"Hitler era bastante islamófilo"
13 de novembro de 2017Nazistas e muçulmanos colaboraram militarmente durante a Segunda Guerra Mundial. Dezenas de milhares de muçulmanos bósnios, albaneses e de outras etnias combateram ao lado das tropas nazistas. Até que ponto foi essa parceria? Ela foi impulsionada por um antissemitismo comum a ambos os lados, ou havia motivações pragmáticas mais fortes?
Em entrevista à DW, o historiador David Motadel, professor de História Internacional na London School of Economics e autor do recém-lançado Für Prophet und Führer. Die islamische Welt und das Dritte Reich (Pelo Profeta e o Führer. O mundo islâmico e o Terceiro Reich), destaca que Adolf Hitler e outros nazistas tinham simpatia pelo islã como religião de guerreiros.
"Minha tese é que por trás da política alemã para o islã estavam, acima de tudo, motivos práticos, pragmáticos", afirma o historiador sobre esse capítulo pouco explorado da Segunda Guerra.
Deutsche Welle: Seu livro Für Prophet und Führer fala da política para o islã adotado pelo regime nazista. Como exatamente era essa política?
David Motadel: No ápice da Segunda Guerra Mundial, em 1941, 1942, quando as tropas alemãs invadiram territórios de população muçulmana nos Bálcãs, Norte da África, Crimeia e Cáucaso, Berlim começou a perceber que o islamismo tinha significação política. Passo a passo, o regime nazista passou a recrutar muçulmanos como aliados e incitá-los à luta contra inimigos supostamente comuns – por exemplo, o Império Britânico, a União Soviética, os Estados Unidos e os judeus.
Nas regiões fronteiriças com população islâmica, os alemães organizaram propaganda religiosa de amplo alcance, a fim de apresentar o "Terceiro Reich" como protetor do islã. Além disso, já desde o início de 1941, pouco antes da invasão do Norte Africano, a Wehrmacht distribuía entre seus soldados o panfleto O islã, com o fim de instruí-los sobre como lidar com os muçulmanos locais.
No front oriental, na Crimeia e no Cáucaso, onde, antes da guerra, Stalin reprimira brutalmente o islã, os ocupadores alemães reergueram mesquitas e escolas do Alcorão, na esperança de assim minar o domínio soviético. Os propagandistas alemães politizavam textos religiosos como o Alcorão ou o conceito de jihad, a assim chamada "guerra santa", a fim de instigar os muçulmanos à violência religiosa contra os Aliados.
Outro aspecto foi o recrutamento pela Wehrmacht e a SS de dezenas de milhares de voluntários muçulmanos, a partir de 1941. Tratava-se principalmente de bósnios, albaneses, tártaros da Crimeia e muçulmanos do Cáucaso e da Ásia Central.
Que fins perseguia o regime nazista com esse recrutamento de muçulmanos?
As motivações dessa política eram diversas: por um lado, em muitas zonas em que combatiam, as tropas alemãs eram confrontadas com uma população islâmica. Ao mesmo tempo, no fim de 1941 a situação militar piorou, procurava-se compensar as perdas de soldados alemães no front oriental. Aí, soldados muçulmanos foram mobilizados em todos os fronts. Eles lutaram em Stalingrado e Varsóvia, e até mesmo na defesa de Berlim.
Faziam-se muitas concessões religiosas aos recrutas, permitindo-se práticas e rituais religiosos, como a oração e o abate religioso [halal]. Em 1933 os nazistas haviam proibido o abate religioso [kosher] por razões antissemíticas, mas voltaram a liberá-lo em 1941 para os soldados islâmicos. Os imames militares desempenhavam um papel especial nas tropas, sendo responsáveis não só pelo acompanhamento religioso dos recrutas, como também por sua doutrinação política.
É muito difundida a noção de que os muçulmanos teriam se colocado do lado dos nazistas durante a época nacional-socialista por se sentirem ligados a eles através do antissemitismo. Também por esse motivo os nazistas teriam se aproximado dos muçulmanos. O que há de verdade nessa narrativa?
Na propaganda, sobretudo no mundo árabe, os temas antissemíticos naturalmente tinham um papel importante – assim como na propaganda alemã para o exterior, em geral. Isso estava frequentemente ligado a ataques à migração sionista para a Palestina. Esse se tornou um tema importante no mundo árabe, no período entre as duas guerras mundiais.
Do lado muçulmano, não se pode generalizar. Alguns aliados islâmicos do regime nacional-socialista, em especial o grão-mufti de Jerusalém, Mohammed Amin Al-Husseini, partilhavam o ódio dos nazistas contra os judeus. Nas regiões de guerra propriamente ditas – nos Bálcãs, Norte da África ou nos territórios do Leste Europeu –, a situação era mais complicada: em muitas dessas áreas, muçulmanos e judeus haviam convivido por muito tempo. E em alguns casos os muçulmanos ajudaram judeus a se esconderem dos alemães.
Que lucro os muçulmanos que simpatizavam com os alemães esperavam ter, colaborando com eles?
Não se pode generalizar a reação dos muçulmanos diante dos invasores alemães nas zonas de guerra. Na Líbia, por exemplo, onde durante anos a população sofrera sob um regime colonial italiano brutal, as tropas ítalo-alemãs foram recebidas com relativa frieza. Na União Soviética, foi mais fácil.
Entre os muçulmanos que lutaram ativamente nas forças alemãs, a maioria não tinha motivações religiosas, mas antes materiais. Muitos tinham sido recrutados nos campos de prisioneiros de guerra: eles queriam, antes de tudo, escapar da fome e das pestes nos alojamentos. Muitos simplesmente esperavam que um uniforme alemão lhes permitisse sobreviver à guerra.
Heinrich Himmler, comandante da SS, dizia que o islã era "uma religião prática e simpática para soldados". Os nacional-socialistas realmente aprenderam algo com o islã? Ou os muçulmanos não passaram de meios para alcançar um fim?
Minha tese é que por trás da política alemã para o islã estavam, acima de tudo, motivos práticos, pragmáticos. No entanto, procede que alguns líderes nazistas, sobretudo Hitler e Himmler, eram bastante islamófilos e manifestaram repetidamente sua simpatia pelo islã. Toda vez que Hitler criticava a Igreja Católica, nos anos da guerra, ele contrapunha o islã como exemplo positivo.
Enquanto condenava o catolicismo como religião fraca, debilitada, afeminada, ele louvava o islã como religião de guerreiros, forte e agressiva. Esse tópos foi repetidamente retomado por outros líderes do nazismo. No geral, porém, o que estava por trás da política alemã relativa ao islã eram considerações estratégicas, e não concepções ideológicas.
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