Da Alemanha à Alemanha
6 de fevereiro de 2009
"Numa tentativa após a outra", ele queria ultrapassar a fronteira alemã-alemã e se intrometer nas duas eleições, de maio e de dezembro. Foi com essa intenção que Grass começou, em 1990, a fazer suas anotações. Dezenove anos depois – e meio ano após o lançamento de seu livro autobiográfico Die Box (A Caixa) – seus diários daquela época foram publicados: Unterwegs von Deutschland nach Deutschland (Em trânsito da Alemanha para a Alemanha).
Günter Grass anunciava com cogumelos a sua despedida provisória da escrita literária. Desenhados em sua casa de férias em Portugal, eles decoram a primeira página de seu diário. A obra narrativa Maus Presságios (Unkenrufe), na qual ele, na verdade, pretendia trabalhar, acabaria por acompanhá-lo durante todo o ano. Também havia um outro projeto com que ele já estava envolvido: um grande romance da "reunificação", unindo Berlim e Theodor Fontane. No diário, o nome provisório do romance ainda era Treuhand [nome da holding estatal que administrou as privatizações no processo de reunificação]; em 1996, ele foi publicado sob o título de Um Campo Vasto (Ein weites Feld).
Diário como dever
Em 1990, ele se entrega ao dever. Günter Grass não é aficionado em escrever diários; só quando ocorre algo incomum é que ele se submete a esse ritual cotidiano. Como em 1969, quando ele se envolveu na campanha eleitoral do Partido Social Democrata (SPD). Isso não o levou, no entanto, a apreciar o gênero. As partes políticas são pouco expressivas, apesar dos melhores contatos com o poder.
Os pensamentos de Grass giram com frequencia demasiada em torno de seus assuntos próprios. "É grotesco que, aqui na Feira do Livro, eu esteja envolvido com três editoras", anota ele em março de 1990, em Leipzig. Nenhuma palavra sobre os outros escritores e sobre a atmosfera do evento. Nada das fartas descrições dos diários de Martin Walser ou dos comentários autoirônicos que tornam as anotações de Peter Rühmkorf tão dignas de serem lidas.
Günter Grass se apresenta como admonitor e crítico à moda antiga. Ele adverte desde cedo contra as consequencias de uma "incorporação" da Alemanha Oriental pela Ocidental, opõe-se à reunificação e se mostra supersensível a tons nacionalistas – isso já tinha se tornado público antes.
Cozinheiro e homem de família
No entanto, o diário também tem coisas interessantes. Günter Grass se mostra como homem de família, algo que já tinha transparecido no livro autobiográfico Die Box.
"Ontem, o peixe de dois quilos [...]. Desenhei-o, antes de recheá-lo com sálvia e colocá-lo no forno". Casa e fogão têm realmente um papel importante. Ele gosta de cozinhar e trabalhar no jardim, planta árvores em seu jardim português, compra peixe e corta legumes. Não é um intelectual alheado do mundo, mas sim um "artesão" que mantém uma relação próxima com sua ampla família.
"Que prazer sinto com meus filhos", escreve ele. "Momentos de felicidade: passear na floresta de mãos dadas com a criança". Ou então, triste: "Nenhuma carta dos meninos". Ele sempre procura estar perto deles, embora a relação com as diferentes mães possa ser complicada. "A presença dos filhos maldizendo [o resultado] torna suportável a noite da eleição", escreve ele no dia 3 de dezembro, quando Helmut Kohl venceu as eleições parlamentares.
Levado por um medo infantil
Segredos ou confissões íntimas não constam das anotações. Em todo caso, elas esclarecem algumas coisas. O diário mostra Günter Grass como um trabalhador incansável, que – com 60 anos e apesar de todo o sucesso – ainda tem "este espantoso medo infantil" de emudecer como escritor. Isso o torna suscetível e sensível em relação à autossatisfação de certos amigos e aliados. Certeiro, ele encontra as palavras certas ao atinar – numa festa de um círculo de liberais de esquerda bem situados – como essas pessoas são "diligentes e preocupantemente bem temperadas".
"Bem temperado" Günter Grass não é até hoje. Ele é considerado uma pessoa difícil. A confissão tardia de que, aos 17 anos, ele havia servido às tropas de elite da SS lhe custou a simpatia de muitas pessoas. O diário de 1990 não transmite uma imagem completamente diferente, mas mostra um homem que, apesar de toda vaidade, continua sendo pouco adaptado e ainda incômodo. E às vezes até espirituoso: "O Kohl consegue mesmo tudo! Até lua cheia no dia da reunificação alemã".
No diário, conhecemos um Günter Grass emocionalmente carente. Não alguém que passa ao largo das coisas, mas sim um trabalhador aplicado e hesitante.
Günter Grass: Unterwegs von Deutschland nach Deutschland. Tagebuch 1990 (Em Trânsito da Alemanha para a Alemanha). Göttingen: Steidl Verlag, 256 p.