Herança de Thatcher ainda ecoa nas relações britânicas com UE
10 de abril de 2013Quando, em 1989, após décadas de Guerra Fria, a Cortina de Ferro caiu, praticamente colocando a reunificação da Alemanha na ordem do dia, os alemães se viram subitamente diante de uma posição incomum em relação às quatro potências aliadas.
"Os alemães se acostumaram com a ideia de que britânicos e franceses foram sempre a favor da unidade alemã. O que era até verdade, contanto que essa unidade permanecesse num futuro bem distante", afirma Heinz Schulte, especialista em relações teuto-britânicas e ex-correspondente em Londres do jornal alemão Die Welt.
O teste decisivo, no entanto, veio quando o Muro de Berlim caiu. De repente, a situação era diferente. Duas das antigas potências aliadas eram a favor da reunificação, embora por razões completamente diferentes. A União Soviética por não conseguir mais manter a longo prazo sua esfera de influência na Europa Central e Oriental. E os EUA por perceberam imediatamente as vantagens de uma retirada soviética do continente.
"Reino Unido e França se tornaram céticos diante da ideia e até mesmo se posicionaram contra ela. Margaret Thatcher e François Mitterrand não contribuíram muito para a unidade alemã, temos que admitir", completa Schulte. "Thatcher tentou remar contra a maré da história e teve que engolir seu fracasso."
A unidade como um risco de segurança
Dois meses antes da queda do Muro de Berlim, a Dama de Ferro advertiu, em reunião confidencial com Mikhail Gorbatchov, que a unificação alemã levaria a alterações das fronteiras do pós-guerra. "Isso não podemos permitir, porque tal desenvolvimento poderá prejudicar toda a estabilidade internacional e trazer perigo à nossa segurança", argumentou a então premiê britânica.
Paris se deixou convencer após a Alemanha concordar com a criação de uma moeda comum europeia, enquanto Thatcher manteve sua rejeição. Seu ceticismo foi baseado não somente na tradicional preocupação britânica sobre o equilíbrio de poder no continente, mas também no medo de uma Alemanha poderosa.
"Isso também foi originado pelo fato de, antes de ela ter estudado em Oxford, sua família ter abrigado duas meninas judias de Viena em sua cidade natal, Grantham", lembra o cientista político britânico Anthony Glees. "Uma dessas meninas se tornou amiga de Margaret Thatcher por toda a sua vida. E Thatcher nunca esqueceu das histórias que elas contavam sobre Viena em 1938 e sobre a invasão dos nazistas."
"Thatcher nunca compreendeu muito bem a então Alemanha Ocidental e o fato de que havia uma outra Alemanha com outros alemães no poder", opina Glees, sublinhando que, para ela, o país ainda era sempre muito poderoso. E uma Alemanha dividida parecida menos perigosa do que uma Alemanha grande e dominante.
A primeira-ministra britânica permaneceu presa, segundo o especialista, à sua imagem de uma Alemanha dominada pelo pensamento de Estado nacional, em voga no século 20, um mundo "moldado por armas e emblemas de Estados nacionais", como comenta Schulte. Mas foi uma imagem da Alemanha que não se confirmou na realidade – Berlim e o resto da Europa tomaram um caminho diferente do que o temido por Thatcher.
Segundo o especialista, mesmo que em alguns lugares cresça a preocupação com uma Alemanha excessivamente dominante, fruto da crise financeira na zona do euro, isso ainda não pode ser considerado uma confirmação final das teses de Thatcher.
No entender de Schulte, as imagens de Angela Merkel com bigode de Hitler em cartazes de manifestantes revoltados no Chipre e na Grécia devem-se à crise do euro, que não era previsível naquela época. Ele é a favor de que Thatcher seja vista como uma personalidade típica de seu tempo e contexto político, sem tentar usá-la hoje para questões da integração europeia.
"Não" para a Europa
A relação de Thatcher com a integração europeia é o segundo grande tema pelo qual a primeira-ministra britânica se tornou relevante para o continente. Mesmo tendo sido obrigada a se curvar à reunificação da Alemanha, em relação à Europa ela permaneceu fiel à sua reputação de Dama de Ferro.
No entanto, foi exatamente sua posição dura a respeito da Europa que levou ao fim de sua carreira política. Embora Thatcher não tenha se oposto à Comunidade Europeia enquanto união econômica, ela não aceitava os planos para uma mudança de poder na direção de Bruxelas.
"O presidente da Comissão, Jacques Delors, diz que quer que o Parlamento da UE seja como um órgão democrático da Comunidade, a Comissão como um Executivo e o Conselho de Ministros como um Senado. Não, não, não!", declarou Thatcher em discurso veemente no Parlamento britânico em 1990.
Seu "não" para uma Europa mais integrada minou de tal forma sua posição dentro de seu próprio partido que fez com que ela tivesse que renunciar. No entanto, seu ceticismo não era dirigido contra a UE em si, mas tinha intenção de ajudar a moldar a comunidade ao seu modo, sem ter que se curvar à maioria dos europeus.
"Mesmo com toda sua disputa com Bruxelas, Thatcher não era a favor que o país saísse do bloco", explica Schulte, em referência à atual posição do governo britânico. "Thatcher nunca teria escolhido o caminho trilhado pelo atual primeiro-ministro, David Cameron, com respeito a um referendo sobre a permanência na UE. Ela era uma interlocutora difícil, mas sempre argumentou dentro da comunidade."
Sem visão
O que faltava a Thatcher, na opinião de Schulte, era uma visão dirigida ao futuro da Europa. De lá para cá, a UE se tornou, apesar de todos os problemas, o parceiro mais importante dos Estados Unidos, especialmente considerando a ascendente China. Seu peso global hoje vai muito além das questões tradicionais de comércio ou de defesa comum.
Como consequência, toda a relação transatlântica se afastou do eixo Washington-Londres. "Essa relação continua existindo, mas há também uma relação entre Washington e Berlim, por exemplo, ou entre Washington e Camberra, considerando a região do Pacífico", sublinha Schulte.
Thatcher será lembrada como uma das figuras centrais no desenvolvimento da Europa e da Alemanha no caminho para a reunificação. Mas muitas de suas preocupações a respeito da Europa e da Alemanha eram mais influenciados por um olhar para trás do que por uma visão de uma Europa unida.
"O senhor Cameron certamente se vê como alguém na tradição de Thatcher, mas duvido muito que esse seja mesmo o caso", diz Schulte. "Thatcher era uma personalidade excepcional. Mas deve ser avaliada no ambiente e no contexto de seu tempo."