Governo democrático, mas sem oposição
19 de outubro de 2005Foi o ensaio geral da grande coalizão. Na terça-feira (18/10), as bancadas majoritárias de democrata-cristãos e social-democratas em Berlim conseguiram impor seu plano de distribuição dos cargos da Mesa Diretora do Parlamento, ignorando a reivindicação dos três pequenos partidos de oposição de conceder apenas um em vez de dois postos ao Partido Social Democrata (SPD). Esta primeira ação concertada dos parceiros de coalizão deixou claro que a margem de discordância dentro do Bundestag é mínima.
Nos regimes parlamentares, as grandes coalizões de governo não deixam de ser controversas. Além de ameaçarem uma estagnação política diante da necessidade de conciliar interesses políticos tão diversos dentro da bancada do governo, uma grande coalizão tende a dispor de excessivo poder, dada a reduzida influência dos partidos de oposição.
Oposição na teoria
Os partidos da coalizão, União Democrata Cristã (CDU) e SPD, têm 448 cadeiras no Bundestag, enquanto a soma dos mandatos do Partido Liberal (FDP), Partido de Esquerda e Partido Verde chega a apenas 166 cadeiras. Qual a margem de influência que resta, portanto, a estes partidos de oposição?
Os liberais representam a terceira maior bancada do Bundestag, com 61 parlamentares. No entanto, com o partido no papel de oposição, sua missão de promover reformas neoliberais está fadada ao fracasso. Isso possivelmente vai levar os liberais a se acomodarem na defesa purista do livre mercado e da não-intervenção estatal na economia, além de acusarem o governo de morosidade no processo de reformas.
As reclamações já começaram. O presidente do FDP, Guido Westerwelle, considera preocupante a probabilidade de "não haver reforma fiscal e nem mudança da política salarial" na nova legislatura.
Esquerda dividida
O Partido de Esquerda foi o único que articulou claramente a rejeição das reformas sociais que começaram a ser implementadas durante o governo social-democrata e verde e prometem ser prosseguidas pela grande coalizão.
Por serem os únicos contrários à política econômica do novo governo, é possível que os esquerdistas consigam conquistar a atenção da mídia e da opinião pública. E, em caso de fracasso no combate ao desemprego, conquistar um prestígio ainda maior junto ao eleitorado.
Para isso, o Partido de Esquerda teria que administrar com eficiência suas discrepâncias internas. Em entrevista recente ao diário Berliner Zeitung, o co-presidente da aliança Gregor Gysi ressalta que se trata de dois partidos em um: "No Leste, somos um partido popular e no Oeste um partido de 4,9%. Isso faz uma grande diferença. Um partido com respaldo de 25% do eleitorado pode se pronunciar sobre todas as questões, mas um partido de 5% tende a se ridicularizar com facilidade, se tentar se posicionar sobre toda e qualquer coisa. Os líderes das bancadas têm que tomar cuidado para que os dois lados não comecem a se enervar".
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Verdes isolados, sindicatos impotentes
Os verdes, por sua vez, estão na posição mais difícil, não apenas por serem o menor partido de oposição. Como integrantes da última coalizão de governo com os social-democratas, eles endossaram todos os cortes no sistema social, de modo que seria inviável apoiar as reivindicações anti-reformistas do Partido de Esquerda.
O que os verdes já exigiram da nova coalizão de governo foram avanços na política de energia, a diminuição dos encargos salariais para trabalhadores de baixa renda e o fortalecimento da proteção de minorias, além de advertirem contra um possível retrocesso na política ecológica e de proteção ao consumidor.
Se os partidos da oposição parlamentar estão paralisados, o poder de atuação dos sindicatos como porta-vozes dos trabalhadores também deixa a desejar. A revisão das leis de reforma do mercado de trabalho exigida pelos sindicatos há um ano será engavetada pela grande coalizão. Os sindicatos estão enfraquecidos demais para conseguir pressionar os políticos de maneira autônoma.
Sua resistência ao governo social-democrata e verde não surtiu efeito. O número de trabalhadores sindicalizados decresce a cada dia na Alemanha, as estruturas sindicais são ultrapassadas e centradas nos setores industrial e público.
Sua maior derrota política, no entanto, foi a transferência das negociações salariais para o nível empresarial, o que tornou os sindicatos ainda mais impotentes diante da escalada do neoliberalismo.
Resistência fora das instituições
Diante do enfraquecimento de uma oposição institucionalizada, crescem as indagações sobre a viabilidade de uma oposição extraparlamentar. O precedente histórico da atual composição de governo foi a grande coalizão entre democrata-cristãos e social-democratas de 1966 a 1969, sob o premiê Kurt Georg Kiesinger, que levou à mobilização de forças políticas fora do parlamento.
Hoje, a única estrutura comparável a uma oposição extraparlamentar seriam as bases nacionais do movimento crítico à globalização. No entanto, a força dos movimentos de base associados numa instituição como a Attac, por exemplo, tem um alcance muito mais amplo e menos local.
O sociólogo alemão Dieter Rucht, especializado em movimentos de protesto, explicou a diferença: "O movimento de 68 queria eliminar o antigo sistema de vez. Na época imaginava-se, de fato, que seria possível acabar com o sistema vigente e construir do zero uma nova sociedade. O impulso de mudança também atingia a cultura cotidiana na época. Tudo isso é extremamente alheio aos movimentos atuais. Hoje, a idéia é mudar o sistema através de diversas pequenas agulhadas. Isso significa que é preciso se entregar ao reformismo, que até pode ser radical", avaliou Rucht, em entrevista ao diário berlinense Tageszeitung.
Diante das reduzidas perspectivas de oposição institucional e espontânea, os opositores do atual governo apostam no fracasso da grande coalizão, cuja expectativa de vida foi avaliada em no máximo dois anos pelos políticos da oposição. Afinal, não é pequeno o risco de haver impasses internos e dissidência de parlamentares que venham a imobilizar o governo.