Governo brasileiro deve intervir se alta do dólar pressionar inflação
17 de maio de 2012O governo brasileiro afirma que a recente valorização do dólar perante o real é positiva e que não vai intervir para contê-la, mas economistas ouvidos pela DW Brasil acreditam que governo vai agir para conter o avanço do dólar se houver pressão sobre a inflação.
"O dólar é flutuante e vai flutuar de acordo com o mercado", declarou o ministro da Fazenda, Guido Mantega, nesta segunda-feira (14/05). Segundo ele, o governo brasileiro nunca estabeleceu nem pretende estabelecer um parâmetro de preço para a moeda norte-americana.
O dólar começou a semana em alta, ultrapassando nesta segunda-feira a barreira dos R$ 2 pela primeira vez desde julho de 2009.
Segundo o economista Carlos Pio, da Universidade Nacional da Austrália, o Brasil adota a postura de priorizar as exportações em detrimento das importações e atrair menos investimentos financeiros estrangeiros – dois pontos favorecidos pela desvalorização da moeda nacional. Por enquanto, o cenário não é preocupante, mas ele diz acreditar que, em dado momento, a pressão inflacionária deverá aumentar.
"As coisas vão ficar mais caras em real porque os importados vão ficar mais caros, incluindo as matérias-primas importadas", diz. Pio ressalva que o governo não tem a obrigação de intervir e que se trata de uma decisão política. "Ele vai intervir se achar que tem gente importante sendo prejudicada. Não interessa ao governo ser identificado como a causa desse prejuízo."
O economista Homero Guizzo, da LCA consultores, também considera que, por enquanto, a desvalorização da moeda não representa uma ameaça séria para a inflação, mas essa situação pode mudar caso o dólar continue ganhando força. "Se as pressões inflacionárias ganharem uma dimensão muito grande, o governo vai parar de intervir [para estimular a desvalorização] ou até mesmo vai intervir no sentido contrário do que tem feito até agora", avalia.
"Basta o governo ameaçar que vai vender dólares e já contribuirá para reverter a tendência atual na taxa de câmbio." Guizzo lembra que hoje o Brasil está comprando dólares e taxando o investimento em carteira para evitar a valorização do real.
Múltiplas causas
Uma combinação de fatores explica a recente valorização do dólar frente ao real. "Houve uma queda nas taxas de juros praticadas no país, uma elevação da percepção de risco no cenário internacional e uma queda do preço das commodities", salienta Guizzo.
Os dois primeiros fatores afastam investimentos estrangeiros, reduzindo a oferta de dólares no mercado brasileiro e elevando o valor da moeda. A queda no preço das commodities também faz com que menos dólares entrem no Brasil, já que o país recebe menos ao vendê-las.
Pio também aponta múltiplas causas para a desvalorização cambial. Em primeiro lugar, há grande instabilidade no cenário internacional, ligada principalmente às incertezas sobre o futuro da Grécia e do euro e ao ano eleitoral nos EUA. "Essa instabilidade dá muito espaço à especulação. O câmbio vai sair do lugar nas próximas semanas em todo o mundo", prevê.
Além disso, Pio também cita as mudanças regulatórias ocorridas no Brasil nos últimos meses, que aumentaram o protecionismo comercial e a tributação sobre transações financeiras.
Ganhadores e perdedores
O governo brasileiro vê a desvalorização cambial como positiva por aumentar a competitividade dos produtos nacionais. "Significa que a indústria brasileira pode competir melhor com os importados, que ficam mais caros, e pode exportar mais barato", afirmou Mantega.
O presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Andrade, também declarou que a valorização da moeda frente ao real dá fôlego à atividade industrial do país, que sofre há anos com a entrada de produtos importados. Segundo reportagem do jornal Valor Econômico, Andrade acredita que, aliada à trajetória de queda dos juros iniciada em 2011, a alta do dólar poderia ser vantajosa para a recuperação gradual da produção industrial neste ano.
Pio concorda que a desvalorização seja positiva para a indústria exportadora, que pode vender mais barato em moeda estrangeira, vencendo a concorrência em termos de preço. "É possível vender em maior quantidade e lucrar mais sem perder rentabilidade na moeda local."
Entretanto, para as importadoras, a desvalorização é negativa. "Há empresas que vão sofrer porque usam tecnologia ou matérias-primas importadas."
"Ou seja, não dá para dizer se a desvalorização é boa ou ruim. É o que em economia se chama de efeito distributivo: há ganhadores e perdedores", considera.
Dólar abaixo de R$ 2 no final do ano
Conforme Pio, não se pode afirmar com certeza quanto tempo vai durar tendência de desvalorização do real. É impossível fazer previsões de longo prazo por conta da instabilidade no cenário internacional. Segundo ele, o que se pode dizer, por enquanto, é que a depreciação é uma tendência para os próximos dias e semanas.
Já Guizzo diz não acreditar que a desvalorização do real seja algo permanente. "Não voltaremos a ver o dólar em R$ 1,75, R$ 1,65 tão cedo. Mas o ritmo de alta visto no último mês, isso é passageiro", diz.
Ele também afirma que a depreciação não pode ir muito além do que foi até agora. "Acho que o governo deixará a tendência correr por mais algum tempo, até perceber o aumento da inflação. Acredito que permitirá mais uns 10% de alta da taxa de câmbio, até o dólar chegar a mais ou menos R$ 2,20", estima.
Para o economista, assim que o governo deixar de intervir no mercado financeiro, o câmbio começará a retroceder. "Este número pode parecer otimista, mas como a volatilidade da taxa de câmbio é muito grande, apostamos que o dólar termine 2012 entre R$ 1,80 e R$ 1,85." Analistas do Itaú Unibanco também projetam que o dólar terminará o ano em R$ 1,85.
Autora: Luisa Frey
Revisão: Alexandre Schossler