Governo ucraniano usa unidades especiais para reprimir manifestantes
11 de dezembro de 2013Batalhões da polícia antimotim da Ucrânia se retiraram da Praça da Independência na capital Kiev nesta quarta-feira (11/12), depois de atuar contra os militantes durante a madrugada, na maior tentativa das autoridades de retomar as ruas após semanas de protestos populares contra o presidente Viktor Yanukovytch. As forças de segurança avançaram sobre os manifestantes na Praça Maidan e sobre a prefeitura de Kiev ocupada.
O país de 46 milhões de habitantes está dividido entre uma aproximação com a União Europeia (UE) e o reforço de relações com a Rússia, que controla o fluxo barato de gás natural necessário à Ucrânia para evitar a falência do país do leste europeu.
Opositores do governo costumam sair dos confrontos entre as forças de segurança e manifestantes na capital. A unidade especial Berkut (Águia de Pedra), do Ministério do Interior da Ucrânia, está frequentemente envolvida nesse tipo de ação – a exemplo da tentativa de evacuar a praça Maidan (Independência) nesta quarta. A Berkut foi criada para combater a criminalidade, mas agora está sendo empregada principalmente contra os manifestantes.
Os partidos de oposição da Ucrânia exigem que a Berkut seja dissolvida. Assim, Vitali Klitschko, do partido oposicionista Aliança Democrática Ucraniana para a Reforma (Udar) está convencido de que a unidade perdeu a credibilidade sozinha. Já há bastante tempo, o uso excessivo da força na dissolução dos protestos de rua tem sido motivo de indignação na sociedade ucraniana.
Diversas unidades especiais
Berkut, Alpha, Omega, Falcão e Titã são os nomes das unidades especiais do serviço secreto ucraniano SBU, conhecido pela sigla em inglês. O serviço de proteção de fronteiras, a alfândega e os militares também possuem algumas unidades especiais. Porém, nos últimos anos, a Berkut tem chocado regularmente a opinião pública com ações de brutalidade desnecessária e agressividade na repressão de manifestantes.
Isso se aplica principalmente à repressão sangrenta dos protestos estudantis pacíficos em 30 de novembro na Praça da Independência, em Kiev. Os estudantes protestaram contra a decisão do governo de congelar, sob pressão da Rússia, um acordo de associação que havia sido negociado com a União Europeia. Também no dia seguinte, manifestantes e jornalistas foram espancados pela unidade especial Berkut, nos embates violentos em frente à sede da Presidência.
Exigência de uma legislação reguladora
Os especialistas apontam que tais forças de segurança agem num vácuo parcial de legalidade. Embora unidades como a Berkut sejam necessárias para o Estado, a sua força numérica, assim como suas tarefas e instrumentos de imposição legal devem ser claramente regulamentados, afirma Mykola Chawronjuk, do centro ucraniano de Reformas Legais e Políticas.
No caso da Berkut, essa definição não está suficientemente garantida, segundo o especialista. "O legislativo deve definir claramente as responsabilidades e deveres, e, sobretudo, o que a unidade não está autorizada a fazer", explica.
A unidade especial Berkut foi criada em 1999 como uma força de reação rápida para um combate eficaz do crime organizado. Até hoje, a atividade dessa unidade especial é regulamentada somente por atos normativos do Ministério do Interior. Isso significa que somente a chefia do Ministério do Interior – ou seja, o governo – tem poder de decisão sobre o grupo. O Parlamento não possui nenhum controle.
Número suficiente de candidatos
No início, quem atuava na Berkut eram antigos integrantes de forças militares especiais e milicianos experientes. Ainda hoje, os 4 mil membros da unidade devem ter bom preparo físico. De acordo com dados do Ministério do Interior, há quatro candidatos para uma vaga na unidade especial. No entanto, não são só integrantes das forças de segurança, mas também montanhistas, mergulhadores e francoatiradores têm oportunidade de ser aceitos.
Dependendo do tempo de trabalho e da patente, o ganho médio mensal tem um teto de 500 euros (cerca de R$ 1.600). Em comparação, um simples policial ucraniano ganha por volta de 300 euros (R$ 960).
Manifestantes como novo alvo
Diferentemente das milícias (normalmente organizações paramilitares), os membros da Berkut estão autorizados a prender criminosos armados e membros de grupos criminosos organizados, mas também a libertar reféns – recebendo treinamento psicológico para tal tarefa.
Mas o combate ao crime organizado é hoje uma incumbência secundária da Berkut. Segundo o Ministério do Interior, atualmente, a "segurança da ordem pública em eventos de massa promovidos pelo Estado, mas também em eventos sociais, políticos e religiosos, bem como em acontecimentos esportivos e culturais" está entre as principais funções da unidade.
Nesse contexto, o jurista Chawronjuk aponta que as disposições do Ministério do Interior não dão resposta a importantes questões: "O que constitui uma perturbação da ordem pública? Qual a diferença entre a finalização e a dissolução de agitações de massa? A partir de quantos participantes pode-se falar de um evento de massa?", questiona.
Repressão e protesto político social
O ativista ucraniano de direitos humanos Oleg Martynenko diz observar com preocupação que, durante ações pacíficas de protestos, o número de membros da Berkut se equipara, geralmente, ao de manifestantes. "Na realidade, é o Estado que decide quais ações devem ser dissolvidas. Então o comandante envia toda a sua tropa para o local", afirmou Martynenko.
Além disso, é possível identificar o tratamento psicológico dos homens da Berkut quando o grupo atua: eles veem os manifestantes como um perigo e estariam dispostos a eliminá-lo com todos os meios. Embora os membros da tropa não devam executar comandos ilegais, qualquer ordem de seu comandante lhes parece aparentemente adequada, disse Martynenko.
"Eles não têm, simplesmente, como julgar se uma ordem de seu comandante é lícita", disse o ativista, para quem os membros da Berkut tampouco estão bem informados sobre os direitos dos cidadãos e manifestantes. Por esse motivo, segundo Martynenko, as forças especiais de segurança se tornam cada vez mais um instrumento para reprimir protestos políticos e sociais.