda do navegador reduziria o faturamento da Google com publicidade, contendo sua dominância de mercado e forçando-a a competir mais através da qualidade de seus serviços.

Ele também vê potencial para modelos alternativos, como máquinas de busca por assinatura. No entanto, não se pode prever quanto os procedimentos legais vão durar, nem quando um desligamento acontecerá de fato, e "até lá, os navegadores e máquinas de busca, como os conhecemos hoje, talvez já estejam obsoletos".

Vitória das leis antitmonopólio americanas

A decisão contra a Google e as intenções do Departamento de Justiça se alinham com mais de um século de legislação antitruste nos EUA: já em 1911, ela possibilitou a ruptura do monopólio de petróleo pela companhia de John D. Rockefeller, a Standard Oil.

Müller lembra que o escrutínio regulatório de monopólios esteve muito intenso na década de 1960 e início da seguinte, mas decaiu nos anos 1980, quando a doutrina neoliberal da Chicago School of Economics abonava a concentração de mercado, caso as companhias monopolizadoras fossem eficientes, o que resultou em menos intervenções estruturais nos anos seguintes.

Uma exceção, contudo, foi o processo antitruste contra a gigante de telecomunicações AT&T, desmembrada em 1982. Cerca de duas décadas mais tarde, a Microsoft foi alvo das entidades reguladoras: seu navegador Internet Explorer era tão intimamente integrado no sistema operacional Windows, que expulsou do mercado o concorrente Netscape. No entanto a gigante tecnológica apelou e evitou a sentença de desmembramento ao possibilitar à concorrência o acesso a partes de seu sistema.