Hoje inimigos, Israel e Irã têm histórico de cooperação
18 de fevereiro de 2014É possível confiar em Teerã? Se a pergunta fosse feita ao presidente israelense, Shimon Peres, a resposta seria um sonoro "não". Como ele deixou claro no Fórum Econômico Mundial em Davos, em janeiro: "O Irã é o centro do terrorismo na nossa época". Mas a relação entre os dois países não foi sempre marcada por essa hoje aparentemente irreversível desconfiança.
Apenas um dia depois de ter sido criado, em 14 de maio de 1948, o Estado de Israel já estava em guerra contra os vizinhos árabes. Embora os israelenses tenham sido capazes de rechaçar o ataque árabe, a Guerra da Palestina de 1948 mostrou claramente ao fundador de Israel, David Ben Gurion, o ambiente hostil em que seu país teria de se afirmar.
Ben Gurion desenvolveu a chamada "Doutrina da Periferia", segundo a qual Israel tentaria formar alianças com os não árabes da região. Entre eles, estavam turcos, etíopes, cristãos libaneses – e os iranianos.
No início da década de 1950, também em Teerã se observava com suspeita o crescente nacionalismo árabe – especialmente a partir de 1953, quando uma ditadura influenciada pelos Estados Unidos se desenvolvia no Irã. Para os iranianos, o recém-criado Estado de Israel, também apoiado pelos americanos, constituía um contrapeso político bem-vindo frente aos vizinhos árabes.
"Por esse motivo, entre os dois países havia um excelente relacionamento", afirma Henner Fürtig, do instituto de estudos globais Giga, de Hamburgo.
Israel passou a formar especialistas agrícolas iranianos, a fornecer conhecimentos técnicos e a ajudar na formação e treinamento das forças de segurança do Irã. Tudo isso era pago com petróleo – matéria-prima que era absolutamente necessária para a economia emergente de Israel.
"No final da década de 1970, o Irã cobria 80% da demanda petrolífera israelense", lembra Fürtig. "Uma ligação muito importante entre os dois países foi estabelecida."
Acordos secretos
A Revolução Islâmica no Irã, no início de 1979, pôs um fim abrupto a essa cooperação. O aiatolá Khomeini era crítico ferrenho da ocupação de Israel dos territórios palestinos e, assim que assumiu o poder, anulou todos os tratados com os israelenses.
Quando Israel interveio na guerra civil no Líbano, invadindo o sul do país em 1982, Khomeini enviou a Guarda Revolucionária iraniana para apoiar as milícias xiitas em Beirute. Até hoje o Hisbolá, surgido naquela época, é forte aliado iraniano no Líbano.
Mas enquanto as tensões entre Irã e Israel vinham cada vez mais abertamente à tona, a cooperação secreta entre os dois países também vivenciava um renascimento. Isso foi desencadeado pela eclosão da guerra entre Irã e Iraque, em setembro de 1980. Ainda impressionado com a revolução em Teerã, quase todo o mundo ocidental apoiou o Iraque, na época fortemente armado pelos EUA.
Por outro lado, Israel via no regime de Sadam Hussein uma ameaça ainda maior – e ficou do lado de Khomeini. De acordo com uma pesquisa do Instituto de Estudos para a Segurança Nacional em Tel Aviv, somente nos primeiros três anos de guerra, Israel forneceu armas no valor de 500 milhões de dólares ao Irã.
"Na guerra com o Iraque, a situação não estava boa para o Irã", diz Fürtig. "Muito porque 90% das armas iranianas haviam sido compradas dos EUA ainda na época do xá. No início dos anos 1980, os estoques das Forças Armadas iranianas em munições, armas e suprimentos estavam acabando. Procuravam-se então desesperadamente fornecedores dispostos a repassar tecnologia bélica americana."
Mas o aiatolá Khomeini também se vingou de outra forma. No início dos anos 1980 espalharam-se boatos de que o Iraque estaria trabalhando na construção de uma bomba atômica. Para Israel e Irã, isso significava uma ameaçava inaceitável. Então, o serviço secreto iraniano forneceu à Força Aérea israelense informações valiosas que levaram ao bombardeio do reator nuclear Osirak, em 1981, atrasando o suposto programa nuclear iraquiano em diversos anos.
A cooperação secreta foi algo particularmente sensível, e tentou-se de todos os lados mantê-la em segredo. "Nem os iranianos nem os israelenses tinham algum interesse em que isso viesse a público", afirma Fürtig.
Mas em novembro de 1986, o caso Irã-Contras abalou os EUA. Ficou-se sabendo que durante vários anos Washington teria vendido milhares de tanques e mísseis antiaéreos a Teerã, para financiar o movimento direitista contrarrevolucionário na Nicarágua, e que os negócios envolvendo armas teriam acontecido principalmente através de Israel.
A ruptura final
Na esteira das revelações e com o fim da guerra entre o Irã e o Iraque, em 1988, veio a ruptura definitiva entre Israel e Irã. O inimigo comum Iraque estava enfraquecido e, três anos mais tarde, o país se tornou praticamente inofensivo após a operação Tempestade no Deserto, empreendida pelos EUA. Do lado iraniano, já não havia mais razão para manter a cooperação com Israel. Além disso, a questão palestina recuperava a importância no foco da política externa de Teerã.
"Trata-se de uma constante na política externa iraniana: elevar a questão palestina de um contexto árabe para um islâmico", explica Henner Fürtig. "Quando isso se torna um assunto de todos os muçulmanos e não somente dos árabes, então o Irã reclama para si certa capacidade de liderança. Nesse ponto, não se quer perder o controle da situação."
O irano-americano Trita Parsi, especialista em Oriente Médio, vai um passo além. Em 2007, ele constatou que a rivalidade entre os dois países não tem nada de anormal. Segundo ele, "o problema entre Israel e Irã está no fato de que essa rivalidade tenha assumido atualmente dimensões existenciais: o Irã profecia o desaparecimento do Estado de Israel, enquanto Israel nega a Teerã o direito a qualquer tecnologia nuclear e participa ativamente na mudança de regime em Teerã."
Sob tais condições, Henner Fürtig prevê que não se deve esperar uma melhora substancial nas relações entre Israel e o Irã num futuro próximo.