Hesitação alemã frente à Rússia gera frustração na Ucrânia
28 de janeiro de 2022Kiev não esconde sua decepção. A Ucrânia se sente ameaçada por uma nova agressão russa, mas Berlim recusa o pedido do país por fornecimento de armas de defesa.
Outro ponto de irritação foi a fala do comandante da Marinha alemã, Kay-Achim Schönbach, que, entre outras coisas expressou sua convicção de que a península da Crimeia, anexada pela Rússia em 2014, jamais retornará à Ucrânia. A renúncia de Schönbach após o escândalo não conseguiu desfazer completamente o desconforto entre Berlim e Kiev.
"Chegou a hora da verdade"
Tudo isso levou o ministro do Exterior ucraniano, Dmytro Kuleba, a ter uma visão bastante crítica da relação bilateral. "Desde de 2014 que a Alemanha tem feito muito pela Ucrânia para mobilizar a pressão por sanções, promover reformas ucranianas e apoiar a economia ucraniana", disse o ministro à emissora ucraniana ICTV, acrescentando que em toda crise chega o momento da verdade. "Agora, com a Alemanha, chegamos a este momento da verdade, nomeadamente em uma série de questões fundamentalmente importantes relacionadas à segurança e ao futuro da Ucrânia como um Estado independente", destacou.
Do ponto de vista ucraniano, essas questões incluem o apoio alemão a sanções mais duras contra a Rússia, o gasoduto Nord Stream 2 no Mar Báltico e o fornecimento de armas. "Falamos não somente de envios bilaterais de armas da Alemanha para a Ucrânia, mas também da permissão alemã para transferência de armas a terceiros países. E também do aval alemão a compras de armas ucranianas via Otan. Nessas questões, não deveria haver nenhum bloqueio da Alemanha", diz Kuleba. De acordo com relatos da mídia, Berlim até agora não permitiu que a Estônia forneça à Ucrânia estoques antigos de obuses que eram do Exército Popular Nacional da Alemanha Oriental.
Repensar relação
Já em dezembro do ano passado, o ministro ucraniano da Defesa, Oleksiy Resnikov, acusou a Alemanha de impedir a entrega de armas à Ucrânia via Otan. "Eles constroem o gasoduto Nord Stream 2 e ao mesmo tempo bloqueiam nossos armamentos para nossa própria defesa. É bastante injusto", disse, segundo a mídia ucraniana. O ministro alertou que a estratégia de "não provocar a Rússia" não funcionará.
Enquanto isso, o Parlamento ucraniano pede à ONU, ao Parlamento Europeu, governos e parlamentos de outros países, além de organizações internacionais, que finalmente reconheçam a perspectiva europeia aspirada pela Ucrânia e estabeleçam uma data para a adesão do país à Otan.
Assim, as comissões parlamentares de integração europeia e relações exteriores do Parlamento ucraniano enviaram uma carta conjunta ao Bundestag. Nela, pedem que a política da Alemanha para a Ucrânia seja reconsiderada em vista da ameaça russa. "É irresponsável e míope não nos armarmos e até impedir nossos parceiros de fazê-lo. Todas as justificativas para essa política até agora não são convincentes. Esta não é uma política de apaziguamento, mas um incentivo à guerra", diz o texto. "A Ucrânia nunca pegará em armas contra outros países"
Marina Bardina, parlamentar do partido governista ucraniano Servo do Povo e vice-presidente do comitê parlamentar de relações exteriores, disse à DW que ela e seus colegas esperam principalmente ajuda diplomática e apoio do Bundestag alemão para endurecer as sanções contra a Rússia.
Em entrevista à DW, Iryna Herashchenko expressa preocupação de que Berlim não esteja apenas impedindo as entregas de armas alemãs, mas também de outros países. Ela é uma das líderes do partido Solidariedade Europeia. "A Ucrânia também prefere a diplomacia às armas. A Ucrânia nunca pegará em armas contra outros países, enquanto as armas são usadas contra nós há oito anos. Temos o direito de defesa", afirmou Herashchenko.
Valeriy Hnatenko, deputado do partido "Plataforma de Oposição - Pela Vida", que representa a segunda maior facção parlamentar, aponta para um ponto completamente diferente. Ele acha humilhante que a Ucrânia esteja pedindo armas ao Ocidente pois o país já foi ele mesmo um exportador de armas. "A política atual do nosso Estado está errada. Em 30 anos arruinamos tudo que herdamos da União Soviética em 1991", diz.
"Contradições na posição alemã"
Não apenas na Ucrânia, mas também na Alemanha e em outros países ocidentais há políticos com visões pró-Rússia. O cientista político ucraniano Volodymyr Fesenko apontou isso em uma entrevista à DW. Na opinião dele, Kiev deve continuar a expandir ativamente sua parceria com a Alemanha, mas não deve hesitar em fazer exigências e criticar as ações de Berlim.
"Sob o governo ucraniano anterior, qualquer crítica pública à Alemanha e seus parceiros ocidentais era geralmente um tabu", afirma Fesenko. "Mas isso não ajudou muito. Temos que, em espírito de parceria e amizade, apontar as sérias contradições expressadas na posição dos representantes oficiais alemães". Segundo o especialista, essa posição serviria à Rússia, mas prejudicaria a Ucrânia.