Guantánamo, entre o fechamento e a ressurreição
11 de janeiro de 2017Tudo começou em 11 de janeiro de 2002, com a transferência para o presídio na Baía de Guantánamo, em Cuba, de 20 prisioneiros suspeitos de pertencer aos grupos extremistas Talibã e Al Qaeda em Kandahar, Afeganistão. Com relativa velocidade, a medida se transformaria num pesadelo político e humanitário, que está prestes a ocupar o terceiro presidente americano consecutivo.
Instaurado pelo governo George W. Bush em resposta aos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, Guantánamo foi escolhido especificamente como polo de detenção devido a sua localização, numa base naval americana em Cuba, que o coloca fora do alcance dos tribunais dos Estados Unidos.
Os prisioneiros levados para lá – que logo passariam de 700, de dezenas de países – eram considerados "combatentes ilegais", de acordo com o então secretário americano da Defesa, Donald Rumsfeld, um dos mais ferrenhos defensores do presídio. A designação os excluía das proteções legais garantidas pelas Convenções de Genebra aos prisioneiros de guerra, permitindo que fossem detidos indefinidamente, sem recurso legal.
Símbolo de injustiça
O desrespeito deliberado ao direito internacional no tratamento dos internos de Guantánamo imediatamente desencadeou protestos globais. Em consequência, o campo de detenção e seus prisioneiros acorrentados, de macacões alaranjados se tornaram sinônimo da injustiça e húbris americana, dentro do país e por todo o mundo.
Embora a natureza da prisão tenha mudado, e a população de detentos, caído – sobretudo graças a intervenções legais de importantes tribunais americanos, pressão política contínua e um novo presidente que queria vê-la fechada – o fato é que Guantánamo permanece em funcionamento, 15 anos depois.
"Os EUA não só fracassaram em fechar uma prisão que há muito é símbolo de ilegalidade e abuso, mas também em desmontar a arquitetura legal que a sustenta", afirma Jonathan Hafetz, professor de direito da Universidade Seton Hall que representou diversos detentos de Guantánamo em juízo.
Segundo ele, essa arquitetura "possibilita um sistema de detenção por tempo ilimitado, sem que haja uma acusação, e de julgamento de suspeitos de terrorismo por comissões militares questionáveis, em vez de por cortes federais estabelecidas".
Culpa dividida
Ainda que grande parte da culpa por Guantánamo caiba a George W. Bush, que a inaugurou, seu sucessor também arca com certo grau de responsabilidade, pelo fato de não ter fechado os portões da unidade militar de detenção.
"O balanço, tanto sob Bush quanto sob Obama, tem sido bastante insatisfatório", avalia Lou Fisher, do think tank americano Constitution Project. "Com poucos detentos julgados por tribunais militares, e os que o são, enfrentando anos de litígio, alguns não poderão ser jamais julgados, já que as provas contra eles foram produto de interrogações coercivas."
Resumindo: ao abrir Guantánamo, Bush criou um caos que Barack Obama não foi capaz de arrumar inteiramente, apesar das promessas e da oportunidade de fazê-lo, no início de seu mandato.
Hafetz salienta: "O presidente Bush estabeleceu Guantánamo como prisão fora da lei, causando dano maciço à reputação dos EUA e à força da lei, em geral, sem nenhum benefício real de segurança. Bush tornou Guantánamo um sinônimo de tortura, detenção injusta e ilegalidade."
E embora Obama, argumenta o jurista, mereça crédito "por reconhecer que Guantánamo minou tanto os valores como a segurança dos EUA, e por ter reduzido significativamente a população local, no fim das contas ele deve ser julgado por sua falha em fechar a prisão e por defender a legalidade do presídio".
Na mira de Trump
O fato de Obama não ter acabado com Guantánamo poderá retornar para assombrá-lo assim que o sucessor assumir. Durante sua campanha, o republicano Donald Trump se opôs aos planos do democrata de fechar as instalações. No início de janeiro, ele também protestou contra a transferência para a Arábia Saudita de alguns dos presos restantes.
Tais comentários, associados à sugestão prévia do presidente eleito de que restauraria o waterboarding – uma técnica de interrogatório considerada tortura –, suscitaram em certos observadores a apreensão de que Guantánamo possa vir a ser reavivada sob o futuro presidente Trump.
"Sobraram tão poucos detentos, e o custo de manter a base é tão elevado, que seria mais construtivo transferir os restantes para uma unidade nos Estados Unidos", propõe Fisher. "Trump, é claro, expressou publicamente o desejo de levar mais suspeitos de terrorismo para Guantánamo, mas talvez seus assessores lhe digam que não é boa ideia."
"O governo Trump poderia explorar Guantánamo de forma a recolocar os EUA num grau de ilegalidade como não se vê desde os primeiros anos do governo Bush", acrescenta Hafetz. "Ela poderia usar Guantánamo para ressuscitar a desacreditada e ilegal prática da tortura. E também para reanimar e fortalecer o curso da detenção ilimitada, violando a Constituição e o Direito internacional."