Horário de verão é herança alemã da Primeira Guerra
21 de setembro de 2017Todo ano a discussão reaparece. Nas semanas que antecedem o início do horário de verão, jornais publicam reportagens questionando a utilidade da medida, médicos apontam malefícios à saúde, defensores e adversários expõem suas posições. Tal cenário não se passa no Brasil, onde a imprensa local apontou nesta quinta-feira (21/09) que o governo de Michel Temer estuda acabar com o horário de verão, mas na Alemanha.
Nos últimos anos, o ato de adiantar os relógios vem perdendo apoio entre os alemães. Uma pesquisa publicada em 2016 apontou que 74% dos entrevistados não querem mais adiantar seus relógios. Há dez anos, eles não passavam de 60%. As mulheres lideram as críticas, com 80% se posicionando contra a medida.
Estudos também mostram que na Alemanha a economia gerada pela medida é nula ou até mesmo negativa. "O que se economiza de luz à noite, gasta-se pela manhã em calefação", apontou um relatório do Ministério Federal de Meio Ambiente.
A partir dos anos 1990, ficou mais difícil para a Alemanha tomar alguma iniciativa isolada e se livrar da medida, já que a União Europeia passou a organizar o calendário de horários dos seus Estados-membros.
Pioneirismo
A atual versão do horário de verão ("Sommerzeit") passou a valer na Alemanha em 1980, mas o país já havia experimentado adiantar os relógios na primavera de 1916, sendo pioneiro no mundo. A argumentação para colocar a medida em prática seria mais tarde repetida em dezenas de países: economizar energia.
No início de 1916, o antigo Império Alemão estava envolvido na Primeira Guerra Mundial e sofria com um severo bloqueio naval imposto pelo Reino Unido, que resultou no corte das importações de petróleo e parafina (usada na fabricação de velas). A mudança nos relógios foi incluída pelo governo do imperador Guilherme 2º na lei de guerra, a exemplo da instituição de cartões de racionamento e confisco de suprimentos.
Numa época em que não havia televisão e o rádio ainda não havia se popularizado, coube aos jornais anunciar a mudança. Também foram distribuídos centenas de milhares de cartões-postais e folhetos explicando o novo horário. Muitas vezes as mensagens eram acompanhadas de exortações patrióticas. Um desses cartões mostrava a figura de Ares, o deus grego da guerra, falando a um grupo de crianças: "usem a luz do Sol!".
E a Alemanha também foi pioneira nas controvérsias em relação ao novo horário. Antes de ser colocado em prática, leitores expressaram em cartas aos jornais o temor de que o novo horário fosse um truque para explorar ainda mais a mão de obra nas fábricas, que já estavam a todo vapor por causa da guerra.
A adoção
Os relógios foram finalmente adiantados às 23h de 30 de abril de 1916, um domingo, e assim ficaram até 1º de outubro. Segundo o antigo jornal Münchner Neuesten Nachrichten, vários relógios em igrejas e prédios públicos de Munique foram adiantados horas antes do prazo, o que levou a alguns desentendimentos.
Na segunda-feira, 1º de maio, alguns trabalhadores desatentos acabaram aparecendo uma hora mais cedo no serviço – a data ainda não era um feriado. Ainda segundo o jornal, grupos de estudantes reclamaram de ter que acordar uma hora mais cedo logo depois do fim de semana.
As discussões sobre o novo horário dominaram as páginas dos jornais, deixando em segundo plano acontecimentos dramáticos, como o fim da Revolta da Páscoa, conduzida por nacionalistas irlandeses em Dublin, e o fim do cerco da cidade de Kut, no Iraque. No mesmo dia, o antigo Império Austro-húngaro, aliado da Alemanha, seguiu o exemplo e adiantou os relógios. Logo depois, foi a vez da Romênia, da França, do Reino Unido e, mais tarde, dos EUA.
O governo alemão ainda determinou punições para empregadores que decidissem manipular os horários de trabalho, empurrando a jornada uma hora adiante como forma de burlar a medida.
Os efeitos logo foram sentidos. A cidade de Bremen, por exemplo, registrou economia de pelo menos 344 toneladas de carvão durante o período do horário de verão. Por outro lado, o consumo menor fez com que a cidade perdesse receitas provenientes de impostos, e a conta acabou tendo que ser paga pela população.
Segundo jornais da época, a maior parte da população acabou aceitando a medida, e alguns até vieram a simpatizar com ela por causa da possibilidade de aproveitar melhor o fim do dia. O experimento foi repetido em 1917 e 1918. Após o fim do conflito mundial, a lei extraordinária foi extinta – e com ela também o horário de verão.
A medida só reapareceu em 1940, pelas mãos do regime nazista, mais uma vez em um contexto de guerra. Após o fim do segundo conflito mundial, o horário de verão ainda persistiu nas diferentes zonas de ocupação da Alemanha, mas sem qualquer coordenação entre as diferentes administrações regionais. O setor soviético de Berlim, por exemplo, tinha um horário de verão dois meses mais longo que o do restante da Alemanha.
Em 1950, os governos da Alemanha Ocidental e Oriental decidiram pela extinção do mecanismo. O horário de verão só voltou a ser usado nas duas Alemanhas em 1980, um ano depois do segundo choque do petróleo, provocado pela revolução islâmica no Irã, que reduziu a oferta de combustível no mundo. Depois desse episódio, o horário de verão virou um mecanismo permanente também na Alemanha reunificada e, mais tarde, na União Europeia.
Horário de verão eterno
Além da pesquisa divulgada no ano passado, uma enquete realizada pela revista Der Spiegel com 160 mil leitores em março deste ano apontou que 90% deles rejeitam adiantar e atrasar os relógios todos os anos. Mas não há consenso entre eles sobre o que fazer depois.
Dois terços demonstram que não são contra mais luz no fim do dia, mas sim contra a mudança anual nos relógios. Eles querem que os ponteiros fiquem para sempre adiantados em uma hora, em um horário de verão eterno. Já o restante deseja que o "horário de inverno" seja permanente.
A discussão deve voltar renovada no próximo dia 29 de outubro, quando os alemães terão que atrasar seus relógios em uma hora para marcar o fim de mais um horário de verão.