Ideólogos do jihad preconizam atentados como em Nice
16 de julho de 2016Numa mensagem de vídeo, em setembro de 2014, o então porta-voz da organização terrorista "Estado Islâmico" (EI), Abu Muhammad al-Adnani, lembrava aos candidatos a jihadistas das possibilidades de usar os meios mais primitivos para cometer homicídios.
"Se vocês não encontrarem explosivos nem munição, então isolem um infiel americano, francês ou qualquer aliado deles. Espatifem-lhes o crânio com uma pedra, sangrem-nos com uma faca, atropelem com seus carros; atirem de qualquer lugar bem alto, estrangulem-nos ou os envenenem."
Além de uma brutalização pessoal extrema, essas prescrições do terrorista sírio, nascido em 1977 ou 1978 na região de Idlib, também revelam o programa de atentados terroristas em pequena escala que circula nos meios jihadistas desde 2005.
Contra os "cruzados judaico-americanos"
Mustafa ibn Abd al-Qadir Setmariam Naser, aliás Abu Musab al-Suri, foi o primeiro a formular essa estratégia. O sírio presumivelmente nascido em 1958 lutou contra o Exército Vermelho soviético no Afeganistão, ao lado dos mujahidin, os "guerreiros santos". Lá conheceu o fundador da Al Qaeda, Osama bin Laden, entre outros líderes fundamentalistas.
Chegando à Europa, Al-Suri ajudou a conectar a rede jihadista local. Consta que ele teve participação decisiva na fundação da facção espanhola da Al Qaeda, que em março de 2004 detonou quatro trens suburbanos em Madri, matando 191 passageiros.
O sírio teria igualmente ligações com os autores do atentado de 2005 ao metrô de Londres. Nesse mesmo ano ele foi preso no Paquistão e mais tarde entregue à Síria. A partir daí sua pista se perde nos cárceres do regime de Bashar al-Assad.
Mesmo assim Al-Suri conquistou alto prestígio nos meios fundamentalistas com o escrito Da'wat al-muqawamah al-islamiyyah al-'alamiyyah (Conclamação à resistência islâmica global), publicado na internet em dezembro de 2004.
Lá, ele culpa os "cruzados judaico-americanos" por destruírem intencionalmente o mundo islâmico através da "disseminação de uma cultura da decadência, da depravação, do adultério e da imoralidade, da exibição, da nudez, da promiscuidade dos sexos e de outras formas de corrupção social".
"Máximo possível de perdas humanas"
Como defesa contra tal ameaça, Abu Suri conclama à guerra sem fronteiras evocada no título, Os alvos são muitos e das mais diversas ordens: políticos e militares, a infraestrutura econômica, como aeroportos e portos náuticos, estações ferroviárias, pontes, cruzamentos de autoestradas, metrôs e locais turísticos.
Podem-se igualmente atacar bases militares e centros de informática, mas também alvos "sutis", como empresas de mídia e seus representantes. Também de interesse são "locais onde judeus se reúnem, assim como personalidades e instituições judaicas". Ficam excluídos os locais de devoção e as sinagogas.
Tudo isso serve apenas à resistência, assegura o jihadista sírio, mas ela deve ser praticada com todo rigor: "O tipo de ofensiva capaz de desestabilizar Estados e governos é o assassinato em massa da população civil. Isso acontece atacando-se grandes aglomerações humanas, acarretando assim um máximo de perdas humanas."
Isso é fácil, prossegue Suri, pois os alvos adequados são numerosos. "Por exemplo, arenas esportivas lotadas, eventos sociais anuais, grandes exposições internacionais, feiras ao ar livre movimentadas, arranha-céus, edifícios com muitos ocupantes."
Essa estratégia, já adotada antes pelos jihadistas na África e na Ásia, conduziu tanto o atentado contra a redação do tabloide satírico parisiense Charlie Hebdo, em janeiro de 2015, como contra a casa de shows Bataclan, igualmente na capital francesa, em novembro seguinte.
Pequenas ações, medo grande
Na mesma época que o manifesto de Al-Suri, entrou online um outro texto: Idara at-tawahush (A gestão da barbárie), cujo autor seria um dos ideólogos da Al Qaeda, um egípcio só conhecido pelo nome de guerra "Abu Bakr Naji". Também ele conclama à aplicação da violência máxima.
"Se não formos violentos em nosso 'jihad' e ficarmos frouxos, isso vai resultar em grande perda de nossa força, a qual, por sua vez é um dos pilares da comunidade dos fiéis. Uma comunidade forte consegue defender as próprias posições, ela sabe encarar o horror de frente e tem a solidez de montanhas. Essas são as boas qualidades que nós perdemos nesta época."
Portanto a violência é um instrumento central de luta, conclui Bakr Naji. Não se trata tanto de grandes operações, como os atentados com aviões de passageiros contra o World Trade Center de Nova York, em setembro de 2001. O agitador aconselha, antes, ações menores, cuja meta segue sendo, porém "incutir medo e horror no coração dos cruzados". Como agora, na cidade francesa de Nice.