Há quanto tempo o novo coronavírus já está circulando?
19 de novembro de 2020"Coronavírus apareceu na Itália mais cedo do que se acreditava", anuncia uma manchete da agência de notícias Reuters nesta quinta-feira (19/11), com base nos resultados de um estudo médico italiano recém-publicado.
Originalmente se tratara de uma triagem de câncer do pulmão, mas com tantas dúvidas sobre a origem e o transcorrer da pandemia de covid-19, os cientistas submeteram a exames mais aprofundados as amostras de sangue recolhidas entre setembro de 2019 e fevereiro de 2020. E encontraram anticorpos contra o vírus Sars-Cov-2 já nas amostras de setembro.
O que tanto espanta os oncologistas e a imprensa, contudo, não é grande surpresa para o geneticista Peter Forster. Pois esses dados confirmam a análise filogenética do novo coronavírus que ele e seus colegas haviam publicado já no início de abril.
"Com base nos dados disponíveis na época e a taxa de mutação do vírus, nós estimamos que deveria ter havido uma difusão bem-sucedida entre seres humanos entre meados de setembro e dezembro de 2019", relata.
A partir dos primeiros dados sobre o genoma do patógeno, de dezembro de 2019 a março de 2020, sua equipe montou uma árvore genealógica, com três ramos, A, B e C. Eles queriam saber qual variante do Sars-Cov-2 era a mais antiga, de forma a determinar sua origem geográfica. Na época, todas as três já eram encontradas na China.
Tudo não começou em Wuhan?
O tipo A foi constatado desde cedo em pacientes da América do Norte e Austrália. O tipo C, em Cingapura, Japão e Taiwan, e "entre os infectados também estava um italiano, presumivelmente um turista", conta o geneticista. "No entanto a maior parte das amostras continha a variante B, encontrada com grande frequência em Wuhan, China", o local que desde então é considerado o berço do coronavírus.
Como morcegos foram os mais prováveis transmissores, os cientistas compararam as três variantes identificadas com o coronavírus encontrado no animal. O resultado surpreendeu também a Forster: "Ficou claramente demonstrado que A é o tipo mais antigo, não o B, encontrado sobretudo em Wuhan. Eu duvido que lá seja realmente o epicentro de propagação."
O achado aponta antes para um local como a província de Guandong, no sul chinês: "A metade de todas as suas amostras, na época, era do tipo A; em segundo lugar, em Guandong há populações de morcegos; e em terceiro, já houve antes surtos de coronavírus por lá." No entanato, o pesquisador ressalva que a quantidade de amostras de que se dispunha no segundo trimestre era muito pequena, pois não havia tantos infectados.
A análise de Forster não está livre de controvérsias. No site da revista especializada Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), outros cientistas criticam a metodologia da pesquisa e a interpretação dos resultados. Lá se podem também ler as respostas do geneticista, cujo artigo já foi citado mais de 300 vezes na literatura científica.
Tendência a menor letalidade
O estudo que data em setembro de 2019 a primeira incidência do Sars-Cov-2 não é a única indicação de que o vírus já chegara à Europa mais cedo do que se pensa. Um exame das águas de esgotos do norte da Itália igualmente acusou sua presença já no fim do ano.
No entanto o primeiro caso de um italiano que comprovadamente não estivera de férias na China só foi documentado em fevereiro. A partir daí, tudo correu muito rápido, e a Itália atravessou uma das ondas de covid-19 mais graves da Europa, com 1,3 milhão de infectados e mais de 47.000 mortos.
Forster explica essa súbita erupção com uma mutação que resultou na variante B-D614G, consideravelmente mais infecciosa. Ela também chamou a atenção do grupo de pesquisadores americanos encabeçados por Bette Korber, que fez uma comparação entre os dados clínicos de infectados com esse subtipo e outros pacientes de covid-19.
Segundo Forster, "a carga viral nas vias respiratórias era muito mais elevada". "Esses pacientes eram muito mais infecciosos, por isso o vírus pôde se alastrar mais rápido e melhor." Em pouco tempo o subtipo B-D614G dominava 97% dos casos. Uma verdadeira campanha de vitória viral, com mais de 55 milhões de contaminados em todo o planeta.
O geneticista avalia que o perigo de um mutante ainda mais letal tem tendência a diminuir: "Quando um vírus se estabelece numa população, há respostas imunológicas que reduzem sua periculosidade." Para continuar existindo, faz mais sentido o patógeno se tornar mais infeccioso, porém não mais perigoso, pois se mata o hospedeiro, ele também sai perdendo.
"Um novo vírus é inicialmente o mais infeccioso possível, sem consideração pelas perdas", explica Peter Forster. Em países como a Itália, essa regra se fez sentir de forma especialmente dolorosa.